O leitor
não está obrigado a ler o link que ora disponibilizamos, de preciosa análise em
torno daquela parcela do MPF que ele denomina de “majestade”. Destacamos,
abaixo, trechos de artigo publicado no GGN pelo ex-ministro Eugênio Aragão.
Coisa que o leitor não vê expresso em comentário de “cientistas” políticos ou
jurídicos nas redes de televisão. Aliás, também responsáveis por tudo que
aventa o ex-ministro.
Mas
cobramos compreender (o leitor) porque a então presidente Dilma Roussef, dispondo de uma expressão
como Eugênio Aragão, manteve o insignificante José Eduardo Cardozo tanto tempo à frente do
Ministério da Justiça.
Nem
Freud explica.
[...] A ousadia do provinciano
inquisidor-mor e de seus auxiliares no ministério público não encontra
resistência nas cortes superiores. Uns por compartilharem a tosca visão de
mundo da corporação abusada, outros, talvez, por medo de atrair contra si a ira
de uma multidão ensandecida que quer o sepultamento do estado democrático de
direito, deixam o barco correr e, a cada coonestação de suas ilegalidades, a
turma fica mais motivada a seguir pela senda de destruição de garantias
fundamentais.
A patifaria foi bem recompensada. O
juiz de província virou ministro de um governo que ganhou o mandato graças a
calúnias e difamações contra os adversários em escala industrial e o menino do
PowerPoint acha que vai ser ou fazer o próximo Procurador-geral da República…
A empreitada curitibana, como disse o
Ministro Gilmar Mendes, é um projeto de poder. Um projeto corporativo que passa
por protagonismos individuais. Tanto o presidente do santo ofício, a ANPR,
quanto o atrevido autor do PowerPoint, querem se dar bem, custe o que custar
para o país. Centenas de milhares de empregos foram destruídos na sanha
persecutória contra o setor de construção civil, ativos tecnológicos foram
entregues de mãos beijadas a empresas estrangeiras, reinstaurou-se a
dependência por know-how de fora para obras de infraestrutura e, o pior, deu-se
de presente o petróleo do pré-sal a petroleiras norte-americanas. Mas, dane-se!
Os moços têm um futuro brilhante como intocáveis justiceiros!
É preciso colocar os pontos no ii para
desmascarar esse desserviço contra o Brasil, por uma horda de narcisos que a
todo dia de manhã vão ao espelho depois de acordarem, para se dizerem “bom dia,
lindão”! Usam a moral como lhes apraz, à busca de aplauso. Manipularam a agenda
de enfrentamento da corrupção de modo seletivo, para fazer barulho e obter
apoio de setores da economia que repudiavam as políticas sociais inclusivas, de
“custo público intensivo” dos governos do PT. Endiabraram o governo e a
liderança partidária. Com isso, atravessando as competências do executivo
federal, estabeleceram contatos para si muito promissores com a agenda
norte-americana de ferir mortalmente o interesse nacional brasileiro. Foram aos
EEUU, fizeram acordos, entregaram informações sensíveis sobre a gigante
petroleira brasileira e assumiram o trabalho sujo de liberar o espaço para as
empresas norte-americanas. Tudo isso clandestinamente, com as bênçãos do
procurador-geral de então, o vaidoso e pretensioso Rodrigo Janot.
As instituições do país metido numa
das maiores crises políticas de sua história assistiam passivamente ao
crescimento desse leviatã. Seus vozeiros criticavam abertamente ministros do
STF, sem maiores reações dos atingidos e faziam terror midiático contra
potenciais desafetos – enfim, tudo que não se espera de um agente “político” do
estado investido nas graves funções de manuseio do monopólio de violência.
...
Desta vez, contudo, o STF não se
deixou intimidar e, por estreita maioria, fez prevalecer a Constituição e a lei
na sua interpretação mais óbvia e literal: o art. 79 do CPP estabelece que os
crimes ordinários conexos aos de jurisdição especial, como o justiça eleitoral,
serão por esta processados e julgados; por sua vez, o art. 35 do Código
Eleitoral deixa claro que os crimes conexos aos crimes eleitorais serão
julgados pela justiça eleitoral. Enfim, não há óbice a estas disposições
pré-constitucionais, uma vez que a própria Constituição, em seu art. 109, ao
estabelecer a competência criminal da justiça federal, ressalva os crimes de
competência da justiça eleitoral. A decisão majoritária do STF não fez outra
coisa que reestabelecer o leito da legalidade.
