domingo, 27 de outubro de 2019

Colaboração sob a égide da semântica tupiniquim

(Des)cumprindo a Constituição
Nossos homens de toga, incumbidos – por juramento – de cumprir e fazer cumprir a Constituição passaram a dar-se ao gáudio de interpretá-la à luz de convicções, algumas tão rochosas quanto uma pluma ao vento. Eis-nos postos diante da elementar conclusão de que se estão a definir um ponto sob a interpretação da Carta não há como entender-se que tragam alheias dimensões àquela. 

Inclusive – o mais hilário – análises estatísticas do sistema prisional passam a alimentar a interpretação do quanto definido em cláusula pétrea na Lei Maior. 

Pobres crianças – diríamos, se estivéssemos visitando um jardim de infância – se sob o seu cutelo não fora o próprio ordenamento jurídico-constitucional de um Estado Democrático de Direito a cada dia lançado às falésias.

A compreensão dos senhores de toga não se conforma com a realidade social, tampouco pragmática. A compreensão dos senhores de toga tem o peso de uma pluma em ventania, sim, caro leitor.

Que o diga – para confirmá-lo – o proclamado ‘voto diferente’ que anuncia o Presidente do STF para o tema prisão antes do trânsito em julgado.

Enquanto Rosa Weber afirma em seu voto – ainda que reconhecendo haver votado anteriormente contra suas convicções para corresponder ao ‘instante’ em que o fez – que nem a Inquisição executou sentença antes do trânsito em julgado ensaia-se nesta terra sem destino outorgar conceituação e definição específica (leia-se, politicamente conveniente ao instante) através de uma interpretação ‘diferente’ para mudar a construção histórica da Civilização no curso de milênios.

No plano da interpretação das sentenças e dos enunciados esta prestação jurisdicional presta inestimável (des)serviço ao que possamos entender como Justiça. 

A confusa significação ofertada aos fatos – à verdade factual – ocupa incompreendidas observações para os que dela (Justiça) carecem. 

E tal o promove até mesmo o STF, uma casa mais de confusão e menos de interpretação. 

Tudo porque não mais o Direito como essência os norteia, mas o instante. 

Um singular instante sob o vigoroso comando da imprensa, apoiada por militares de pijama. Que hoje mais ‘entende(m)’ de tudo, inclusive de Direito.

Na esteira dos absurdos até mesmo o inusitado e singular fatiamento de recurso criminal em prejuízo da apreciação das matérias prejudiciais ao exame de mérito, como o ensaia o Desembargador Gebran Neto, do TRF-4, pretendendo que seja julgado o que lhe vem a seguir, antes do antecedente, como pode ser observado através da reação da defesa, disponível no Conjur.

Teori também colaborou
Até o presente sabia-se que o falecido ministro Teori Zavaski, do STF, teria sido uma pedra no sapato das arbitrariedades da Lava Jato. Sabe-se agora, que nem tanto. Manteve presos – em conluio com procuradores – executivos da Andrade Gutierrez para assegurar a delação por eles pretendida pela Lava Jato. "Vida que segue" – como o diz Ricardo Kotscho.

A promiscuidade alcançou foros inimagináveis, incluindo o STF.

Se o lídimo Teori – temido por procuradores da Lava Jato – esqueceu convenientemente de apreciar um habeas corpus até que o crime se perpetrasse estamos todos perdidos. Em definitivo.

Este o singular Estado de Direito neste Brasil. A tortura como método: física ou psicológica.

Não há como não concluirmos com Fernando Brito, no Tijolaço, a propósito da postura do ínclito Teori Zavascki: “qual é a diferença entre um juiz que “engaveta” para fazer delatar e o monstro que foi exibido estes dias na rede, num curso de preparação para policiais, que faz apologia da tortura como meio de delação?

