O então Procurador-Geral da República
de José Sarney, Sepúlveda Pertence, entusiasta dos avanços que inovaram em
nível de competências, novas atribuições, liberdade de ação e poder do Ministério
Público na elaboração da Constituição de 1988 (dos quais participou
concretamente), confessou, no imediato: “Criei um monstro”.
Da ideia inicial de desatrelar a
instituição do Poder Executivo surgiu o que aí está.
Cremos que o atrelamento puro e
simples do MP ao Poder Executivo não se configura como exemplo de dignificação da
instituição, mas daí ao precedente de exercício arbitrário dos poderes a distância é de anos-luz. E vemos como 'exercício arbitrário' uma infinidade de práticas denunciadas não tão à sorrelfa.
As mudanças trazidas no bojo da
Constituição tornaram o MP brasileiro uma instituição sem paralelo no mundo
(BBC News). O que aí está alcançou status que não possuía antes: de ser não
mais órgão, mas parte do sistema de poder (com autonomia administrativa,
independência, equiparação aos membros do Poder Judiciário).
Daí nada faltou — assim o vemos —
para
posteriormente aliar-se ao raciocínio que se sustenta no ‘eu posso’, ‘eu acho’,
‘eu faço’.
A vocação do “eu detenho o poder”
marca este país de São Saruê. Do vetusto inspetor de quarteirão ao delegado
calça-curta em tempos pretéritos. Hoje, do guarda de trânsito (que passou a guardião
da multa!) ao chefe deste ou daquele, disto ou daquilo.
Sapiente conquista da Civilização: o
poder sem controle é um câncer para a sociedade, caminho para a tirania.
Incompatível com o conceito de Democracia. Razão por que o controle social
sobre os Poderes se impõe como conquista civilizatória. O controle social é um
freio para que desmandos sejam evitados, inclusive que possam representar
limitações à capacidade intelectual de exercício da função.
Este controle social deve pautar-se na
imperiosa necessidade de evitar que o ‘espírito de corpo’ dos pares seja a
tônica, como ocorre no atual sistema.
Fatos vivenciados na história recente
demonstram o quão temerário se tornou o ‘monstro’.
Mas. aquele ‘monstro’ de que falava
Sepúlveda Pertence está em regozijo diante da derrota congressual de projeto de Emenda Constitucional que tentou ampliar à
sociedade parcela do controle do Ministério Público. Não nos importa a dimensão
tentada, tampouco se efeito razoável causaria. Nos atemos ao fato de que surgira
uma vertente de pensamento que se voltava para reduzir a autonomia e a independência
do ‘monstro’ criado no bojo da Constituição de 1988, que sucumbiu por falta de
votos no plenário. Inclusive gente à esquerda votou com o ‘monstro’ (247).
Mas, concluamos a pretensão maior
deste dominical. Para tanto, de plano esqueçamos os crimes cometidos por
membros do Ministério Público, de Procuradores da República a figuras menores.
Até porque não são eles maioria nas instituições a que pertencem, apenas
parte delas exercitando humores político-partidário-eleitorais e mesmo tentando
criar ‘fundos’ para garantir sinecuras, haja vista a tentativa de ‘controlar’
alguns bilhões de dólares ou reais de recursos públicos para uma fundação
inteiramente atípica, como o pretendeu a ‘república’ de Curitiba.
Fiquemos, portanto, com aquele viés
mais simplista, aparentemente: o do ‘achar’ etc.
Em maio de 2020 o fato ocupou as
manchetes: mulher (negra) vítima de violência policial no bairro de
Parelheiros, em São Paulo. A cena que chocou a todos (no imediato um caso
ocorrido nos EEUU, quando um policial exercitando idêntica prática matou um
homem, também negro) encontrou reações de indignação (inclusive do Governador
de São Paulo): um policial pisa no pescoço da mulher, que já se encontra
imobilizada.
A vítima diz ter ‘sofrido’ uma
rasteira, ‘desmaiado três vezes’ e deu entrada no hospital com ferimentos no rosto, nas costas e com a perna quebrada.
A Justiça Militar aceitou denúncia
contra os policiais por reconhecer que a versão levada por eles à Delegacia
estava eivada de mentiras. Tornaram-se réus incursos nas penas por “lesão corporal, abuso de autoridade, falsidade ideológica e
inobservância de regulamento" (247).
Mas... mas — pasme o paciente e estimado leitor diante do contido na matéria acima disponibilizada.
A promotora de Justiça Flávia Lias
Sgobi, do MP paulista, “achou” outras coisas e aquela que era vítima
(assim reconhecida até pela Justiça Militar) tornou-se acusada dos crimes de infração de medida sanitária preventiva,
desacato, resistência e lesão corporal.
O “eu acho” está configurado no fato
de que a ilustríssima senhora deve ter se pautado para encontrar ‘sua’ verdade
naquele inquérito que a Justiça Militar afirma ser fruto de ‘mentiras” dos
policiais.
Não há informação de que policial haja
recebido rasteira, tenha oferecido resistência ou sido melado de merda pela mulher pisoteada,
tampouco quebrado a perna ou ferido no rosto
Nada a comentar. Apenas acrescentar:
esqueceu ‘sua excelência’ (com minúscula, revisor!) de citar aquela que nos
parece a principal arma do crime — o pescoço da negra. Que deve ser causa de ‘lesão
corporal’ na botina do policial.
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