Verdade que
dói
Garimpeiros,
fortemente armados, invadem reserva indígena, ocupam terras e mesmo matam a
facadas o chefe da tribo. Cena comum e recorrente em antigos filmes faroestes
onde a ‘corrida’ às terras auríferas da Califórnia tudo justificava, inclusive
chacinar índios à bala, incumbida a indústria cinematográfica (na quase
totalidade das ‘mensagens’) escrever e pintar os atacados
silvícolas/peles-vermelhas como bandidos cruéis e sanguinários, bárbaros lutando
contra a civilização que lhes é oferecida.
Em tempos de
rede social como instrumento de comunicação um ‘especialista’ invade telefones
privados.
O dirigente
maior da nação proclama nepotismo, ao lado de promover o desmonte de tudo que
possa representar instrumento de defesa da soberania, da indústria, de riquezas
e lança ao rés do chão os mais comezinhos princípios inerentes à liturgia do
cargo.
Um ministro
empossado como da Justiça anuncia aos quatro cantos que determinará à polícia
sob seu comando a destruição de provas coletadas para apuração de fato
possivelmente criminoso que o cita envolvido. E como dita apuração envolve
estrangeiro residente no país – que deu de divulgar outras irregularidades do ‘ministro’
– sinaliza a deportação sumária de estrangeiros nos moldes preconizados em
conveniente portaria de seu ministério para uso ao alvitre de sua caneta.
(Antes da iniciativa tirara uns dias de férias e foi descansar nos EUA assim
que pipocaram as denúncias contra si).
Alguns Procuradores da República
utilizam-se de fama produzida (alimentada pela mídia) para reunir-se com
banqueiros e ministro do STF antes das eleições (junho de 2018), em segredo, para traçar rumos,
onde “eleições” era o tema servido, das quais alijado o candidato que a
venceria no primeiro turno. Por mera coincidência esses bancos se beneficiam de
privatização logo nos seis primeiros meses do novo governo abocanhando quinhão
nobre da BR Distribuidora, fato que não ocorreria se outro o vencedor das “eleições”.
No primeiro
caso nenhum espaço na mídia;
no segundo, verdadeiro estardalhaço em torno dele,
ainda que os fatos a ele vinculados fiquem de lado nas avaliações;
no terceiro,
silêncio conivente, limitado ao conveniente da divulgação;
no quarto, embala-se
a ‘informação’ na possível ilegalidade na obtenção da fonte e passa-se ao largo
da gravidade contida no quando divulgado;
no quinto... ora, mais uma das
dezenas de “crimes contra o patrimônio público” que andam acontecendo,
especialmente quando perpetrados por agentes públicos envolvidos no ‘combate à
corrupção’.
Diante de
tudo não custa perceber – à luz das ‘reflexões’ – que as redes sociais se
apresentam delimitadas em dois campos de batalha precisos: dos que são a favor
e dos que são contra alguma coisa. E que esse “alguma coisa” tem por nome e objeto
um partido político e quem lhe seja a favor. O inverso também ocorre.
Resultado: amor e ódio, permanente prato do dia.
Em meio a
tudo – ainda que através da rede ou de veículos de comunicação – uma parcela de
analistas, significativa, expressa o espanto diante de tudo que aí está.
Entende ela que a verdade dos fatos não corresponde ao que está veiculado como
informação. E diante de tal revelação claro fica que menos há de informação e bem mais de manipulação.
Eis por que
também se espanta este escriba de província: crime a invasão de terras
indígenas demarcadas, crime a prática de nepotismo, crime a destruição de
provas que podem elucidar um ilícito praticado, crime desrespeitar os primados
inseridos na Constituição em defesa da liberdade de imprensa e da atividade
jornalística, incluindo a de proteger o
sigilo da fonte.
E como,
ainda que tudo seja crime, há quem diante disso se cale ou se omita, quando não
defenda, porque 'sou' a favor, desde que ‘alguma coisa’ esteja por trás, como
presumo ou convicção tenha. E nem aí se fale dos que não percebem e os que
fingem não ver, todos embrulhados no mesmo pacote lançando ao precipício o sonhar uma gente que imaginou-se digna de um futuro com tal.
E para o caboclo
no grotão, assistindo a tudo que ora vê e antes não via, a percepção de que
nada há de novo. Tudo existia e havia. Apenas não se percebia por falta de
oportunidade.
Vivemos a
singular realidade expressa por Bertold Brecht: do tempo em que temos que defender o óbvio, como se fosse
revolucionário.
Dura a
reflexão. Ou como a verdade dói.
Talvez tudo melhor expresse a racionalidade de
quem observa “O Grito”, de Edvard Munch.
No mais,
Mozart como fundo musical (abaixo):
Dies irae (dia de ira)
Dies illa (dia de raiva)
Solvet saeclum en favilla (dissolve a terra em cinzas).
Dies illa (dia de raiva)
Solvet saeclum en favilla (dissolve a terra em cinzas).
Apenas acrescentamos: onde se lê saeclum
leia-se terra brasilis.
Algumas leituras para esta atualidade
Por tudo que
acima escrevemos recomendamos ao estimado leitor, para caminhar o caminho da
compreensão do quanto acontece, as leituras de Jessé Souza e seu “A Elite do
Atraso” (Rio de Janeiro: Leya, 2017) ou descobrir em Pierre Bourdieu, para quem a concentração de capitais
econômicos, sociais e culturais por determinados grupos são utilizados como
forma de dominação sobre outros, em que a classe dominante se impõe distinta de
assalariados em “A distinção: crítica social do julgamento” (Lisboa, Editorial Vega-1978) ou a reprodução, na
escola, pelo sistema de ensino, das desigualdades que efetivam a estrutura social, em “A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino” (Porto Alegre: Editora Zouk, 2007).
Demoro, mas passo por aqui para sorver cultura, inteligência e humanidade. Caro amigo, estamos vivendo um realismo fantástico. Estou relendo Kafka, Ionesco,Buchner e Brecht. Também a caverna de Platão e Gramnsci... tempos obscuros...
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