domingo, 26 de junho de 2022

Dois instantes brasileiros

 

Estreou neste junho de 2022, no Canal Cine Brasil TV, o documentário “Toada para José Siqueira” (2021), de Eduardo Consonni e Rodrigo T. Marques, que resgata o trabalho hercúleo e muito pouco conhecido do maestro paraibano José de Lima Siqueira (1907-1985). Quem buscar sua carreira certamente se surpreenderá com o fato de que o autor do oratório “Candomblé” fora aposentado pela ditadura em 1969 e parte substancial de sua obra se encontra editorada, arquivada e preservada em Moscou.

José Siqueira, musicólogo, compositor, professor e maestro fundou as principais orquestras brasileiras (a Orquestra Sinfônica Brasileira, a Sinfônica do Rio de Janeiro, a Sinfônica Nacional, a de Câmara do Brasil), criou a Ordem dos Músicos do Brasil, a Sociedade Artística Internacional, o Clube do Disco.

Enquanto reconhecido nos Estados Unidos, França, Canadá, Portugal, Itália, Holanda e Bélgica entre outros países (onde regeu sinfônicas e lecionou) aqui foi proibido de lecionar, gravar e reger.

Qual dos estimados e pacientes leitores deste escriba de província conhece este respeitado brasileiro? Como o próprio autor, poucos. Certamente os estudiosos que beberam em seus livros didáticos ‘Canto Dado em XIV Lições’, ‘Música Para a Juventude’ (quatro volumes), ‘Sistema Trimodal Brasileiro’, ‘Curso de Instrumentação’ etc.  

Enquanto há brasileiros resgatando o país quase estamos a nos acostumar com aqueles que tudo fazem para negar sua existência. Sua gente de pouca valia para quem deveria cuidar dela. Um paraibano educou. Há quem só não cumpra com o dever de educar como inova na escola da corrupção tirando dinheiro de escolas, legando futuro nenhum para a presente geração que depende de escola pública.

O tema ocupou espaços (alguns tênues) em parte da mídia televisiva.

Referências ao inquilino do Alvorada aparecem em gravações da Polícia Federal autorizadas pela Justiça Federal.

E agora, messias?

Já tirou o seu da reta, jogou no acostamento para que o socorro o recolha para o depósito do esquecimento. Punha o rosto no fogo por seu ministro. Este dizia agir conforme ordenava o superior. Quando nomeado já encontrou montado um gabinete paralelo no ministério para possibilitar o ‘ouremos’, forma nada velada de alcançar a ‘verdade’, que se traduz em ter desde que tenhamos o poder.

Eis a explicação para o que muitos estranham: a decretação de sigilo de até 100 anos de conversas entre um e outro.

E o sabido e consabido em searas tantas do governo agora se torna mais um escancarado processo de corrupção.

Para muitos ouvidos o escândalo implantado no MEC para favorecer sob propina  pessoas que atendessem aos interesses do chefe com recursos do FUNDEB contém foros inimagináveis no quesito corrupção: tirar dos pequeninos para alimentar gigantes. Basta, para dimensionar, que os recursos desviados são os destinados à aquisição de livros didáticos e ônibus escolares, construção e implantação de creches etc.

 Ouremos!

O escândalo maior não mais à conta das pérolas oriundas do ilustre Ministro da Educação, como afirmar que alunos com deficiência atrapalhariam os demais, que a universidade deveria ser para poucos, que professor seria a profissão para quem não conseguia fazer outra coisa.

 Ouremos!

Quem ‘oura’ unido jamais será punido. Muito provável que seja aplaudido por quem partilha e se beneficia do ‘ouremos’.

O sonho da chefia é a perpetuação no poder. Espelhado no obscurantismo. Como aquele  que tanto aplaude  que afastou do Brasil o paraibano José Siqueira e sua obra e esconder do Brasil os que fazem a sua história.


domingo, 19 de junho de 2022

Fadiga

 

“Da guerra”, dizem os especialistas, referindo-se ao esgotamento do limite de defesa ou ataque de uma das partes em conflito. O que ora ocorre na Ucrânia, cumprindo seu papel de marionete no jogo bruto da geopolítica e da hegemonia buscadas pelas potências, devastada a serviço do Ocidente, que nada mais faz que endividá-la financiando-a com armamento para enfrentar uma potência.

Arrasada, a Ucrânia tem servido à propaganda ocidental como bastião de luta por liberdade e democracia. A grande verdade que Europa e mesmo Estados Unidos (estes o grande vendedor de armas) esperam o fim da guerra, porque das proclamadas sanções que atingiriam a Rússia na prática não traduziram a propaganda. Os russos, só com a venda de petróleo já faturaram 90 bilhões de dólares a mais no período. E o colapso alimentar alcançará patamares além da alta dos preços caso a Rússia não admita liberar um corredor para escoamento dos grãos produzidos que, além de garantir reservas para a Ucrânia, alimentarão milhões mundo a fora.

