Nas primeiras linhas d’ “O 18 de Brumário de Luis
Bonaparte”, trazendo a lume Hegel (Preleções sobre a Filosofia da História, Terceira
Parte) e ao seu comentário de que “todos os grandes fatos e todos os
grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas
vezes”,
afirma Marx que “Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia,
a segunda como farsa”. (Aqui disponibilizamos edição eletrônica da BoitempoEditorial, com tradução de Nélio Schneider, que inclui prefácios imprescindíveis
à leitura e ao bom leitor para entender, inclusive, o que ora acontece no país).
Longe do palco que norteou Karl Marx, Marcuse,
Engels, Proudhon não temos que a História que nos afeta se repita ‘como farsa’.
Cremos que a farsa (pior que a tragédia) é uma constante. A propósito – apenas para
provocar a leitura – aproveitemos a deixa posta na Nota da Editora aventando
dentre as conclusões de Marx: “a tese de que o proletariado não deve
assumir o velho aparato estatal, mas desmantelá-lo”. Que o diga a esquerda
tupiniquim, sempre preocupada com as alianças e esquecendo de trazer para o
palco o destinatário da luta, o próprio povo.
Mas, adiante com nosso dominical.
Exibindo os dentes do que dispôs, dispõe e disporá,
a campanha do inquilino do Alvorada para permanecer no poder — muito mais daqueles que se beneficiam
de seu (des)governo — acaba de
ser lançada. Assim nos parece.
De certa forma —
ajustada
à realidade — há uma
espécie de alae jacta est e dela nos aproveitamos.
A expressão, atribuída a Julio César (100 a.C-44 a.C), de atravessar o Rubicão
com suas tropas para enfrentar os encastelados no Senado em Roma, que buscavam
afastá-lo do poder, encontra nesta realidade tupiniquim uma contraposição
idêntica, quando nada, assemelhada: o ingresso do nome do ex-presidente Lula
como candidato em 2022 e o que pode representar de incômodo para o atual
detentor do poder.
Em Roma daquele 52 a.C. — quando acabara de derrotar e subjugar
Vercingetórix (quem já leu ou lê “Asterix, o gaulês”, de Goscinny e Uderzo, em
que cada instante histórico é posto sob o prisma da hilariedade, compreenderá
melhor) — o Senado
impunha a César que dispensasse seu exército e retornasse a Roma como simples
cônsul. Uma forma simples de destituí-lo do poder que concentrava como
imperador desde que o triunvirato se desfez com a morte de Crasso e Pompeu se
tornara adversário.
Aqui o risco paira na realização de eleições
limpas com candidato altamente competitivo, com o agravante de que possam
exigir debates com quais o inquilino não se afina. Afinal, sonha ele em
atravessar, antes de 2022, um ‘rubicão’ chamado golpe.
Mas, indagará o caro e paciente leitor: onde a
campanha lançada? E quem acabou de lançá-la?
Sabido e consabido que os métodos que levaram
o inquilino ao poder pautaram-se em vários aspectos, sendo o primeiro deles o
impedimento de Lula candidatar-se, e mesmo de participar da campanha. Aliado a
isso, um processo eleitoral apoiado em mensagens mentirosas (as famosas fake
news) e, como fosse pouco, um lance singular: uma facada sem sangue, sem
cirurgia, para ocupar o noticiário, desviando do real debate necessário o
processo eleitoral. Para consolidar o método o apoio salivante da mídia,
deslumbrada diante da única saída de que dispunha para defesa do projeto e agindo
como cão de Pavlov.
Sem programa de governo capaz de levar à
discussão o inquilino escancara através de seus áulicos o método a ser
utilizado: o mesmo. Com facada e tudo. (A facada tem o condão de justificar sua
ausência em debates).
Por azar das circunstâncias que criou e não
soube administrar, ele que imaginava nadar de braçadas sem candidato
competitivo, está diante da única coisa que não desejava: Lula. De quem se livrou
graças a Sérgio Moro (a quem agradeceu de público e premiou-o com o Ministério
da Justiça) e Procuradores de Curitiba, desmoralizados pelos fatos trazidos a
público e hoje nada mais que resto de traque queimado.
Para não perder tempo o ilustre ‘inquilino’
acaba de ver lançada por admiradores a campanha à sucessão, caso tomemos a
irresponsabilidade de Leda Nagle anunciando em rede (UOL) que o indigitado está
ameaçado de morte. Mesmo desmentido posteriormente o tema viralizou,
especialmente em meio aos apoiadores do singular messias tupiniquim.
Não sabemos se a farsa do atentado se
repetirá. E, se repetida, funcionará.
Mas, como anúncio de campanha este escriba de
província não a descarta porque, no fundo, vivemos uma típica farsa: a de que
somos uma nação, temos instituições sólidas, vivemos numa democracia... e o
inquilino preside o país.
E que o expresso por Herbert Marcuse, como
Prólogo publicado em 1965 sobre o 18 Brumário, não faça com que este país se transforme
“num aparato político-militar encabeçado por um líder ‘carismático’ que tira
das mãos da burguesia as decisões que essa classe não consegue mais tomar e
executar por suas próprias forças”. Porque “a farsa é mais terrível do que a
tragédia à qual ela segue”.