São as instituições que se impõem respeito
umas às outras. O controle do Estado, na lição de Montesquieu, não pode estar
sob o cutelo de uma só delas sob pena de alimentar tiranias e ditaduras. A
vontade da sociedade e seus anseios devem estar sob a égide da soberania
popular.
Destarte, o Estado Democrático de Direito é a
forma de regime em que a soberania popular é fundamental. A contemporaneidade
marca-o sob o prisma da separação dos poderes estatais (Executivo, Legislativo
e Judiciário) harmônicos e independentes, de forma que não se desarmonizem,
tampouco comprometam a soberania popular.
Já afirmado que a Democracia não é o ideal,
mas nada fora dela será melhor.
Sob a Democracia o Estado Democrático de Direito
corresponderá a princípios fundamentais, quais sejam o respeito à
constitucionalidade, ao sistema dos direitos fundamentais, à igualdade e à
justiça social, à divisão de poderes (tripartite nos Estados modernos), do
respeito às leis como garantia da ordem e da segurança jurídica visando a
atuação estatal, e, como escopo maior, a superação das desigualdades sociais.
A sociedade se faz representar através da
eleição de dirigentes e legisladores. Traduzem tais representantes o ideário
político amparado nas ideologias que regem os partidos políticos que lhes dão
guarida.
O funcionamento pleno das instituições
democráticas cobra respeito às diferenças, à forma de pensar e de agir, desde
que não violem a lei ou atentem contra os princípios que asseguram a existência
do próprio Estado.
Decisões de governo – eleito para corresponder aos compromissos ideológicos que norteiam o grupo – hão de ser respeitadas em consonância com o princípio do respeito à Constituição e às leis.
Por outro lado, a insatisfação não recomenda
outra medida além da busca pelos meios de que deve se valer a sociedade, dentre
eles a pretensão a uma decisão judicial.
Em nada compatível com um Estado Democrático
de Direito que a disputa político-ideologizada deste ou daquele poder em
relação aos demais, uma vez que tudo se funda no respeito mútuo dentro das
competências de cada um: executivo (administrar), legislativo (legislar) e
judiciário (julgar as demandas que lhe cheguem). As decisões inerentes aos
poderes executivo (administrar) e legislativo (elaborar leis) podem ser
enfrentadas através de medidas judiciais, mas a decisões judiciais devem ser
respeitadas assim que esgotados os meios recursais cabíveis e que tenham sido
utilizados.
Tênue que seja, sob análise purista de seus
resultados, não é admissível o enfrentamento ou a desobediência à decisão deste
ou daquele poder, ainda que todos tenham em si o vício comum ao Estado como
resultado da experiência humano-civilizatória, onde grupos hegemônicos
estabeleceram as regras gerais e as impuseram sob a conformação de um estado jurídico
e politicamente organizado.
No curso da semana convivemos com o inusitado
de o chefe do Poder Executivo não se conformar com uma decisão judicial que em
nada lhe dizia respeito (pessoal ou funcionalmente) e, em desafio declarado, alardeou
a aplicação de graça ou indulto antes mesmo que a decisão questionada houvesse
sido publicada.
A abordagem deste escriba de província não vem
a termo em razão de mais uma de suas inconsequências (que não são poucas), mas
daquilo que vê por trás de uma pretensão maior, qual seja tumultuar o
funcionamento das instituições republicanas, que pode levar a uma ruptura
diante do que lhe seja adverso o resultado das eleições presidenciais.
As agressões inconsequentes – à luz da denominada ‘liturgia do cargo’ – ao Poder Judiciário, personalizando-as em alguns de seus membros, aliadas às dúvidas que levanta quanto a lisura do processo eleitoral, alimenta um clima de insegurança institucional que deixa no cidadão comum profundas dúvidas em torno do que será este ano de 2022.
Fazendo um jogo dirigido ao público cativo,
que espelha o que nele existe de mais negativo e sombrio, alimentando insubordinações
em searas militares, armando a população, exaltando a anarquia e aplaudido por
iniciativas que atendem aos interesses da classe dominante, temos que articula
concretamente contra as instituições democráticas e porá o bloco na rua na
primeira oportunidade que sentir necessária.
Registramos neste espaço (Há quem não esqueçae o que não pode ser esquecido):
“No particular desta terra
brasilis não será demais duvidar dos instrumentos que – em princípio – garantiriam o funcionamento das instituições”.
Para Zuenir Ventura “1968” foi “o ano que não
terminou”. Para este escriba de província 2022 tornou-se um ano emblemático:
não somente o ano que vai acabar no 31 de dezembro, mas o ano que pode acabar
com o Brasil. Por quem sonha com o recomeço.