Cena 1: Bem melhor o ‘bom menino’ de Carequinha
O ilustre nada a braçadas largas. Como gosta.
Entrevista aqui e ali. Mídia. E vai burilando os fatos à sua versão de bom
menino. O bom menino que defende a democracia. O bom menino que combate a corrupção.
O bom menino que defende as instituições etc. etc.
À BBC News Brasil Sua Excelência, ministro do
STF, Gilmar Mendes descobriu o que ninguém sabia: o conluio criminoso entre
juízes e procuradores da ‘lava jato’ que derrotou Lula em sua pretensão de tornar-se
candidato (aí com singular ajuda do STF), a manipulação do processo eleitoral
e, consequentemente, a ascensão do inquilino do Alvorada ao poder.
Tratamos de hipocrisia no dominical passado razão por que o dito cujo — já sabemos — vestirá muito chumbo para ocupar uma nova vala a ser aberta no oitavo círculo do Inferno de Dante destinada apenas a ele.
Mordendo e soprando vai tecendo sua função política ao sabor dos interesses da classe dominante a quem sempre serviu desde que encastelado no PSDB de FHC, que o guindou ao STF sob profundas críticas de personalidades do mundo jurídico. Basta — para que percebamos quem é o indigitado —, o que sobre sua indicação escreveu o jurista Dalmo de Abreu Dallari, na Folha de São Paulo, em maio de 2002:
“Se essa indicação vier a ser aprovada pelo
Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção
dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”.
Não fosse quem é e o que representa bem melhor
seria que o ‘bom menino’ Gilmar Mendes liderasse seus pares numa cantiga de
roda e diante de um quebra-nozes qualquer apenas ouvisse Carequinha: “O bom
menino não faz xixi na cama...”.
Cena 2: Gáudio
Assim observamos certas coisas que andam a nos
acontecer. O imediato sempre a tônica da interpretação. Nunca as razões por
quê.
Nesse (des)andar o deslumbramento cívico ocupa algumas mentes ‘cidadãs’ — não poucas — por que a Câmara reconheceu prisão de um deputado decretada pelo STF.
O que não estão refletindo diante de tamanho
júbilo cívico diz respeito ao porquê de tudo acontecendo.
A dimensão energúmena da figura grotesca alçada
à Câmara graças a uns trinta mil admiradores não encontra deste provinciano
cronista o menor respeito. Como também a tantos outros.
No entanto, imaginar que o dito cujo promoveu
arroubos sponte propria nos soa
pueril. Mesmo porque viu uma colega de valentia ser levada às grades por fatos
semelhantes. Mas o fez.
Euforia com a possibilidade concreta de perda
do mandato depois que os colegas mantiveram respeito à decisão que levou à
cadeia. Não escapará de processos e condenações judiciais. Até para servir de exemplo a
outros também afoitos de que os He-Man e o seu “eu tenho a força” estão vivos.
Mas eis o busílis: o que ganha a democracia
brasileira com o fato centrado nesta figura abjeta? Tende o país à segurança
diante de concretas rebeliões alimentadas por milicianos, a pataiada vestida de
amarelo e armada em defesa do pato, parcela de policiais civis e militares em
permanente estado de alerta, a gloriosa UDR armada até os dentes, a milícia
religiosa de Edir Macedo desfilando pretorianamente e quejandos outros e mesmo
aquele punhado de imbecis que arranjarão uma garrucha dois tiros e uma carreira
para defender os seus ideais?
Claro que não, caro e paciente leitor. Tudo
permanece como d’antes no quartel de Abrantes.
O risco que temos aqui denunciado mais se consolida e
a fogueira que o alimenta a cada dia recebe mais combustível.
O energúmeno que motiva toda esta estesia não
só tem aquelas três dezenas de milhares de admiradores que o elegeram no Rio de
Janeiro atingindo múltiplos orgasmos quando o brutamontes arrancou e quebrou
uma placa de rua que homenageava a vereadora Marielle Franco (uma história mal
resolvida porque gente ocupando altos escalões no Planalto Central está
envolvida).
Não, caro leitor, o perigo reside justamente
aí: quando o Estado não se impõe ao respeito a coisa não anda nada boa.
Lembramos na edição passada (não custa
relembrar) do pacote em andamento contra a civilização tupiniquim:
“Ampliação
do direito ao porte de armas; propaganda de armas na televisão, rádio, revistas
e jornais, redes sociais e aplicativos; a excludente de ilicitude (que visa
beneficiar policiais, que passariam a matar “em legítima defesa”); redução da
maioridade penal; exploração mineral em terras indígenas; ensino domiciliar na
educação básica etc.”
Não esqueçamos da vocação a gendarme
tupiniquim que norteia o militarismo brasileiro desde os primórdios da campanha
republicana nos estertores do Império: pretendia ele ser o “grande pai da
pátria”, o poder moderador ao qual todos e tudo pestassem vassalagem; que essa
mesma gendarmeria protegeu o inquilino do Alvorada e deixou de expulsá-lo da
corporação por terrorismo preferindo reformá-lo e mesmo deixou-o se lançar candidato de
dentro da Academia Militar das Agulhas Negras; a corporação que fez inserir na
Constituição tal vocação no Art. 142.
Sem pretender minimizar o fato que levou à prisão do deputado — justa em si, ainda que proferida por um STF que tem se calado ou mesmo praticado absurdos contra o direito, inclusive alimentando toda a tragédia que vivemos — enquanto aplaudem a canja de oxigênio para as instituições o que está sendo preparado contra elas é coisa de ser aplaudida efusivamente por Satanás.
Não, caro leitor, a coisa não é tão simples.
Está tudo armado (em planejamento e materialmente) para que tudo permaneça,
incluindo um governo que já abriga cerca 4% da tropa em escalões governamentais
que garantem sinecuras singulares.
Por isso voltamos ao dito cujo: não está só.
Assim, trilhemos a vocação inversa e não sejamos hiena (ri, ainda que coma
carniça), não tenhamos como terra firme o pântano em que pisamos.
O problema não está nos idiotas travestidos de
representantes do povo, mas em quem se esconde dizendo não fazer política e o faz diuturnamente.
E, diz a velha sabedoria, muito apropriada ao
instante: canja de galinha e cautela nunca fizeram mal a ninguém.
Também não esquecer que biombos existem para esconder
alguma coisa.
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