domingo, 14 de agosto de 2022
domingo, 7 de agosto de 2022
Venenos
No
plano da Ciência Política a tirania se tornou na contemporaneidade apenas
elemento para estudo comparativo entre outras formas de dominação sob a égide
da liberdade como ideia primordial na construção da relação Estado-cidadão,
espaço em que a democracia se contraporia visceralmente àquela. Sendo forma de
governo exercitada de forma autoritária, opressora por excelência, em essência
e definição, tirano é o usurpador da soberania, aquele que se coloca acima da
lei e da justiça.
Platão e Aristóteles, viam nos tiranos os ditadores
que assumem o controle social e político de modo despótico, seja-o pela força
ou pela fraude. O desrespeito às liberdades civis, ao lado do terror constroem
a figura repugnante, fenômeno avaliado pela filosofia na Grécia Clássica, onde
se destacou Psístrato, reconhecido como grande reformador.
Mas, a indagação se fez no curso dos tempos:
por que a maioria se submetia à vontade do tirano?
Éttienne de La Boétie (1530-1563) teoriza em
torno do modo como os povos podem se submeter voluntariamente ao governo de um
só homem: em primeiro lugar, pelo hábito, uma vez que quem está acostumado à
servidão tende a não questioná-la; em seguida, pela religião e pela
superstição que se cria em torno da figura do líder.
Para o francês, na ilusão de que vivemos em liberdade,
o hábito, a covardia e a velada participação são os verdadeiros cúmplices do tirano.
Na contemporaneidade brasileira as lições de La
Boétie se fazem presentes. Não pela velada participação, tampouco hábito; mas
pela covardia.
A democracia brasileira – esqueceram os seus elaboradores pós ditadura – não se fez reconhecida na coragem além da derrubada simbólica da ditadura militar de que se valeu a caserna apoiada pela sociedade civil, entendida esta como a classe dominante pátria, que conta com parcela significativa de seus integrantes que historicamente tem horror à Pátria e à sua gente.
Nesta covardia que nos acomete não estamos os cidadãos incorporados em plenitude (além de legitimações esparsas) mas – salvo alguns resistentes – os que se acomodam no seio de instituições.
Valemo-nos neste dominical apenas de
veiculações do Brasil247 para ilustrar a que nos habituamos a não perceber.
Ilustre desconhecida, inquilina do Alvorada,
fala em defesa do marido em culto evangélico que o Palácio do Planalto (e
certamente o do Alvorada) esteve “consagrado a demônios”. (aqui)
Os indígenas guarani kaiowá denunciam
pulverização de veneno pelo agronegócio próximo a moradias e escola. (aqui)
Um admirador do mito, pretendendo mandato,
manipula informação antiga para ‘denunciar’ (pelo meio que lhes deu fama,
fakenews), que crianças cariocas estariam usando cocaína em escola. (aqui)
Parlamentares sonham dotar de autonomia
institucional (o que inclui manuseio de recursos financeiros que lhe seriam
obrigatoriamente destinados) as polícias militares. (aqui)
Por fim, um campeão mundial de jiu-jitso
assassinado por um policial. (aqui)
E aí estamos, caro e paciente leitor, neste
domingo que veiculará debates entre candidatos em diferentes estados. Não
faltarão o apelo religioso, a superstição, a defesa da morte como instrumento
da pacificação e o elogio vazio ao inexistente.
Certamente não serão lembradas com a veemência
devida as agressões ao Estado Democrático e às suas instituições.
Afinal, vivemos um processo eleitoral instável,
inseguro, desafiado diuturnamente por um punhado de militares do Exército (que estão a fugir de sua função institucional e nem mesmo atentam para suas obrigações funcionais) coordenados por um subalterno de caserna, dela afastado por prática de atos
tipificados como terrorismo.