Eis como criada a colaboração sob a égide da semântica tupiniquim.

domingo, 20 de outubro de 2019

O luto que nos invade


Tudo se discute nesta triste terra brasilis, menos o país e sua razão de existir. A declaração de independência, consolidada nas batalhas da Bahia, pretendia construir uma nação soberana. Ainda que sobre pilares engendrados por uma classe dominante excludente individualista e patrimonialista caminhava – mesmo trôpego – na busca de seu santo Graal.

Em alguns instantes históricos isso ficou mais evidente, quando projetos nacionalistas se efetivaram. A indústria siderúrgica, o primeiro instante para fugir à dependência externa, abriu caminho para a metalurgia e o processo de industrialização. Forças produtivas foram despertadas.

O domínio das riquezas foi a tônica do projeto daquele país do futuro. Sua exploração pelos brasileiros marcava um sonho de Pátria e alimentava a autoestima. Não somente os heróis sucumbidos às suas utopias, à frente deles o Tiradentes, o mártir mais consagrado, também os que construíamos esta nação.

A criação da Petrobras e da Eletrobras, aliada ao projeto de pesquisa nuclear que originou o CNPq, ainda nos anos 50, ofertava novas e esperançosas perspectivas para o país no concerto internacional. Nem discorramos sobre os momentos mais recentes.

Mas hoje nada resta nesta triste terra brasilis além do exaurimento de suas forças produtivas e do resto de autoestima de uma gente para quem tudo aqui era “o maior do mundo”.

O projeto de além-mar no antanho, que passou por domínio de Portugal e da Inglaterra e mais recentemente dos Estados Unidos no xadrez da convivência e dependência no mapa do planeta, se consolida em detrimento de nossos interesses arduamente defendidos no curso da história.

No entanto, não mais o controle da hegemonia no jogo da geopolítica nos aliena, mas um sistema alheio a tudo que não seja seu lucro. 

E assim o sistema financeiro, com sua teoria e prática neoliberal, consuma um projeto amadurecido há anos: tudo aos bancos e nada a mais ninguém.

A vocação do Estado no quesito atendimento aos interesses da coletividade e do bem comum, onde o povo seria destinatário, perdeu o objeto; não mais serve ao povo  mas é o próprio povo servido por ele na bandeja. 

Engalfinham-se Executivo, Legislativo e Judiciário, cada um com sua conivência e participação no desastre, em discursos e manchetes elevando valores e não-valores na construção da esterilidade pátria como cães ladrando enquanto a caravana neoliberal passa. Esquecem os que discursam de que quanto mais humilhado o país maior a segurança dos que o dominaram. E que foram eles os atores e autores desta humilhação que hoje buscam um mea culpa como meio de fazer-nos esquecer a mácula que causaram.

E hoje nada mais temos a não ser tentar reduzir o grau de humilhação.

Enquanto o fazemos, ocupando searas alheias à realidade, caminhamos célere para nos tornarmos escravos em substituição ao complexo de súdito. 

Ainda que atônitos a tudo assistamos o (não)futuro nos encaminha para o precipício. 

E para a morte como nação.

Não à toa o luto nos invade... pelas praias.

domingo, 13 de outubro de 2019

Palco do Apocalipse


O que nos tornamos
Óleo bruto avança sobre praias brasileiras. Parte dele já ocupa algumas áreas do litoral. Mancha de 21 K² detectada por satélite caminha para a costa. Ibama localiza barril de óleo da Shell em praia de Sergipe. Há quem fale de óleo de origem venezuelana, o que seria uma ataque do país vizinho ao Brasil.

Parcela do pré-sal entregue a preço vil. Petroleiras internacionais, as grandes beneficiadas. Trilhões de dólares trocados por uma centena de bilhões de reais.

O comando vivendo a Idade Média. Inclusive amparado na venda de Indulgências no atacado.

Palestram para plateias 01, 02, 03...

Irmã Dulce dos Pobres, a baiana canonizada neste 13 de outubro, tem pela frente realizar um milagre: salvar o Brasil do Apocalipse em que nos tornamos.

