domingo, 12 de abril de 2020

À espera


O Brasil insinua que nunca alcançará a sua catarse. Não se lhe apresenta no curso histórico qualquer que seja o instante em que encontre espaço para uma purificação, evacuação ou purgação caso metaforizássemos sua ocorrência em nível de tragédia, medicina ou psicanálise. Em qualquer de suas formas a catarse há de se constituir num trauma a levar a uma descarga emocional como meio de resolver o conflito felicidade-infelicidade. É a descoberta pelo espectador do choro profundo, da alegria em excesso e do deslumbramento individual ou coletivamente.

O ator Brasil não consegue despertar descargas de emoções, não desperta instintos para resolver conflitos nos que lhe são próximos e essencialmente consubstanciados em sua gente.

Por outro lado parece fazer prevalecer a técnica das obsessões, da insistência comportamental em perseguir ou importunar alguém. A conduta repercutindo a ideia fixa e persistente.

A abordagem soa árida e incompreensível a priori. Em especial sob a ótica de que o Brasil aí estaria como Pilatos no Credo.

No entanto não vê este escriba de província outra tela para explicar o quadro que por aqui ocorre.

O curso da história pátria – afastados os registros, que refletem a versão do vitorioso – é uma sucessão de tragédias tendo por conduto a exploração. No primeiro instante a exploração das riquezas naturais que há de se desdobrar na do semelhante para afirmar aquela. Para tanto, nativos e negros trazidos tornaram-se os personagens centrais. Essa gente sacrificada sempre não encontrou, até o presente, quem a reconhecesse violada e não são abertos os livros que explicariam o caminho de solução que reverta dantesca (in)compreensão.

Por trás de tudo o que escreveu a história e hoje sustentado nos meios que impôs para eternizar-se no poder que em torno dele concentrou foge como o Diabo da cruz de reconhecer-se imaginando por em risco o conquistado.

Por seu turno tragédias não se fazem sem obsessões. E são elas o móvel permanentemente utilizado como mantra para alimentar a pira com mais e mais sacrificados. O deificado mercado aí está para confirmar.

O mundo continua apreensivo exigindo medidas restritivas à circulação de pessoas como instrumento imediato para evitar contágio. O Brasil tinha, neste domingo, 22.169 casos confirmados e 1.223 mortes pelo Covid-19 (avanço, em um dia, de mais 1.442 novos casos e 99 mortes). Na segunda, 6 de abril, tínhamos, respectivamente, 11.281 e 487. Ou seja, em seis dias praticamente dobraram os casos confirmados e quase triplicadas as mortes. Caso mantidas as atuais restrições à locomoção e considerando o período de risco concreto, que pode ir ao início de junho, ao final das próximas duas semanas (final de abril), mantida a projeção acima, poderemos registrar mais de 60 mil confirmações de contágio e o risco de ultrapassarmos 5 mil mortes.

Há quem insista em fazer girar a economia, mesmo que isso possa colocar em risco vidas humanas. As soluções cabíveis ao Estado (assegurar os meios de sobrevivência imediata com políticas eficazes de custeamento) por estas plagas soam frágeis porque se sustenta na visão de políticas inumanas para atender ao mercado financeiro.

No fundo, tudo para não perdermos a capacidade de desconhecer catarses e de nos mantermos em permanente estado de obsessão.

E por aí transita o Brasil: de tragédia em tragédia não consegue despertar uma catarse diante de tantas tragédias; e se sustenta na obsessão de que a economia de mercado é e será a solução.

Tendo o Altíssimo por solução para o erro que praticamos é possível que a população tenha no período acima aventado adquirido a imunidade ideal. É porque, abençoados por Ele, à espera de uma catarse e em permanente obsessão, contamos com a imunidade

Ainda que não seja isso o que afirme a Ciência.


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