Não bastasse, a Europa recebeu, até agora, em torno de mais 5 milhões de refugiados (ucranianos) aos quais terá que garantir trabalho, comida, educação, saúde e moradia e já se vê ameaçada com aumento de custos da energia.

Em nível de Brasil pátria contemporânea de absurdos  a ‘fadiga’ que acomete a campanha de reeleição do inquilino do Alvorada não sinaliza qualquer compreensão ou respeito em torno da realidade, mas reação tresloucada de avançar sobre as barricadas adversárias como gesto de grandeza. 

Na esteira da estratégia vem construindo os morteiros para consumar o projeto de continuidade ou continuísmo devorador da nação: as culpas alheias (sempre alheias), como pólvora, alimentam a ‘vontade’ de suspender as eleições (GGN) e assegurar através de um golpe a manutenção do status quo.

Em meio ao cotidiano nosso de cada dia menos nosso, denúncias: advogado (com causas no STF) custeia avião particular para ministro (Nunes Marques, indicado e nomeado pelo inquilino do Alvorada) ir a Paris assistir final da Champions League, Roland Garros e o Grande Prêmio de Mônaco (247); coordenador da FUNAI e policiais militares envolvidos em arrendamento de áreas indígenas (Pragmatismo); imagem do país mais piorada com a morte de indigenista e jornalista inglês e o presidente desvia a atenção da gravidade do caso afastando a responsabilidade do governo (Noblat); policiais pernambucanos abordam e agridem índio idoso que vem a morrer em decorrência das agressões (GGN) etc. etc.

O noticiário mais ameno pode ser traduzido através de outras agressões: inflação em alta, desemprego, juros da SELIC avançando, outra alta para combustíveis etc. etc.

O país está esgotado. E aquele que o esvazia entende que ainda não concluiu seu nefando papel a ponto de ameaçar eleições que podem pôr fim à continuidade de tão trágico projeto. Não quer reconhecer que a decomposição por que passa o atual governo está muito mais acentuada que aquela dos corpos dos assassinados na reserva do Javari, no Amazonas. Mas a culpa é sempre dos outros: STF, imprensa, Petrobras, oposição etc.

A “fadiga da guerra” interna já exauriu o país. Mas o trágico é que a sua população miseravelmente atingida não tem como migrar para outro como refugiada. Resta-lhe refugiar-se sob pontes e viadutos e comer quando a misericórdia alheia lhe oferta a porção imediata, porque não há esperança alguma para o dia seguinte. Migrar mesmo só para uma favela mais e mais distante.

O governo causador de tantos males não sente a ‘fadiga’.

O povo, sim! 


domingo, 12 de junho de 2022

Brasil mangabeirado

 

Sempre oportuno o expresso por Otávio Mangabeira: “Pense num absurdo, na Bahia tem precedentes!” Ou seja, o píncaro do surrealismo não reside na arte, mas coisas que acontecem na Bahia em razão da irrealidade. Frasista emérito, tido como o “filósofo da baianidade”, compreendia a sua gente como ninguém e não se dispensou, como sói ao político, tão só cobri-la de loas: “A Bahia está tão atrasada que, quando o mundo se acabar, os baianos só vão saber cinco anos depois”.

O neologismo trazido como adjetivo ao título diz respeito, pois, ao “absurdo” em sua dimensão de irrealidade como precedente, muito além dos limites da Bahia de Octávio Mangabeira.

Assim, diríamos que o Brasil não está abaianado (porque aqui não nos atemos aos modos e costumes dos baianos, mas ao atribuído a uma de suas históricas lideranças no passado), mas ‘mangabeirado’ a partir de tempos inimagináveis no plano do respeito às instituições.

Não é que a coisa mais e mais se precipita para o inconcebível? Eis que o Ministro da Defesa, não importa o nome que em si nada representa, por ser passageiro e temporário no cargo por mais que nele demore  e sim o Ministério em si, que é órgão do Estado brasileiro, envia ofício ao Poder Judiciário Eleitoral pedindo explicações em meio aos questionamentos panfletários que publicamente faz do processo eleitoral pelo viés da urna eletrônica sob argumentos(?) como o de estar em risco a soberania nacional. SOBERANIA, caro e paciente leitor  segundo a lente obtusa do ilustre  sob o crivo de um processo eleitoral que, criticável ou não (particularmente o questionamos por negar respeito ao sacrossanto direito à irresignação, ao recurso pela recontagem dos votos) que vem funcionando e elegendo mandatários e legisladores (em todos os níveis) desde 1996, inclusive os atuais, dentre eles o inquilino do Alvorada.

