Fomos
questionado em razão da conclusão levada a termo no último dominical (“LaranjaMadura”). Mais precisamente pelo “nenhum deles em suas falas enfrenta o ‘cavalo
de Tróia’ chamado ‘equilíbrio fiscal’”, referindo-nos a Ciro Gomes e Lula.
Cumpre-nos
entender o que seja o ‘cavalo de Tróia’ fora dos limites da História e
compreender as facetas de sua existência em nosso dia a dia. E mais, os
‘cavalinhos/guerreiros’ nele introduzidos. Para início de conversa, que o
‘equilíbrio fiscal’ é um dos muitos, este posto em nível de ‘dogma de Fé’.
Eis um
capítulo significativo e muito pouco discutido, por tudo que representa em si:
o domínio dos Estados Unidos sobre a América Latina – através das agências que
controla (FMI, Banco Mundial, OMC, sem falar no próprio Tesouro americano).
Tal
controle é secular (mesmo antes do término da II Guerra), motivo de invasões e
violências contra sistemas legitimamente eleitos quando não fazem o jogo de
seus interesses. Nada mais que o famoso ‘big Stick’ desde os tempos de Theodore
Roosevelt Jr. (1858-1919), a diplomacia do grande porrete traduzida nos
processos de retaliação contra quem não comungue com seu jogo comercial: tudo
para nós.
Detentor
do sistema imperialista contemporâneo, como romanos e quejandos outros na
Antiguidade (daqueles se utiliza simbólica águia), Inglaterra, Espanha,
Holanda, França mais remotamente.
O
consenso de Washington – como denominado o originado da reunião ocorrida na
capital estadunidense em 1989 – voltou-se para corresponder aos interesses do
liberalismo por eles capitaneado em sua versão ‘neo’, impondo aos latinos o que
devem fazer em nível de políticas financeiro-orçamentárias.
No
Brasil atrelados escancaradamente ao Consenso: Fernando Collor, FHC, o atual
inquilino do Alvorada e nem dele escapou (no quesito privatizações/redução do
Estado) Itamar Franco. O agente Temer foi instrumento de retomada do controle,
com auxílio do Congresso e do aparelho judiciário manipulado através de Moro,
Procuradores da República e mesmo STF (quando tolerou os abusos e violações às
normas, sem falar em julgamentos que atendem pavlovianamente ao “pacta sunt
servanda”, pedra sensível para asseguramento do sistema).
O jogo
político em torno do tema é por demais sensível. O poder, de forma direta ou
indireta, precisa compreender a diplomacia ‘dos interesses hegemônicos’ sob
pena de não sobreviver. Que o digam Lugo (Paraguai) e Dilma (Brasil) entre os
exemplos mais recentes. Não incluímos a Venezuela porque ainda consegue
enfrentar, mesmo com suas reservas internacionais bloqueadas (sem poder
usá-las).
O nó
górdio reside neste detalhe, quando tratamos de eleições no Brasil: se há algum
candidato que enfrente em plenitude o ‘Consenso de Washington’.
Para
ilustrar um pouco o caro e paciente leitor situemo-nos diante do que afeta a
gestão pública brasileira a partir do Consenso, não esquecendo que políticas
outras anteriormente a ele foram-nos impostas sob o cutelo do ‘big stick’ a
partir do golpe de 1964 (que derrubou Jango e suas ‘reformas de base’), que trouxe
na esteira a reforma cambial (que Juscelino, Jânio e Jango enfrentaram), a
reforma bancária, a reforma da legislação trabalhista (a criação do FGTS foi o
primeiro grande baque nos direitos do trabalhador), a reforma da educação (para
alimentar o ensino privado), legislação para garantir o investimento de capital
sem risco (alienação fiduciária e seu sistema de ‘execução privada’) etc. etc.
No
imediato ao Consenso vivíamos destituídos de poupança interna e dependentes do
FMI, que como testa-de-ferro do capital só empresta a quem leia na cartilha do
sistema.
FHC
aliou-se (e mesmo escreveu) à defesa da “teoria da dependência”, pela qual a
América Latina somente se desenvolveria sob financiamento externo. E aí o detalhe:
tal financiamento somente às custas da apropriação estrangeira do mercado
interno, suas riquezas e, naturalmente, do ‘Estado mínimo’, depois de beijar os
pés do caboco FMI.
Os
gregos venceram os troianos não porque cercaram a cidade, mas porque a
invadiram enganando os de Tróia oferecendo-lhe um ‘cavalo de madeira’ recheado
de guerreiros.
Duas
tragédias se destacam e abatem o Brasil sobre o crivo do Consenso de
Washington, adredemente elaboradas (e aceitas): a Lei de Responsabilidade
Fiscal (elaborada para garantir o pagamento da dívida e seu serviço
independente de qualquer resultado fiscal positivo) e o famigerado “equilíbrio
fiscal”.
Este
‘equilíbrio fiscal’ está mais que garantido, através da ‘Lei de Teto dos Gastos’.
Trata o Estado como uma atividade privada (ainda que possa emitir moeda e
controlar seu fluxo/circulação): só pode gastar se arrecadar.
Para
que o leitor entenda o que dizemos em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal
toda ela se resume (para os interesses do capital) no grifo abaixo:
Não serão
objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e
legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço
da dívida, as relativas à inovação e ao desenvolvimento científico e
tecnológico custeadas por fundo criado para tal finalidade e as ressalvadas
pela lei de diretrizes orçamentárias. (LRF, Art. 9º, § 2º).
Leia
atentamente e veja que sentido faz INCLUIR o
pagamento do serviço da dívida além de garantir o butim capitaneado pelo
capital especulativo (interno e externo).
O cavalo
de Tróia que foi posto no Brasil se alimenta de privatizações, Estado mínimo, exploração
da mão de obra, garantia a investidores externos em detrimento dos locais,
entrega do controle sobre as riquezas naturais etc. etc.
Qualquer
governo eleito que o enfrente mais contundentemente sofrerá os ataques externos
(políticas de retaliações etc.). Sempre lembramos da entrevista de Moniz Bandeira
(em 2013) afirmando que os Estados Unidos não tolerariam o protagonismo do
Brasil. Em entrevista posterior a Carta Maior retomou a temática.
Promover
desestabilizações na América Latina é apenas um capítulo a mais da cartilha dos
Estados Unidos.
No
processo eleitoral vindouro não acreditamos que qualquer candidato – em
especial os ditos nacionalistas – incluam em seus discursos que enfrentarão o
Consenso de Washington publicamente. Em especial no seu ‘calcanhar de Aquiles’,
o equilíbrio fiscal.
Lula/Dilma
o fizeram (em parte) por caminhos outros. Pagaram a conta. Ele, preso e
afastado do processo eleitoral de 2018; ela, derrubada simplesmente.
O ‘cavalo
de Tróia’ não brinca. E sabe que o povo/eleitor não entende qualquer discurso
que o expresse.
Lula e
Ciro Gomes também.