A Política é, por excelência, o espaço destinado aos que, de uma forma
ou de outra (administrando ou legislando), sonham dirigir as gentes, os países,
o mundo. Encontrará sua base filosófica em Platão e Aristóteles.
Para o
primeiro, uma ‘verdadeira arte’. Capaz de tornar mais virtuoso o filósofo, já
que, para o grego, a ele cabia a condução do pensamento construtor da
sociedade, a quem competia amar a polis
mais que qualquer outro e ter o Bem (comum) como expressão última de sua ação.
O Estado ideal nasceria, assim, da Sabedoria do governante, onde a Justiça
seria a tônica.
Para Aristóteles, entendendo o homem como um “animal político”, o raciocínio
em torno de uma circunstância – que será retomada por Rousseau, desenvolvida na
ideia da ‘representação comissariada’ – de que da formação de assembleias de
cidadãos decorreriam a legislação e o governo da cidade.
Em ambos a ideia de que o Estado seria uma forma engrandecida da alma
dos que a constituem. Um, pensando o ideal; outro, concretizando-o.
Sem enveredarmos por compreender, em plenitude, a arte da política, não
será demais vê-la como o ‘saber usar/exercitar” o poder. Ou seja, não dispor do
poder como tal, mas estar, através dele, a serviço. Para controle deste
exercício a lei proclamada; para ser respeitada. Cumprida como norma de
conduta; aplicada, como sanção, em caso de violação.
Trouxemos os rascunhos acima para deles tirar uma realidade presente na
concepção dos atenienses: em um ou outro, certo mérito nortearia a ação
política, não cabendo a qualquer um o domínio absoluto do exercício do poder
sobre a polis.
A patologia
No entanto, o mérito, em nossa contemporaneidade, assume ares de
patologia psíquica, exigindo até tratamento sob viés psiquiátrico, quando vemos
as fontes, razões e ‘sonhos’ dos seus defensores.
A meritocracia – doença contagiosa que acomete concurseiros
profissionais – sonha em ser a solução para o Brasil. Afinal, estudaram,
fizeram concursos difíceis (aprenderam as pegadinhas etc. etc.). Em todas as
áreas os há lançando os próprios ‘méritos’ ao mercado.
Uma delas, no entanto, tem ocupado espaço que supera os limites de sua
atuação: a criminalização da Política em contraponto à meritocracia. Elevada
à condição de referência midiática, encontra visibilidade que ultrapassa sua
própria circunstância institucional. A ponto de muitos de seus integrantes
serem incentivados à busca do poder político.
A mosca azul
Na esteira da conveniência, membros do Judiciário e do Ministério
Público tornaram-se o paradigma da revolução por que a ‘classe política’
precisa passar. Alguns até afirmam 'conversar com Deus'.
Caso busquemos na realidade política os sinais elencados por Platão e
Aristóteles (o Bem como objetivo) nos sentimos no dever de raciocinar com Gilberto Freyre, para
quem a formação da classe jurídica no Brasil já nasceu destoada da realidade
social.
E ficamos a imaginar como agiria essa parte da sociedade brasileira,
encastelada em remunerações que aviltam a consciência do brasileiro comum,
desconhecendo os mais comezinhos elementos da política contributiva ao
princípio da justiça social insculpido na Constituição. Em que veem no punitivismo puro e simples a solução
para as mazelas históricas por que passamos.
O ovo da serpente
Como um partido, avançaria nada mais que em defesa de uma ideologia. A
exacerbação positivista ruibarbosiano do ‘fora da lei não há salvação’ (quando
deveria ser ‘fora do Direito e da Justiça’) está levando ao ‘fora do que eu
penso salvação não há’.
E o mundo pensado é mundo da academia, destituída de
empirismo, tão só de elucubração, a supremacia da “minha interpretação”, do como “eu
acho”. Uma versão mal acabada do economista.
Nascido sob o condão dessas premissas que ora o enaltecem a atuação do ‘Partido
da Justiça’ mais traduziria a postura da clássica UDN de Carlos Lacerda e
quejandos: a perseguição implacável aos adversários, como instrumento de
massacre das ideias. Nunca avaliadas, apenas combatidas.
Tem se mostrado esquecida essa gente –
porque não aprendeu – que a aplicação do direito não pode ocorrer de forma
descolada da realidade, carecendo de serem levados em consideração os muitos
impactos gerados pelas decisões, considerando o bem-estar da sociedade e
assegurando uma previsibilidade mínima aos gestores públicos, o que demonstra que muita água por
baixo da ponte não chega ao ‘indicado ao Olimpo’.
No entanto, as ações a partir do que
temos assistido de alguns membros de uma judicatura que se arvora a ocupar o
lugar da classe política em muito se aproxima do ideário da UDN. Como a de impedir
visitas a Lula – que vai assumindo a ideia não de cumprimento da lei de
execuções penais, mas a de perseguição medieval ao ex-presidente, o mais
popular dos que assumiram o cargo na história do país.
O partido da justiça (aqui com letra
minúscula, redator) vai se apresentando como o mais mesquinho, a coisa mais vil
surgida no Brasil.
Caso devêssemos acreditar no purismo
defendido por aqueles que veem na atuação de figuras da magistratura,
ministério público e mesmo PF, como mentores, idealistas e artífices de um
‘partido’ eis uma pérola, no quesito respeito aos ditames da lei:
"[...]
É inimaginável, num
Estado Democrático de Direito, que a Polícia Federal e o Ministério da Justiça
sejam instados por um juiz ao descumprimento de decisão de um Tribunal, sob o
pálido argumento de sua própria autoridade.
O que é intolerável é o
desconhecimento dos princípios constitucionais do processo e das normas processuais
penais que regem estes conflitos, sob o frágil argumento moral de autoridade, e
em desrespeito ao direito objetivo. A instigação ao descumprimento de ordem
judicial emitida por um juiz autoriza toda a sociedade a descumprir ordens
judiciais de quaisquer instâncias, substituindo a normalidade das decisões
judiciais pelo equívoco das pretensões individuais.[...]”
A quem dirigida a
nota/repúdio? A Sérgio Moro, naturalmente, o semideus deste Olimpo brasileiro,
desenvolvido e aplaudido por meia dúzia de figuras abjetas. Que o fazem não por admirá-lo como julgador, mas por servir aos interesses que defendem.
Para o Partido da Justiça – que tem lado definido – não são as leis o
que deve prevalecer. Mas o destinatário de sua aplicação. No caso de Aécio Neves,
por exemplo, entende o STF de Alexandre Morais que deva ser julgado pelos pares
do judiciário mineiro. Nomeados por ele, Aécio.
Nada contra, caso tal
interpretação houvesse norteado Joaquim Barbosa em relação ao ‘mensalão’
petista (porque o mineiro, do PSDB, ele, Barbosa, o remeteu para Minas).
Por faltar o essencial
A falta de timbre para o exercício da função política, sonhada por
dispor do mérito de haver passado em concursos, muito próximo está (que o diga
a interpretação em torno da manifestação acima, do Desembargador Ney Bello, da 3ª Turma do TRF-1) de uma ditadura.
Melhor do que pensar em um Partido da Justiça lembrar da lição oriunda
da sabedoria popular: cada macaco no seu galho.
E, lendo Platão e Aristóteles, regerem-se seus membros pela Ética. Que tanto cobram dos outros.
Antes que a mosca azul se faça ovo de serpente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário