domingo, 10 de setembro de 2023

Igualdade e fraternidade como aspiração

 

Karl Marx (1818-1883) afirmou que no plano da luta de classes – Capital versus Trabalho – o capitalismo, como instrumento daquele, sucumbiria a suas próprias contradições centradas no fato de coletivizar/socializar a produção da riqueza (através do trabalho) e concentra-la a seu favor por meio da acumulação e mais valia. Isso porque simplesmente tudo se origina do trabalho. Que adianta toneladas de ouro na natureza se não houver a força que o extraia? E esta – manual ou maquinariamente – se origina da força do homem.

Para o filósofo alemão Immanuel Wallerstein (1930-2019), o sistema não sucumbirá num ato heróico. Desabará sobre suas próprias contradições. Ou seja, não o será pela imaginada revolução do proletariado como pensadores muitos no curso dos Séculos XIX e XX, de Proudhon (1809-1865) a Bakunin (1814-1876) e Trotsky (1879-1940).

E adiantou, em entrevista ao Outras Palavras, em 2011: “Na minha visão, o capitalismo chegou ao fim da linha e já não pode sobreviver como sistema. A crise estrutural que atravessamos começou há bastante tempo. Segundo meu ponto de vista, por volta dos anos 1970 – e ainda vai durar mais uns vinte, trinta ou quarenta anos. Não é uma crise de um ano, ou de curta duração: é o grande desabamento de um sistema. Estamos num momento de transição. Na verdade, na luta política que acontece no mundo — que a maioria das pessoas se recusa a reconhecer — não está em questão se o capitalismo sobreviverá ou não, mas o que irá sucedê-lo”.

Ainda que envolvidos o pensamento do filósofo e do sociólogo no entremeio de dois séculos, mantem-se a evidente contradição no plano interno do sistema capitalista ao não partilhar parcela da riqueza gerada pelos trabalhadores – produtores de tudo através da força do trabalho – excluindo-os dos sistemas de saúde, segurança, moradia, educativo, que deveriam ser comuns a todos.

Desta forma tendo o capitalismo como objetivo a obtenção de lucros, cada vez multiplicados com a parcela que absorve e não distribui, sem reconhecer a fonte que o alimenta (fábricas, agricultura, comércio) aprofunda a cada instante, mais e mais, a desigualdade entre quem concentra e quem produz.

O progresso científico e a decorrente substituição de parcela da observação empírica dos fundamentos da teoria marxista não excluem a conclusão básica, definida historicamente como luta de classes.

Aí, mais viva do que nunca, travestida em outras roupagens. Não mais a vetusta escravidão humana como regra, mas escravidão à tecnologia imposta como consumo a quem não alcança recursos suficientes para corresponde-la sem perder a dignidade.

O capitalismo monopolista (contraponto ao de livre-concorrência ou liberal) ocupa o planeta com todos os seus tentáculos aprimorado em apropriação através de sua forma contemporânea: o capitalismo financeiro.

Na esteira de tudo a lição não aprendida de ver no outro o semelhante; a soberba e a indiferença tão só subsiste como se nada mais houvesse, nos que ostentam tal potentado.

Nenhuma sensibilidade para corresponder aos milhões de carentes atendidos por outros milhões que contribuem com parcelas de 30 reais mensais, atendendo aos que imploram nas redes os grupos humanitários, enquanto trilhões de dólares pautam carteiras de produtividade nula em relação a quem, para sobreviver, carece de centavos do que acumulam.

Inconcebível (se não fosse concreto) que o Homem, em dimensão de Humanidade e Civilização, convivesse com tamanha distorção: sem moradia milhões de famílias enquanto alguns milhares vivem em castelos e mansões milionárias; homens do campo sem um pedaço de chão para plantar a sua sobrevivência enquanto milhões de hectares estão concentrados nas mãos de poucos, que ainda acham muito pouco o que têm; milhões de seres humanos tornados objeto de uma cultura que os descarta, como coisa nenhuma diante dos ‘benefícios’ econômicos; que a Economia tenha primazia sobre o Homem espelhado em famílias sem teto, terra, saúde, educação e comida.

Havermos chegado a esse nível de indiferença espanta. E não se trata de ideologia tal espanto. Tão só clamar por mais equidade. Os homens não precisam ser iguais; mas, menos desiguais, mais fraternos e solidários. Afinal, a igualdade e a fraternidade como aspiração dispensam conteúdo ideológico, apenas espírito humanístico.

E não custa lembrar a lição irrefutável, inexorável: seremos reconhecidos (aqui e além) por aquilo que fizemos ao semelhante e não pelo acumulado, que aqui permanecerá.

Ainda que a terra seja plana, como imaginam alguns.


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