A sua missiva encerra o absurdo de ameaçar veladamente:

“A todos nós não interessa concluir o pleito eleitoral sob a sombra da desconfiança dos eleitores. Eleições transparentes são questões de soberania nacional e de respeito aos eleitores”.

Claro que para o ilustrado subalterno caso tenha havido o pedido do presidente do país para que um chefe de estado de uma nação estrangeira intervenha para alterar o possível resultado eleitoral no Brasil não constitui violação ao princípio da Soberania!...

Mas, voltando à vaca fria: a conclusão do pleito está sob mira de baionetas e fuzis.

Muito da fábula “O Lobo e o Cordeiro”. A busca de um motivo para exercício da força como argumento último e absoluto. Afinal, o que há além da inconsequente e indisciplinada postura de um subalterno a não ser criar no imaginário da sociedade brasileira a ideia de fraude eleitoral quando o atual inquilino do Alvorada se afundar no resultado das urnas, que ora assinala para que ocorra no primeiro turno.

Ou seja, se eu perder não aceitarei o resultado e como não há outro modo de fazê-lo se não através de um golpe vou preparando o terreno para  ‘amparado’ no artigo 142 da Constituição Federal  utilizar as armas para defender a ‘soberania’ nacional!

Qualquer ministro, secretário etc. exercita competência para o exercício das funções a si delegadas na forma da lei. Cabe indagar se o dito cujo exercita suas funções ou delas se utiliza para ferir de morte os princípios democráticos que norteiam a nação brasileira, dentre eles as eleições regidas por um ordenamento jurídico sancionado pelas instituições amparado no regime da Constituição e das leis a que sujeito.

Sob este condão, eis a ‘mangabeirada’ sob o absurdo dos absurdos: anúncio antecipado de um golpe de estado para frustrar o desejo do eleitor.

Pelo andar da carruagem o observador percebe, com clareza meridiana, que o que está em andamento não é mais a efetivação ou não de um golpe de estado, mas se dará certo. A cada nova pesquisa que vai apontando a candidatura do ex-presidente Lula mais vitoriosa e tendente a liquidar a fatura no primeiro turno intensificam-se os ataques do inquilino do Alvorada ao processo eleitoral e ao Poder Judiciário no particular da Justiça Eleitoral. E agora assumida de forma despudorada por um subalterno.

O processo  absurdo para padrões que sustentam uma democracia e um Estado de Direito  se encontra escancarado. Com propaganda institucionalizada e ampliando as bases armadas que venham a sustenta-lo/defendê-lo. Um corredor de contrabando de armas (Itaguaí) está sem fiscalização e uma pequena parcela fanática da sociedade civil se armando para apoiar militares golpistas.

Não esqueçamos  e nos fazemos aqui sob inspiração de Millôr Fernandes  que o golpe militar se sustenta em uma singular constituição, sim: ino Direito Constitucional Militar Imaginado, apoiado em fuzis e baionetas e aprovada e promulgada sob aplausos de todas as classes (naturalmente dominantes) por ele beneficiadas. Inclusive, por justiça, a dos próprios militares, sob rígido respeito à hierarquia, razão por que direito a salmão, botox, viagra, prótese peniana somente para poucos.

Deixemos para outro instante em torno do ‘todos iguais perante o de sempre’: eleger-se. Sejam o inquilino do Alvorada e seus apaixonados seguidores, sejam os que pretendem reeleger-se quando se trata de deputanças federais. A ponto de defenderam absurdo com finalidade meramente eleitoreira e com prazo de validade estabelecido até o final do ano.

Ali na vizinha Bolívia aquela ex-presidente interina foi condenada a 10 anos de prisão por ter efetivado um golpe contra Evo Morales em 2019. (UOL)

Mas, tenha certeza o paciente e estimado leitor que aqui o ilustre porta-voz do golpe nem mesmo será repreendido. Talvez até elogiado e condecorado por inventar o golpe previamente programado e anunciado.

Mesmo porque a corte Eleitoral está pondo os devidos panos quentes para não causar incômodo aos que flertam abertamente com o golpe. A ponto de admitir estender às Forças Armadas parcela do que lhe cabe  por lei  na fiscalização do processo eleitoral (outra mangabeirada!)

Claro que se estivesse pelo menos na Bolívia estaria processado.

Quando nada interpelado judicialmente para explicar o porquê de haver se tornado arauto de um golpe de estado.

