No
plano da Ciência Política a tirania se tornou na contemporaneidade apenas
elemento para estudo comparativo entre outras formas de dominação sob a égide
da liberdade como ideia primordial na construção da relação Estado-cidadão,
espaço em que a democracia se contraporia visceralmente àquela. Sendo forma de
governo exercitada de forma autoritária, opressora por excelência, em essência
e definição, tirano é o usurpador da soberania, aquele que se coloca acima da
lei e da justiça.
Platão e Aristóteles, viam nos tiranos os ditadores
que assumem o controle social e político de modo despótico, seja-o pela força
ou pela fraude. O desrespeito às liberdades civis, ao lado do terror constroem
a figura repugnante, fenômeno avaliado pela filosofia na Grécia Clássica, onde
se destacou Psístrato, reconhecido como grande reformador.
Mas, a indagação se fez no curso dos tempos:
por que a maioria se submetia à vontade do tirano?
Éttienne de La Boétie (1530-1563) teoriza em
torno do modo como os povos podem se submeter voluntariamente ao governo de um
só homem: em primeiro lugar, pelo hábito, uma vez que quem está acostumado à
servidão tende a não questioná-la; em seguida, pela religião e pela
superstição que se cria em torno da figura do líder.
Para o francês, na ilusão de que vivemos em liberdade,
o hábito, a covardia e a velada participação são os verdadeiros cúmplices do tirano.
Na contemporaneidade brasileira as lições de La
Boétie se fazem presentes. Não pela velada participação, tampouco hábito; mas
pela covardia.
A democracia brasileira – esqueceram os seus elaboradores pós ditadura – não se fez reconhecida na coragem além da derrubada simbólica da ditadura militar de que se valeu a caserna apoiada pela sociedade civil, entendida esta como a classe dominante pátria, que conta com parcela significativa de seus integrantes que historicamente tem horror à Pátria e à sua gente.
Nesta covardia que nos acomete não estamos os cidadãos incorporados em plenitude (além de legitimações esparsas) mas – salvo alguns resistentes – os que se acomodam no seio de instituições.
Valemo-nos neste dominical apenas de
veiculações do Brasil247 para ilustrar a que nos habituamos a não perceber.
Ilustre desconhecida, inquilina do Alvorada,
fala em defesa do marido em culto evangélico que o Palácio do Planalto (e
certamente o do Alvorada) esteve “consagrado a demônios”. (aqui)
Os indígenas guarani kaiowá denunciam
pulverização de veneno pelo agronegócio próximo a moradias e escola. (aqui)
Um admirador do mito, pretendendo mandato,
manipula informação antiga para ‘denunciar’ (pelo meio que lhes deu fama,
fakenews), que crianças cariocas estariam usando cocaína em escola. (aqui)
Parlamentares sonham dotar de autonomia
institucional (o que inclui manuseio de recursos financeiros que lhe seriam
obrigatoriamente destinados) as polícias militares. (aqui)
Por fim, um campeão mundial de jiu-jitso
assassinado por um policial. (aqui)
E aí estamos, caro e paciente leitor, neste
domingo que veiculará debates entre candidatos em diferentes estados. Não
faltarão o apelo religioso, a superstição, a defesa da morte como instrumento
da pacificação e o elogio vazio ao inexistente.
Certamente não serão lembradas com a veemência
devida as agressões ao Estado Democrático e às suas instituições.
Afinal, vivemos um processo eleitoral instável,
inseguro, desafiado diuturnamente por um punhado de militares do Exército (que estão a fugir de sua função institucional e nem mesmo atentam para suas obrigações funcionais) coordenados por um subalterno de caserna, dela afastado por prática de atos
tipificados como terrorismo.
É que tudo nesta terra brasilis envenena: de indígenas a mentes.
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