Não retornamos ao tema pelos os fatos que o
sustentam, mas para levar o caro e paciente leitor à reflexão do porquê tolerados
e até aplaudidos os iconoclastas que estão a levar de roldão para o abismo o
bom senso, a ciência. Eis-nos refletindo em torno do Covid-19 (e suas
variantes) sob o prisma de ações governamentais e correspondentes reações.
A absoluta ausência de políticas públicas para
o enfrentamento nos encaminha para uma média de mortes diárias envolvendo dois
milhares. E mesmo não surpreenderá mais alcançarmos as três mil. Já galgamos o
patamar, nos últimos dois dias, em número de infecções (superando os Estados
Unidos) e nos tornamos o epicentro da epidemia mundial assumindo 30% de
infectados no planeta. E em escala ascendente.
E neste trágico viés uma cepa assustadora
teria se originado a partir de Manaus e se espalha pelo país e mesmo assusta o mundo.
Sabido e consabido que o mais elementar
enfrentamento passa por evitar o contágio ou inibi-lo ao tolerável que o
suporte o sistema de saúde.
Em segundo instante o processo de vacinação em
massa.
O planeta assim cuidou. Por aqui ainda
discutimos se a vacina é “comunista” ou não.
Nenhum daqueles aspectos foi correspondido
pelo governo federal. No primeiro é o próprio chefe da nação quem o afirma
desnecessário; no segundo, o mesmo governo chefiado por ele, cumprindo ordens
expressas, que nega à população o acesso minimamente satisfatório à vacinação a
ponto de inviabilizar a sua aquisição direta por governos estaduais e municipais.
Não há como negar que as atitudes,
personalizadas no inquilino do Alvorada, constituem o centro e a dinâmica da
crise por que passamos. Continua a combater o isolamento social, o uso de
máscaras e promove aglomerações e flagrantemente afronta os mais comezinhos
caminhos da prevenção. E ameaça com a possibilidade de decretar estado de
sítio, sonho de encurtar caminho para afastar garantias constitucionais e abrir
estrada larga para seu projeto bonapartista.
Mas tudo isso a ocorrer e o inquilino mantém em torno de 30% de bom e ótimo como avaliação. E — pasme o leitor — enquanto a mortandade se alastra 20% da população defende sua atuação no combate(?) à pandemia.
Ainda que na sandice, sente-se o dito cujo dono da cocada preta. O que não lhe
afasta um quê de razão. Registramos neste espaço o que entendíamos como vitória
retumbante do inquilino do Alvorada a eleição para as duas casas do Congresso
quando emplacou presidências a ele vinculadas. Não custa deduzir que se
imagina com o controle absoluto de tudo e de todos.
Caficamos (neologismo amparado em Kafka)
descortinando véus do que tanto ouvimos: este é o país do futuro alegorizado
por Stephen Zweig, coração do mundo e pátria do Evangelho para espiritualistas
e o da anedota que atribui ao Creador haver dotado a terrinha de tudo que negara
a muitas outras mas que colocaria um povinho singular para nela viver.
Não há como negar que nesta terra brasilis um comportamento
sadomasoquista comum ao fascismo (ver a leitura de Pasolini em “Saló”), antes latente, se expressa concreto e tem no inquilino do
Alvorada a “sua mais concreta tradução”.
E descobrimos que neste viés o ranço do
colonialismo reacendido no plano mental reforça o material que norteou o
passado. Que a idiotice ocupando cátedras, aplaudidas por áulicos vários e
variados mais se acentua. Que não mais somente a exploração da terra e suas
riquezas, também a configuração de mentes amorfas e disformes em andamento.
Não fora isso, como entender que uma ação
governamental inteiramente descontrolada em termos de planejamento e combate a
uma pandemia seja respaldada por parcela que supera 20% da população?
O dito atribuído a Norberto Bobbio (não dispomos da fonte) mesmo que dele não fosse traduz uma realidade dolorosa, um carnegão a ser estirpado (não sabemos como).
Mas tenhamos certeza de que a missão
desencadeada a partir de 1916 não chegou a termo e permanecemos como o peru da
vez (sinalizamos neste espaço).
E nossa gente, ainda que sofrendo as mazelas
do golpe, elegeu o inquilino do Alvorada (que nunca enganou ninguém) que cumpre
com galhardia o mister a que destinado. Que responde com crueldade, incompetência
e desprezo a aclamação das urnas porque assim o quiseram os que o tiveram como
expressão de suas ignominias encasteladas em evitar que políticas de governo
petistas voltassem.
Diante de tanto desvario, de tanta dor causada
por um indivíduo a ela insensível, aliada a uma apatia de patologia singular
que acomete as instituições no país certamente mais próximo da realidade que
tenhamos este Brasil, como coração do mundo e pátria do Evangelho. Entendamos
que o que passamos o passamos como purgação por tanta maldade cometida no
passado e no presente (escravidão negra e indígena, infância miserável assassinada
pela fome e por tiros, campesinos assassinados etc.). Mesmo purgação por tanto
vendilhão de templo pregando como porta-voz do Nazareno.
Mas, ainda que tenhamos certeza de que a oração não reduzirá a tragédia que se amplia cabe-nos compreendê-la e aceitá-la. No entanto — oração que mais se nos impõe — que não percamos a capacidade de acreditar, de não renunciar à honestidade, de reconhecer o estudo e a educação como caminho para construir um futuro depois da hecatombe.
Porque — como lembrava vó Tormeza — se não há bem que sempre dure não há mal que não se acabe.
Mas, não custa esforçarmo-nos por fazê-lo
breve!
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