A reação dos justiceiros de Curitiba
foi histriônica, típica de quem não aprendeu em casa a lidar com um “não” de
Papai e Mamãe. Afinal, como podem os lindões da “Lava Jato” ser colocados em
seu lugar? A corporação não aceitou a captis diminutio e
continuou a estribilhar desaforada.
Fui vice-procurador-geral eleitoral.
Pude verificar, em dois anos e meio de mandato, que os procuradores eleitorais,
em sua grande maioria, com raríssimas exceções, bebem chope do mesmo barril que
os justiceiros. Não são melhores e nem piores. São inflexíveis no exame de
reclamações e irregularidade, na tônica do “summum ius, summa iniuria”.
Têm enorme dificuldade de dialogar com os jurisdicionados e entender as
particularidades do processo eleitoral e, não raro, tratam a classe política
como um bando de delinquentes. Se for por razões ideológicas, portanto, não tem
muito o que temer, a turma curitibana. Os réus da “Lava Jato” receberão
“tratamento” adequado pelos procuradores eleitorais.
Mas aí é que está o problema: os
inquisidores da província do Paraná perderão protagonismo. Não serão mais eles
que perseguirão os políticos a quem, muitas vezes sem prova cabal, atribuíram
terem se corrompido para financiar suas campanhas eleitorais. Com o exame
diferenciado da justiça eleitoral, pode-se chegar à conclusão que o
financiamento se deu dentro da lei. Receber recursos de empreiteiras de obras
de infraestrutura nem sempre configura propina. Essa simples constatação pode
enterrar o discurso populista contra a política que inflou as taxas de
aprovação dos lavajateiros nas pesquisas de opinião.
A extrema irritação corporativa tem,
pois, razão de ser. Se houve sujeira processual colocada debaixo do tapete, ela
já já se manifestará com a mudança para a justiça eleitoral. Não há sujeira que
resista debaixo do tapete com a ação da Transportadora “A Lusitana”, que roda
enquanto o mundo gira.
Mas não ficou só nisso. Outra ousada
iniciativa da “Lava Jato” mereceu dura reprimenda do STF e, agora, por
iniciativa da própria Procuradora-geral, que – at last but not at
least – deu um basta às atitudes autocráticas da turma de Curitiba,
que passaram por cima da autoridade da própria chefe.
O pano de fundo é um estranho acordo
feito entre a Petrobrás e o Departamento de Justiça norte-americano (DoJ),
através de sua seção de defraudações. Os EEUU se arrogam o direito de
jurisdicionar sobre qualquer caso de corrupção mundo afora, que possa afetar a
competitividade das empresas norte-americanas no mercado global. Trata-se de
uma extensão, sem igual no direito comparado, da jurisdição
extraterritorial pelo princípio protetivo. O pagamento de propinas por uma
suposta empresa de construção civil australiana a funcionário da Papua-Nova
Guiné pode recair na competência da justiça estadunidense assim como a doação
eleitoral feita por empreiteira brasileira a um servidor do próprio Brasil. Não
interessa: tratando-se de negócio em que empresa dos EEUU poderia vir a ter
interesse, pimba! A justiça norte-americana entra no circuito.
Essa legislação – Foreign
Corrupt Practices Act (FCPA) – mostra claramente do que se trata no
“combate” transnacional da corrupção: impedir prejuízos aos negócios
norte-americanos. É uma moral tão atravessada quanto aquela que inspirou
ingleses, no século XIX, a reprimir o tráfico de escravos. Não era a vida de
escravos que interessava (na interceptação de navios negreiros em alto mar eles
morriam por afogamento, com o afundamento da embarcação em que eram
transportados), mas apenas impedir que chegassem ao destino, para servirem de
mão de obra aviltada, nas plantações de cana ou de algodão que concorriam com
engenhos e fazendas britânicas, onde a escravidão fora abolida por ordem da
Casa dos Lordes. O “combate” à corrupção, no espaço internacional, pouco se
lixa com a qualidade governança dos países em que o ilícito é endêmico.
...
Não é a corrupção que interessa aos
combatentes “anticorrupção”. São interesses estratégicos geopolíticos que os
animam. E nossos meninos de Curitiba, assim como o ambicioso Rodrigo Janot, ou
são burros ou são conscientemente coniventes com a destruição dos ativos
nacionais brasileiros. De Rodrigo, por vezes inimputável, não se pode dizer
muito, mas os justiceiros da província são toscos, porém não menos espertos
para garantirem o proveito próprio.
