domingo, 6 de abril de 2025

O que esperar de tão estranhos tempos

 

Cumpre-nos chamar a atenção do caro e estimado leitor que por estas linhas não serão traçados caminhos que se sustentam em convicções. Ou seja, não são propostas para levantar balões em temas que embasam certezas em cada um, tais como carnaval, religião, política, futebol. Ainda que possa alguma interpretação avançar ou se apropriar deste ou daquele “certificado”.

No lapso temporal de 10 anos temos que os últimos quatro definiram – ou estão a definir – uma nova conformação para o país, para sua gente. Como reflexo mundial, mas aqui com sinais muito específicos. O principal deles o de que inexiste – desde tempos pretéritos – uma proposta de país que envolva todos os espectros que o constituem. Assim, mais e mais estamos a confirmar a visão de Jessé Souza de que a “elite” de que dispomos voltada está para o atraso. Que o diga a ‘conveniente’ extinção da escravatura formal e o seu imediato.  

Desde muito perdemos – o que parece definitivo – a capacidade de reconhecer o diálogo, a conversa, a troca de ideias como instrumento natural à civilização. De reconhecer as diferenças e os diferentes como peças de um mesmo tabuleiro.

Não vivemos o fato, mas a narrativa. E no destinatário final (o leitor, o cidadão, o ouvinte, o telespectador) prevalece o que lhe chega e como chega: narrativa.

Inelutável que no imediato do processo eleitoral de 2022 o país vivenciou duas situações que hoje mais esclarecidas estão: a) um avanço de setores conservadores na composição do Congresso; b) um golpe de Estado posto em andamento.

O avanço do conservadorismo no Congresso não se pautou no convencimento do eleitor a reconhece-lo como sua “representação” (basta ver algumas figuras que lá estão!). Sabe-se que parcela considerável se alimentou de um escândalo chamado “emendas” (em suas diferentes espécies) que municiou redutos eleitorais asseguradores de eleição deste ou daquele ‘aliado’ do cacique. Simplesmente dinheiro público desviado escancaradamente para favorecer grotões alimentando a secular compra de votos com um volume de recursos jamais visto. Um outro, de um messianismo à brasileira, o único que vê o sionismo israelense como manifestação de Jesus Cristo!

Do golpe de Estado nada mais há a ser dito: provado e comprovado; com responsabilidades definidas. Até mesmo confessado explicitamente.

O que estranha este escriba de província não é o que aconteceu de então, mas o que não aconteceu desde então. No primeiro caso, o ensaio de enfrentamento pelo Poder Judiciário de buscar a “transparência” que deve ser exigida de dinheiro do povo já começa a ser levado em banho-maria, cozendo o galo em fogo lento até que a “narrativa” possa transformar o fato em mentira; no segundo, lá se vão três anos do golpe e ainda discutido pela "narrativa" como se houvesse dúvida em torno de sua elaboração e início de execução.

Nenhuma dúvida de que o andar da carruagem demonstra o quão frágeis são os caminhos de que dispomos. Tais caminhos têm uma tradução em Política: instituições. Ou seja, a construção histórica da civilização para alcançar e manter o que alcançou.

Mas, não duvide e estimado leitor: não mais são as instituições que orientam a sociedade, mas a narrativa que lhe é oferecida/imposta por quem a controla (a narrativa).

O mundo – o Brasil em particular – está lançando às calendas as conquistas civilizatórias que desaguaram no edifício das instituições simplesmente levando-as à covardia. Ao ponto de nem mesmo mais se reconhecerem que existem como pilares da sociedade.

Diante de instituições acovardadas talvez não haja o que esperar de tão estranhos tempos.