É que tudo nesta terra brasilis envenena: de indígenas a mentes.
segunda-feira, 1 de agosto de 2022
Esperança, eis o que resta
O cidadão comum tem sua base de informação
pautada no que lê, ouve ou vê. No que diz respeito ao cotidiano o que lê está
nos jornais e revistas, o que ouve ou vê através de rádio e televisão. No imediato
– afetado pelos meios contemporâneos de comunicação – bombardeado por mensagens
através de celulares/computadores.
Aqui aventamos em torno da fonte de informação
versus a realidade vivida. Ou seja, corresponde a informação recebida à
realidade vivida?
Uma ida ao supermercado, ao açougue, à feira-livre
reverbera clamores e insatisfações. O dinheiro cada dia mais curto, ainda que
as necessidades a serem atendidas estejam reduzidas nas listas dos
planejamentos domésticos, algumas sublimadas (ovo em vez de carne etc.).
Mas nos deparamos com os ‘analistas
econômicos’ de plantão concluindo que a situação do país está superando as
dificuldades e mesmo a melhorar. O cinismo de alguns chega ao desplante de
dizer que o imediato não se sustenta no futuro, mas se sustentam nos 'indicadores' de que se valem.
Por trás de tudo tais analistas repercutem políticas
do governo federal implantadas para efeitos eminentemente eleitorais, com prazo
de vencimento em dezembro, como os ‘reajustes’ de bolsa isso-bolsa aquilo.
Nenhuma referência à realidade de que parte do dinheiro que falta escorreu pelo
ralo da sem-vergonhice e bandidagens várias, inclusive gastos com pagamento de
auxílio emergencial a milhares de mortos que consumiram alguns míseros bilhões
de reais (Vermelho) sem falar nos vivos 'muito vivos' encastelados em escalões governamentais vários. Dirão eles que o aspecto não lhes cabe abordar.
Folheando Millôr Fernandes (1923-2012) em “Millôr
Definitivo – A Bíblia do Caos” (LP&M Pocket, 5ª impressão, 2005, p. 594)
encontramos:
“[...]
Heróis nunca me iludiram. Quando caço
o homem, como Nemrod na Bíblia, e procuro alvejar individualmente o mesquinho,
o covarde, o safado, o hipócrita, o corrupto, o incompetente e, coletivamente,
a medicina, a política, a psicanálise, o jornalismo, o economismo e sandices
(que são as minhas, eu nunca esqueço; só que eu nunca esqueço; a maior parte
das pessoas nem se lembra) não estou preocupado com essas falhas e defeitos
insanáveis, mas com o inevitável fim a que isso leva – a desumanidade do homem
para com o homem”.
Eis o retrato cru da crueldade com que tratado
o homem brasileiro. A desumanização como política de estado maquiada através do
jornalismo econômico em defesa do individualismo, negando a coletividade de
pessoas, todas iguais em espécie e a maioria transformada em pária por um sistema
que explora a totalidade em benefício de um punhado.
Em meio a ‘sandices’ tantas o Cristianismo
manipulado para produzir riqueza a ponto de até marchar pelas ruas “em nome de
Jesus” exibindo arma como novo instrumento de fé, essa fé mesquinha que
alavanca a miséria que mata e ensina a matar para sobreviver.
Mas – é também da natureza humana, ainda que explorada e vilipendiada – acreditar em algo que não toca mas assegura suportar o dia seguinte que desconhece. Em meio a isso a sublimação, a busca por sentir possível a realização de um sonho, de confiar, de acreditar.
Não tendo como entender tanta mensagem otimista quando seu imediato se faz de pessimismo resta se apegar a alguma coisa. E não lhe falta. Sim, caro e paciente leitor, porque entre as virtudes teologais – ao lado da caridade e da fé – a esperança ainda existe e, nestes nada áureos tempos, mesmo desfila portando uma arma.
Esperança, eis o que resta. Não sabemos como
será exercitada.
Afinal, “Num país como o Brasil, manter a
esperança viva é em si um ato revolucionário” (Paulo Freire).
Se já o foi para Paulo Freire (1921-1997) imagine para os que vivemos 25 anos depois bombardeados por mensagens de otimismo!