Foi assim com o tal acordo entre a
seção de defraudações do DoJ e a Petrobrás. As tratativas foram levadas a cabo
por representante jurídica da empresa e as autoridades norte-americanas.
Curiosamente, apesar de ter sido, o negócio, confessadamente induzido pela
turma da “força-tarefa”, não consta da formalização do acordo nenhuma
referência ao mpf e sequer a assinatura de algum representante seu.
O acordo traria para a Petrobrás “a
vantagem” de não sofrer persecução penal nos EEUU por crimes que, segundo sua
legislação, teriam sido praticados no Brasil. Na contrapartida, a empresa
pagaria vultosa multa de bilhões de reais ao governo americano. O mais curioso
é que a ameaça de persecução fere abertamente o princípio da não-ingerência
profundamente enraizado no direito internacional. Para escapar dessa
arbitrariedade, a petroleira se dispôs a pagar sem reclamar, num valor muito
superior ao praticado em casos congêneres nos EEUU.
Pelo novo acordo, a Petrobrás poderia
deixar de pagar aos estadunidenses 80% do valor da multa, se o aplicassem,
metade, na indenização de acionistas no Brasil e, outra metade, num programa de
politicas anticorrupção a ser levado a efeito em articulação com as
“autoridades governamentais brasileiras”, aí compreendidos, expressamente, o
Tribunal de Contas da União e a Comissão de Valores Mobiliários. Sobre o mpf,
não se gastou uma só palavra.
Mas, clandestinamente, sem
conhecimento da assessoria internacional da PGR, os meninos hiperativos
da província elaboraram um novo acordo com a Petrobrás, agora no Brasil, pelo qual
1,25 bilhões de reais da multa reverteriam para uma fundação a ser instituída
em Curitiba pela empresa e comandada por um conselho cujos membros seriam
escolhidos pelos procuradores e a juíza da 13ª vara federal de Curitiba. Sob
segredo de justiça, submeteram o acordo à homologação da juíza, que, sem
qualquer competência para a matéria, atendeu ao pedido.
Ocorre que mentira tem pernas curtas
e logo o teor do acordo veio a lume pelas mãos do jornalista Luís Nassif. Sua
forma e seus termos escandalizaram os meios judiciários. Ficou claro que
membros do mpf em Curitiba queriam uma fundação endinheirada para chamar de
sua. A finalidade do construto seria claramente política. Pretendia-se
disseminar ações preventivas contra a corrupção, muito distantes do escopo de
atuação do ministério público. Mas o pior é que aparentemente o mpf da
província “tungou” os recursos da multa do DoJ para si, sem que fosse parte ou
destinatário direto ou indireto do acordo celebrado nos EEUU. Afinal, o mpf não
é “autoridade governamental brasileira” com atribuições na formulação de
políticas públicas e o dinheiro, para todos os efeitos, pertenceria à União,
pois é acionista controladora da Petrobrás e principal incumbida da agenda
anticorrupção. A advocacia geral da União, no entanto, de nada sabia, segundo
consta. E muito menos o ministério da justiça. Ao menos, assim fingiram.
O mais grave, porém, é que os
procuradores envolvidos se comprometeram a prestar “consultoria” à Petrobrás
para instituição da fundação, o que lhes é expressamente vedado no art. 129 da
Constituição. E, não fosse só isso, os contatos diretos com autoridades
estadunidenses ultrapassaram o âmbito de atribuições do mpf, sendo o ministério
da justiça a autoridade central da cooperação jurídica com os EEUU, conforme o
acordo que vige entre o Brasil e aquele país. Não compete ao ministério público
ou ao judiciário manter relações com estados estrangeiros: essa função pertence
exclusivamente ao Presidente da República.
Essas questões foram exaustivamente
examinadas em ação declaratória de inconstitucionalidade (ADI) e em ADPF
propostas pelo PT e pelo PDT junto ao STF. Concomitantemente, também a
Procuradora-geral da República também propôs ADPF para contestar na mais alta
corte a iniciativa curitibana. Deixou muito claro que os procuradores
envolvidos não falam pelo mpf, cuja única voz autorizada é da
Procuradora-geral. Excederam-se e violaram a constituição. Criticou fortemente
o protagonismo pessoal buscado pelos integrantes da “força-tarefa” e a completa
falta de fundamento legal para a instituição da fundação por indução do
ministério público.
O contra-ataque inesperado da
Procuradora-geral desencadeou uma guerra intracorporativa no mpf. Nota do
presidente da ANPR, tornada pública pela imprensa, fez inéditas acusações à
chefe da instituição, que estaria a violar a independência funcional dos
colegas do sul.