Piada I
Dos arautos do caos a declaração de que o óleo que ameaça o litoral tem origem venezuelana e estaria no mar de propósito, como típica agressão à nossa soberania. Eis a versão da Petrobras e do governo brasileiro.

Este surrealismo – que se tornou lugar comum nesta hoje triste terra brasilis – encerra uma típica piada: caso tivesse partido da costa venezuelana fez uma curva para chegar ao Nordeste evitando a costa da Venezuela, das Guianas e Suriname, de ilhas do Caribe, do Amapá, Pará, Maranhão e Ceará escolhendo Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia.

E há quem duvide de inteligência na Natureza bruta!

Piada II
Em declarações o atual chanceler Ernesto Araújo (cuidando da representação diplomática do Brasil como Ministro das Relações Exteriores) diz que o clima tornou-se discussão ideológica. “Capturada por uma ideologia” – diz o ilustrado.

Para ele “O climatismo está para a mudança climática como o globalismo está para a globalização. A mudança climática deveria ser estudada de maneira serena, racional, mas também foi capturada por uma ideologia".

Como nos tornamos uma piada pronta eis aí um gênio a serviço da Pátria.

Reviram-se nos túmulos Santiago Dantas, Afonso Arinos de Melo Franco, Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa, Graça Aranha...

Talvez careçamos de compreender Saint-Hilaire (1779-1853) como profeta ao metaforizar com sua imortal percepção: Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil. 

Por hoje chega, caro leitor!

domingo, 6 de outubro de 2019

De assassinos, assassinados e cavalgaduras


Os que matam também morrem
A Lava Jato está morta. Não porque pretendeu combater a corrupção. Morreu pelo remédio de que se nutriu, o método utilizado, de que se valeu. Não somente de meios ilícitos para apurar, condenar e prender, mas – e muito mais – para fazer política partidária. E naquele quesito – combate à corrupção – agiu de má-fé, dela utilizando-se para alimentar um projeto político-partidário que leva o país ao descalabro em que se encontra institucionalmente.

E não se negue que um de seus coveiros é aquele “com Supremo, com tudo” que a legitimou e hoje convive com o estorvo (por ela e por suas próprias decisões para responder à voz das ruas manipulada pela grande mídia) do qual faz das tripas coração para encontrar saída.

No entanto, o vício nela desenvolvido tem defensores ferrenhos, inclusive no STF.

No fundo, descobrimos que temos a cara de um Judiciário exposta: aquela que se vale de violações para dizer que faz Justiça.

Estados paralelos são atribuídos – na propaganda oficial – apenas ao crime (que já alcunharam até de organizado) mas, aos poucos, vamos descobrindo que suas raízes são muito mais profundas, porque encasteladas em alguns agentes do Estado à frente de Auditorias fiscais, órgãos de controle e julgamento fazendário, juízos e tribunais.

Posta a realidade em todas as suas dimensões de atuação se nos impõe compreender que a corrupção é a grande vitoriosa.

Tanto que até serviu de bandeira para o cometimento de aberrações judiciais para fins outros, como político-partidário-eleitorais como o promoveu a turma da Lava Jato.

Que “morre sem retrato e foguete” (Noel Rosa). 

Mas – muito provável que cumprindo o compromisso assumido com os interesses alheios aos nacionais – levando para o túmulo os bilhões de prejuízo causados à economia brasileira (ver texto abaixo), a leva de milhões de desempregados e, o mais irreversível, a ascensão de ‘líderes’ que destroem a história e a imagem da diplomacia pátria e que hoje nem mesmo são levados em conta no concerto internacional, onde mais causam asco e nojo que lástima. Quando não motivo de anedotas.

Não fosse a mácula sem retorno de que tudo ocorreu porque legitimado “com Supremo, com tudo”.

