Três dias – pelo menos – até
que a ópera bufa tenha chegado ao fim. Qualquer que seja, o que temos hoje
antecipado é o ridículo que envergonha o surrealismo pátrio. Criminosos
criminalizando – com suas interpretações – quem não tem crime algum. Mas que
cometeu o maior deles: enfrentá-los.
Está aí a Presidente –
defendida por gregos e troianos, aqui e alhures – como pessoa contra quem não
há mínimo resquício de desonestidade, “uma das raras figuras políticas não
acusadas de enriquecimento ilícito” no Brasil, como registra o New York Times.
Na outra ponta, o seu algoz (porque dele tudo parte), acumula a mais recente
acusação: a de receber R$ 52 milhões de propina somente de um consórcio,
envolvendo OAS, Odebrecht e Carioca Engenharia.
A inversão da realidade
espanta, a ponto de o Secretário-geral da OEA, Luis Almagro, em declaração ao
El Pais temer por aquilo que pode acontecer: "É algo que verdadeiramente nos preocupa, sobretudo porque vemos
que entre os que podem acionar o processo de impeachment existem congressistas
acusados e culpados. É o mundo ao contrário.”
Esperam ecoar na Câmara apelos e clamores de todos os
segmentos pensantes do Brasil – de intelectuais a magistrados, de titulares de
Ministérios Públicos a CNBB e Igrejas – conclamando pelo bom senso, a ser respaldado apenas no respeito às leis.
Ainda assim prossegue o clima
de vindita, onde o prejudicado é o povo, levando de roldão a própria nação embrionada
nos últimos anos.
Tudo nos remete àquela
anedota: nos tempos em que o Criador elaborava este augusto planeta e dividia
cataclismas pelo globo brindou o Brasil com nada daquilo que viria afligir
tantos outros continentes. Não bastasse, dotou-o de natureza exuberante e
riquezas várias, celeiro planetário. O sempre instigante Pedro olhando de
soslaio. Até que não se conteve:
– Senhor, que tens de
especial com essa terra? Tsunamis, terremotos, desertos, geadas distribuídos
por todos os cantos e nada neste tal de Brasil! Por quê?
– Ah! Pedro, não sabes de
nada. Não viste a gente que por lá vou colocar.
A realidade é que não poderia
nada haver de pior do que uma classe política como a que temos, eleita por
aquele povo bafejado pela Divindade.
O texto até aqui estava elaborado
para ser ampliado e publicado antes do 17 de abril. Razões técnicas (ah! essa
augusta internet/Velox) retardaram a publicação. Hoje, passados oito dias daquele
domingo (para o país e a Democracia esquecerem) retomamos a finalização. Com
outros olhares. Daqui e de alhures.
O mundo – estarrecido – não
compreende o que está acontecendo na terra
brasilis a não ser pela ótica que, internamente, alimenta o bom senso à luz
da Constituição: golpe. Contra todos – lá de fora – os que formam o grupelho
daqui, capitaneados pela Globo, afirmam o contrário. Muito a propósito, o The Guardian, em 'A razão real que os inimigos de Dilma querem o seu impeachment' não tergiversa ao afirmar que “as elites políticas e a
mídia do Brasil têm brincado com os mecanismos da democracia." E tocou
na ferida: “A elite do país e seus grupos midiáticos
fracassaram, várias vezes, em seus esforços para derrotar o partido nas urnas.”
Já no subtítulo desnuda
os fatos encobertos e manipulados pela imprensa nativa: “Corrupção é só um
pretexto para os ricos e poderosos que falharam em derrotá-la nas eleições”.
Não falta ao Brasil quem aplauda o ridículo que ocorre. Sem qualquer compromisso com o futuro ou que tenha o mínimo pudor de desejar aprimoramentos éticos e morais.
As conquistas no cenário
internacional – obtidas de 2003 para cá – como a inserção do país no concerto
das nações que decidem, criador do G20, do BRICS, de novo banco mundial de
fomento, de ocupar Agências de renome etc. etc. deixam pasmo o estrangeiro que
vê em Lula um dos nomes mais importantes do mundo sendo caçado, sequestrado e
posto em cárcere privado como reles bandido (sem provas) enquanto um bandido
provado (só o Judiciário não enxerga) comanda o caos e busca assumir a
presidência (não se engane o leitor) com a assunção de um Temer da vida levado
a impeachment para assegurar ao ladrão Cunha o controle do país.
Do kafiquiano estágio em que
vive Dilma/presidente ao surrealismo de ver – como disse o jornalista Miguel de Souza na TV
portuguesa https://vimeo.com/163399039 – “uma quadrilha de bandidos presidida por um bandido” derrubá-la ...
Ou, conviver com o dito por Glenn Greenwald, da CNN: “É a coisa
mais surreal que eu vi em meu tempo como jornalista em qualquer outro lugar,
cobrindo política em vários países”.
Não custa atentar, como observou a BBC, que a exibição realizada no 17 escancarou a essência da Casa que 'representa' o povo. Inclusive com o significativo fato de que 273 deputados (53% da composição) respondem a processos perante Tribunais Judiciários e de Contas.
Não custa atentar, como observou a BBC, que a exibição realizada no 17 escancarou a essência da Casa que 'representa' o povo. Inclusive com o significativo fato de que 273 deputados (53% da composição) respondem a processos perante Tribunais Judiciários e de Contas.
Certamente – depois do 17 de
abril – mais próximos ficamos, como país, daquele moribundo vazio, exigindo
desaparecer urgentemente. Não sabemos a catarse que nos cabe. Afinal, vimos no
domingo a expressão que imaginávamos esquecida nos escombros do século passado:
o anacrônico, ultrapassado e velho oligarquismo político resistindo. Ainda que
cheirando a mofo, ultrapassado e sem como ser cerzido, respira. Não sabemos se
último suspiro. Certo é que vivemos a miséria moral presente na classe política
que se insinua ‘nos representar’.
A instabilidade que se
avizinha – inexorável – alimentará apenas os que entregarão as riquezas
recém-descobertas (leia-se, pré-sal) na calada da noite.
A única certeza no horizonte –
retomada do neoliberalismo ao comando pátrio – está visível no pacto para
beneficiar as classes sociais de antanho, reservando-lhes/transferindo-lhes parte
considerável de ‘migalhas’ que foram dos trabalhadores durante os anos de
‘sonho’ realizado recentemente. Nem aquelas “volumosas migalhas” distribuídas
de que falou Dom Mauro Morelli em relação aos programas sociais – criticando-as
por não estarem acompanhadas de “medidas estruturais promotoras da cidadania” –
restarão. Viveremos, novamente, o Estado benfeitor das mesmas minorias. Não se
imagine que a base da pirâmide social seja de logo exterminada – aí seria
genocídio – mas sucumbirá nos termos severínicos de João Cabral de Melo Neto: “um pouco por
dia”.
Certamente uma coisa ficou
clara: o Brasil – graças a Suas Excelências – entrou no anedotário do planeta. Ou,
como bem posto por Manuela Berbert, colunista grapiúna: “Entre os votos vendidos e os votos comprados, tenho a leve
impressão de que todo mundo estava mesmo era aguardando o palhaço Tiririca
avisar que pior do que está, ainda fica!”
Nos 400 anos da morte de
Cervantes, neste 22 de abril, fica-nos a dúvida se o autor de Dom Quixote não
foi profético em relação àquela ilha, recém anunciada descoberta da Coroa Portuguesa
(onde viveu por dois anos na juventude), levada por sua imaginação delirante a
torná-la prometida ao fiel escudeiro Sancho Pança.
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