A sacrossanta “independência
funcional”! Esse princípio virou, nas últimas décadas, uma panaceia para
justificar todo e qualquer voluntarismo destrambelhado de procuradores
ativistas. Com base nele, tornam-se intangíveis é incontroláveis, verdadeiras
metralhadoras giratórias a cuspirem balas em todas as direções. O peso que se
atribuiu à falsa garantia é responsável pelos desatinos que passaram a ser
frequentes no mpf, em especial a partir da gestão de Rodrigo Janot. E, no
entanto, seu emprego sem limites resulta de equivocada interpretação do texto
constitucional.
Duas questões essenciais nesse
domínio têm deixado de ser consideradas, por não se encaixarem na construção do
empoderamento dos membros do mpf. São elas: a uma, a “independência funcional”
não é prerrogativa pessoal, mas apenas “princípio institucional” a conviver com
dois outros, convenientemente esquecidos – os da unidade e da indivisibilidade
do ministério público, todos referidos em conjunto no art. 127 da Constituição;
a duas, a Procuradora-geral da República não é rainha da Inglaterra que
reina mas não governa: o art. 128 a chama de “chefe do Ministério Público da
União”. Chefe é chefe. Manda, não sugere. Tem a última palavra no governo
institucional e representa o órgão externamente.
Por isso mesmo, o protagonismo da
primeira instância de Curitiba é indevida invasão do espaço da chefe da
instituição. A Constituição não abriu mão da estrutura hierárquica do mpf. Mas
como isso se coaduna com a “independência funcional”?
A resposta é simples. A independência
do procurador não é igual à do juiz. É ontologicamente diferente. Enquanto o
juiz tem sua independência balizada pelos limites já postos da lide (as teses
do autor e do réu), o ministério público tem o poder de construir a própria
lide e fixar seus limites. Por isso, não pode ver a independência como atributo
ou prerrogativa pessoal. Antes, faz parte da gramática do funcionamento
institucional. A consciência do procurador não pode ser violada e, para tanto,
ele tem o direito de não atuar em feito a explicitar tese com que não concorda.
Ele passa o processo para outro. Mas a independência que se lhe aplica como
princípio institucional convive com a unidade e indivisibilidade do ministério
público, a demandar coordenação e controle, para que nenhum procurador desafine
da orquestra de que faz parte. A coordenadora maior é a procuradora-geral.
Ponto.
Claro que essa concepção
constitucional não agrada a voluntariosos procuradores concurseiros: não
fizeram concurso para serem comandados! Mas, num estado de direito, não pode
haver exercício de poder sem freio e supervisão. E o ministério público não é
coisa distinta desse estado de direito.
Pois bem, aí entra o imbróglio que
representa o recente ativismo político autárquico da ANPR. Como mera associação
a congregar os membros da carreira, para lutar por suas condições de trabalho e
fazer propostas de aprimoramento da atuação institucional, inclui nos seus quadros,
também, a Procuradora-geral da República e os que apoiam sua gestão. Têm o
mesmo direito de serem representados pela diretoria associativa que os críticos
da atuação da chefe. Por isso, não tem a ANPR qualidade para se opor
publicamente contra iniciativa da PGR. Não pode a diretoria escolher lado,
ainda mais quando foi eleita em chapa única.
Mas não é só isso. A ANPR não
tem standing para contestar, como amicus curiae, a
ação da Procuradora-geral no STF, como anunciou que pretende fazer. É que,
constituída por procuradores que se submetem ao poder de coordenação da chefe,
não tem como querer que seus associados venham, por meio da associação, se
insurgir contra essa coordenação. Admitir o contrário seria destruir a
arquitetura constitucional do ministério público. Pode a ANPR secundar os atos
da chefe, mas não se opor em processo judicial, por não ter interesse
processual para tanto.
Espera-se do STF que vete qualquer
tentativa de hostilização associativa à PGR na ADPF por ela proposta como
legítimo instrumento de reaver o controle da institucional no seu leito
natural. Admitir, do contrário, que a ANPR se coloque como amicus
curiae para contestar a medida de sua mais ilustre associada é um non-sense e
apenas fortalecerá a atuação de protagonismo individualista dos bonitões da
carreira. E a “Lava-Jato” já mostrou sobejamente seu potencial
destrutivo sobre o sistema de garantias processuais, a governabilidade do país,
sua economia e infraestrutura com o populismo persecutório à margem da lei,
pelo que se notabilizou.
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