Temos buscado
entender o que ocorre com nossa gente, nosso país e suas instituições.
Perseguindo compreensão para o que consideramos absurdos praticados à luz de
postulados civilizatórios. A razão por que nos distanciamos de tanto de evolução ocorrida nesta
Humanidade em duas/três centenas de anos de existência se consideramos a sua
dimensão homo sapiens sapiens como estágio que se lhe atribui de racionalidade,
de capacidade de pensar, de refletir e de se comunicar.
Intriga o
fato de percebermos em parcela da sociedade brasileira uma racionalidade de zumbis e mortos-vivos a partir de certa
informação repetida a inibir quase inteiramente a capacidade de analisar, de
refletir, de dialetizar.
Muitos os
fatores, certamente. Afinal, a conformação de uma sociedade não se materializa
de um instante para outro. O próprio inconsciente – como um código apriorístico
definidor do habituar-se a algo como a um som ou a um ritmo – sedimentado está
no alicerce que o desenvolveu no curso de décadas ou séculos, se nos
aproveitamos de Carl Jung e seu ‘inconsciente coletivo’. O que uma sociedade
reproduz se fez construir durante sua existência, aliada às influências
absorvidas. A brasileira no curso de 500 anos.
Quando
aquele sobrinho de Sigmund Freud, nos Estados Unidos, abriu na década de 20 do
século passado os caminhos da manipulação das massas, nada mais fez que
metodologizar algo que de certa forma se fazia presente na concepção da fé e
seus dogmas em nível antepassado. Apenas o promoveu para corresponder aos
interesses de uma coisa que hoje se denomina deus mercado, onde o
consumismo (entendido aqui como o desenfreado uso do que não seja necessário à
sobrevivência) – e o Estado disso se apropriou ou se deixou cooptar – se tornou
a pedra de toque.
A
manipulação – como instrumento de “controle dos hábitos e opiniões” – tornou-se
a pedra angular não somente da atividade negocial (produção, distribuição e
consumo) mas também daquele “governo invisível” a que se refere Edward Barnays,
teorizando a partir das pesquisas do tio.
Em “Propaganda”,
Barnays declina:
“A manipulação consciente e inteligente dos hábitos e
opiniões organizados das massas é um elemento importante na sociedade
democrática. Aqueles que manipulam esse mecanismo invisível da sociedade
constituem um governo invisível que é o verdadeiro poder dominante de qualquer
país. Somos governados, nossas mentes são moldadas, nossos gostos são formados,
nossas idéias são sugeridas, em grande parte por homens dos quais nunca ouvimos
falar […] em quase todos os atos de nossas vidas diárias, seja na esfera da política
ou dos negócios, em nossa conduta social ou em nossa vida, pensamento ético,
somos dominados por um número relativamente pequeno de pessoas […] que entendem
os processos mentais e os padrões sociais das massas. São eles que puxam os
fios que controlam a mente do público, que aproveitam as velhas forças sociais
e criam novas maneiras de ligar e guiar o mundo”.
Claro –
assim o vemos – que a afirmação de tudo isso ser “importante na sociedade
democrática” nada tem de contribuição para a Democracia, mas de quem a manipule
para corresponder aos seus interesses.
Na esteira
das observações acima postas nos defrontamos no Oráculo de Delfos diante da
angustiante e milenar indagação, pautada na mais primeva pretensão filosófica: Por
quê?
Certamente
cansa utilizar dos meios de que dispomos para explicar. Mas não é difícil.
Difícil é entender.
“Os homens são em grande parte movidos por motivos que eles
escondem de si mesmos” – afirma-o Barnays.
Eis o nó górdio desatado para compreender
esta terra brasilis e sua gente.
Jessé Souza vê no racismo elemento causal do muito que nos
acontece:
“Estamos em uma sociedade racista que não se vê, que não se critica
como tal”. [...] Pessoas que estão a favor da injustiça, do ódio, da perseguição, a favor da própria destruição do patrimônio nacional que vai fazê-las perder oportunidades, a apoiar um governo que não investe em ciência. É esse racismo, essa necessidade de se sentir superior a alguém
Naturalmente, uma postura pequeno-burguesa há de alimentar
tais egos pautada na exclusão do outro como fenômeno capaz de me afirmar
superior, afastando a solidariedade (calor universal) como elemento catalisador
de esperança e melhoria da coletividade. “Eu” sem o “outro” serei melhor. O que
o “outro” tenha que me sirva dele me aproprio, não importa o meio de que me
utilize, seja imagem ou força de trabalho.
Na esteira disso tudo a academia a legitimar com seus
instrumentos de formação, informação e pesquisa os que a buscam como fonte do
conhecimento em essência. E que se tornou apêndice e instrumento de controle dos
“hábitos e opiniões”.
A propósito do universo jurídico, Lênio Streck:
“Sempre disse e repito o que Dworkin já dizia
em seus escritos sobre desobediência civil. É um disparate a ideia de que o
Direito é o que o Judiciário diz que é. O ponto é que legisladores também não podem dizer coisa sobre qualquer coisa.
Ora, o Direito não é um amontoado de leis e precedentes
aleatórios. O Direito é um todo coerente. Há um ordenamento, há uma tradição,
há princípios que sustentam tudo isso. Tudo isso deve ser respeitado. O
legislador tem o importante papel a cumprir; mas não pode dizer que ovos são
caixas de ovos.”
Juntemos as pontas – diante do dito por Lênio Streck:
Judiciário e legisladores no Brasil tornaram-se peça uniforme – cada um no seu
mister – de dizer que “ovos são caixa de ovos”.
Certo é que não lhes faltam os meios
elaborados por Edward Barclays para nos dizerem/convencerem que estão certos,
que a terra é plana e os que a sabem redonda são loucos.
Partindo todos eles de uma premissa errônea – de que é a lei,
e não o Direito, o instrumento de promover Justiça – estão a tornar vontades,
interesses e caprichos na fonte das mazelas todas por que passamos. Aquela lei
que aprovam em inteira divergência com o interesse da sociedade passa a ser dogma
de fé e sua aplicação a solução para tudo porque é lei.
E aí entra a academia:
analisa a lei e não o Direito que deveria norteá-la. Dela afasta os interesses que a fazem existir. E assim, o legislador se
exprime, o Judiciário corresponde e a academia os legitima passivamente.
Não fujamos da realidade: escondemos de nós mesmos os motivos
que efetivamente nos movem. Porque são espúrios e destruidores; desumanos e
excludentes. Natural – não há como descurar – que sejamos dirigidos,
legislados/representados e julgados por essa gente.
Não caro leitor. Difícil não é debulhar o por que de tudo
isso. Difícil é entender que a exclusão e o patrimonialismo sejam aplaudidos
por quem por eles é prejudicado porque tornou-se lei. Com aplausos da meritocracia doentia que a toma como dogma de
fé.
Uma parcela a tudo aplaude, sim. Mas, mesmo que essa parcela seja tomada como vítima da manipulação
de que trata Edward Barclays ela é o espelho do que somos. Até porque nós
outros não estamos a enfrentá-la.
Em nível de academia – que o digam os cursos jurídicos, por exemplo – tudo está conforme. Esqueçamos a história do Homem e da Humanidade, tradições e princípios. Basta aplicar o método.
Nenhum comentário:
Postar um comentário