Armadilha II
“De repente,
não mais que de repente” (Vinicius de Moraes) descobrimos o óbvio brasileiro:
na descoberta da geografia humana ainda não migramos do cidadão-eleitor para o
cidadão-cidadão. O primeiro se imaginou cidadão quando lhe foi facultado o voto
universal – delirando quando alcançou-o
analfabeto; o segundo esperará muito tempo para tomar consciência de que
votar simplesmente não fará cidadão.
Eufórica,
assim parece, a esquerda na voz de algumas de suas expressões (inclusive do PT)
sentem-se ‘unidas’ para enfrentar o inquilino do Alvorada.
Afinal, “fascismo” e
“neoliberalismo” são as palavras de ordem que se adequam à perfeição ao
presidente e ao seu programa(?) de governo(?).
Mas, ainda ninguém cuidou de
perguntar ao povão o que ele entende por ‘fascismo’ e ‘neoliberalismo’. Ele que
entende da realidade imediata: comida, emprego, escola, saúde etc. Ele que se
diz informado pela TV Globo e quejandos e rádios que priorizam a propagação da
desgraça como realidade natural rotulando-a como caminho da salvação nacional.
Continuam
errando na leitura e no tempo da leitura. Não percebem em torno do ‘recurso
simbólico’ hodiernamente utilizado (não tão recente), que tudo que ora estigmatiza o
mal, o errado, o ilícito “é coisa do PT”. E no embalo, para fugir do Príncipe das Trevas as gentes várias desta terra brasilis aderem ao combate por simplesmente combater, não saber por quê.
Apenas para
ilustrar a memória recente: o PP assegurara apoio a Dilma e, naturalmente,
votos contra o impeachment. No dia da votação votou em peso pelo afastamento da
Presidente. Bastaram
alguns milhões de trocados administrados por representantes de um banco e da
indústria paulista para convencer da importância de algo que antes ditos
representantes entendiam absurdo.
Considerando
o que está em jogo (discriminado na postagem anterior) imaginar que o inquilino
vai perder na Câmara e no Senado beira a senilidade.
Caso
realmente imprescindível o impeachment, por razões econômicas e não
ideológicas, não cabe ao PT comandá-lo (“Coisa do PT” – dirá a mídia para
convencer o povo) mas deixar os próprios ‘interessados’ que elegeram o
governante destituí-lo. Aí, as esquerdas apenas anuiriam. E não seriam o
cordeiro de Esopo e La Fontaine.
Por outro
lado imaginar que tal fato é bandeira de luta afirma a falta de leitura do
instante e seus desdobramentos. E mais: imaginar que encontrará na mídia
hegemônica apoio e reconhecimento por deter a iniciativa avulta em inocência.
Às vésperas
de uma eleição municipal a direita pode conseguir espaço a ser conquistado
dentro do desastre econômico alimentando o que se tornou chavão, estereótipo: “coisa
do PT”.
Caminhamos pelo mato a esmo, onde o que não falta são armadilhas. Porque a armadilha (em nível geopolítico e em nível eleitoral/institucional) está posta. Cabe percebê-la, desarmá-la e depois, então, caminhar.
Podemos
estar errado. Daremos a mão à palmatória. Caso contrário, que não se diga que
não avisamos.
Post
scriptum: 1) há vinte dias o texto se encontra redigido. Nele, como nos
anteriores, a observação em torno da errônea leitura e uso do instante como o
faz o PT. Temos insistido de que para derrubar qualquer boa inciativa em
relação a alguma coisa basta a pecha “é coisa do PT”.
O escândalo,
reconhecido por todos que detém um mínimo de lucidez, de vazamentos e ameaças
de Moro e os tais hackers de Araraquara, dizia respeito a crimes flagrantes:
tornar público investigação sigilosa, ameaçar destruir provas etc.. Foi objeto
de representação do PT junto ao STF. A ministra Cármen Lúcia arquivou. Naturalmente
por ser ‘coisa do PT’. Coisa que só o PT não percebe. E se esquece da famosa
frase “com Supremo e tudo”.
2) o
inquilino do Alvorada confirmou o anunciado: proibição, em todo o território
nacional, dos radares móveis. Manuela d’Ávila (PCdoB) de imediato falou contra,
apoiando-se no risco à segurança.
Duas
considerações da coluna: a) o que mais
agrada ao motorista multado por tais radares (às vezes escondidos e camuflados nas
rodovias, como assaltantes à espreita da vítima): o discurso de d’Ávila ou o
combate promovido pelo inquilino?
A realidade
palpável foi levada em conta pela medida do governo: a manipulação da segurança
por uma indústria de multa (como se não bastasse aquela de radares fixos, onde
até transitar a 30 ou 40 km/h em pistas de rolamento em rodovias federais
oneram o proprietário de veículos) que visa ‘educar’ pelo bolso alimentando as
burras de governos.
Em meio a isso, utilizar a ‘segurança’ soará, para a vítima, como defesa da
indústria.
Ou seja:
leitura errada do fato concreto, sem a devida análise. Quando nada a visão
acadêmica desvirtuada da realidade. Ou, o que é mais grave, simplesmente ser
contra, ainda que a coisa esteja certa.
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