E dar nome aos bois que pretendem acompanhar o toque do seu berrante.


domingo, 5 de junho de 2022

De prostitutas e de prostíbulos

 

No curso da semana ‘folheando’ a rede  descobrimos dois fatos aparentemente longe de se aproximarem: o dia 2, Dia Internacional da Prostituta, lembrado pelo leitor Lamberto Rocha, e uma postagem de Marta Almeida (ex-TV Santa Cruz), trazendo informações patrimoniais de determinado político brasileiro, advogado que, sem exercer a profissão, apenas vivendo de política e venda de chocolates, adquire mansão em Brasília no valor de R$ 6 milhões, com aumento no patrimônio recente de 397%.

O Dia da Prostituta é conquista de quase meio século, vinculado ao movimento encetado por mais de uma centena delas que ocupou a Igreja Saint-Nizier, em Lyon (França), naquele 2 de junho de 1975, protestando contra a precariedade de vida e o desrespeito a que submetidas.

Denominadas de ‘mulheres de vida fácil’  certamente por quem nunca viveu a decantada ‘facilidade’  ou, na ironia de Millôr Fernandes, mulheres “de consumo de massa”, são reconhecidas desde os primórdios da história da Civilização. Algumas, famosas: Victorine Meurent (a musa de Manet), Maria do Egito (a Santa Maria Egipcíaca), Teodora de Bizâncio (tornada imperatriz ao se casar com Justiniano, de Constantinopla), Mata Hari (de trágico fim, fuzilada como espiã), Madame Pompadour (a paixão de Luis XV), Maria de Magdala (a Madalena dos Evangelhos, que para alguns pesquisadores nunca teria sido prostituta, mas liderança inconteste na Igreja Primitiva).

Lupanares, bordeis, casa de tolerância, rendez-vous, assim denominados os espaços destinados à prostituição. Onde concentram os estigmas e preconceitos todos da sociedade e adjetivados como local em que tudo de escória social se aperfeiçoa. Repercussão do imoral e, como tal, forma de macular qualquer coisa.

Diz-se, do inominável, que é um prostíbulo.

Ao conceito de propriedade atribuído sobre a atividade sexual das prostitutas os não pouco famosos cafetões ou gigolôs, que as tinham como propriedade, função assemelhada ao hodierno sistema financeiro (explorar o alheio sem nada investir de seu). Também fizeram história, ou, quando nada, inspiraram belos filmes, como “Irma, La Dulce” (1963), de Billy Wilder, Jack Lemmon e Shirley MacLaine em personagens e desempenhos ímpares.

Daquele 'inominável' acima pontuado não se afaste o uso indevido do dinheiro público. Ou sua manipulação em dimensão patrimonialista, ou seja, apropriação de recursos públicos como se fora propriedade sua a fonte que não lhe pertence. De certa forma, um tipo de gigolô com outra indumentária.

Muito – neste quesito em nível de espaço e comportamento  pode traduzir postura de prostíbulo: orçamento secreto para atender emendas parlamentares de ‘amigos’, cartões corporativos usados abusivamente, licitações predatórias, obras superfaturadas, caixa 2 em campanhas políticas, gabinetes ministeriais paralelos, inclusive integrados por certos pastores e pregadores religiosos (no momento revelados na figura de alguns evangélicos a serviço do privado/material e não do espiritual, criadores do “ouremos”), rachadinhas, etc. etc. e haja etc. nisso!

E a inovação: integrando galhardamente a galeria do inominável certos cantores e duplas sertanejas bafejadas pela ‘sorte’ de se verem elevados em remuneração à dimensão de gênios que lançam na cloaca Beethoven, Mozart, Bach, Chopin, Schumann, Schubert, Gershwin etc.

No mês em que se comemora, desde 1976, o Dia da Prostituta, vemos a ampliação de prostíbulos sem as tradicionais “damas da noite”. E até o famoso ‘gigolô’ cedendo espaço, porque se outros são os prostíbulos há nova espécie de exploradores que avança como saúvas sobre o tesouro do país.

Certo que dinheiro público continua sendo explorado mais e mais como sempre o foram as tradicionais prostitutas, para saciar uma nova e promissora safra de gigolôs exercitando o mister sob outras denominações.

Para não dizer que tudo está perdido, de muita alegria ver o itororoense Netinho do Forró  O Vaqueiro Cantador  e seu “Arraiá do Vaqueirão”, com agenda cheia entre 1º de junho e 31 de julho. E saber que não integra aquele grupo que fatura milhões através de “paixões” singulares brotadas deste ou daquele administrador custeadas com recursos da educação e da saúde nossas de cada dia.