Entre os mortos
As guerras na Antiguidade tinham por condão o saque de riquezas e a escravização do povo vencido; as modernas para impor mercados. Conflitos bélicos que resultaram (só para falar nos mais recentes) em destituições de governos pautados estiveram em controlar riquezas (Iraque, Líbia) e outros em andamento visam controlar riquezas (Venezuela).

O exercício do poder é caminho para controlar mercados, impor os seus aos outros. Nenhum governo mantém encontros e conversas com outro pelos lindos olhos deste ou daquele dirigente, mas para vender/impor mercadorias, tecnologias, reservar consumo para suas indústrias e prestadores de serviços (inclusive construção civil).

Em regime de paz a diplomacia exercita justamente este entrelaçamento de interesses: negociar vendas e compras. Compro de você e você compra de mim. Um financia o outro para que compre o que venda. Os bancos de fomento são o instrumento de financiamento: em nível multilateral ou bilateral. O controle de agências de fomento são a chave-mestra do controle de mercados. Através delas são impostas exigências, estabelecidas condições para que este ou aquele governo possa participar dos negócios.

Caso um país dependa de um empréstimo fora de seus limites territoriais, à guisa de exemplo, se submete às exigências do FMI ou do Banco Mundial, o que, no fundo, são formas de controle do mercado interno do indigitado país (privatização, reforma cambial,  desnacionalização, abertura de setores da economia etc.).

No curso de décadas (mais de meio século) o Brasil conseguiu ocupar espaço significativo no exterior com suas empresas de construção civil. A tecnologia apurada levou-as a dominar parcela deste universo. Quando necessário, o Brasil (através de suas agências de fomento) custeava o tomador dos serviços financiando o investimento desde que a empresa nacional fosse a contratada e nossos serviços e bens vendidos.

No plano interno os investimentos em obras públicas (hidrelétricas, rodovias, portos, aeroportos etc.) ou de interesse social (moradia/casa própria) são financiadas por aquelas agências de fomento (BNDES, CEF etc.) com recursos oriundos de fundos públicos (FGTS, PIS/PASEP etc.) garantindo emprego, arrecadação de impostos, consumo e retorno dos investimentos de forma direta com a remuneração dos financiamentos.

Lemos que a CEF e o BNDES pedem a falência da Odebrecht.

A empresa, impedida de contratar por estupidez de decisões judiciais que confundem pessoa física com jurídica (e pune a empresa em vez de punir a pessoa física do seu dirigente) perdeu mercados (só de obras em andamento na América Latina mais de 5 bilhões de dólares) passou a viver dificuldades para honrar os compromissos (quem não ganha não tem como pagar o que deve) e pediu intervenção judicial para que fossem administradas as dívidas.

A isso atropelaram as iniciativas da Caixa Econômica e do BNDES com o pedido de decretação de falência, a oficialização da extinção da empresa, que empregava entre 200 a 350 mil conforme os investimentos públicos em obras, não fora estar integrada a setores estratégicos, como o petroquímico e mesmo à construção do submarino nuclear brasileiro.

Assim, o país não se bastou em parar de financiar novas obras, tampouco de pagar por aquilo que já fora realizado, cuidou também de matar a empresa.

Em meio a tantos mortos há assassinos e assassinados. Muitos assassinos ocupando altos cargos e impunes diante dos crimes cometidos, contra a lei e contra a Pátria.

“Com Supremo, com tudo”.

Dois instantes que se aperfeiçoam
Há em livro de Luiz Maklouf Carvalho (O Cadete e o Capitão - A vida de Jair Bolsonaro no quartel, lançado pela Editora Todavia, em agosto, como sinaliza Carta Capital)  a vida do inquilino do Alvorada na caserna. 

Não enveredemos pela substância de sua personalidade revelada no texto, mas no seu “nome de guerra” em documentos da caserna: Cavalão.

Daí para sua forma de ver as coisas na imagem exibida na rede durante a campanha tudo a ver.