Stefan Zweig
(1881-1942), austríaco, famoso por escrever “Brasil País do Futuro” (1941),
suicidou-se, em Petrópolis. A ironia afirma que não teria suportado o presente.
E não seria
impróprio afirmar que as razões para o suicídio de Zweig, por irônico que seja,
persiste no tempo e avançam, inexoráveis, pelo mundo nessa contemporaneidade.
Claro que
esta Terra já foi um dia para todos. Mas alguns tomaram conta dela, se
apropriaram do trabalho alheio e a riqueza produzida a concentraram em suas
mãos, o que lhes assegurou poder.
Veem-nos os
versos de Virgílio, no Livro I, das Geórgicas, como alento;
“... Ninguém antes de Jove as
terras desmembrava:
A lei que as fere agora, e
marcos lhes encrava
que dor faria então. Se tudo era
de todos,
a paz era comum a toda a
humanidade;
a terra, abrindo a flor dos
sonhos soterrados,
punha frutos nas mãos dos homens
sossegados”.
Destaque no
curso da semana a atuação de governos exercitando típica pirataria tendo por
butim material médico para combate ao covid-19 adquirido por países ao redor do
mundo e que ficaram a ver navios ao largo.
Dentre os
denunciados os Estados Unidos capitanearam as ações de apropriação de materiais,
intervindo em aeroportos e retendo encomendas destinadas a outros países. Não
bastasse, no jogo de quem tem pode mais estaria pagando até 4, 5 vezes o valor
do material.
As posturas
de quem promove a pirataria ou de empresas que descumprem contratos para
beneficiar-se de vantagens pecuniares demonstra, à sobeja, que isto que
denominamos de Civilização não alcançou – e tende a tardar alcançar – a compreensão
de valores primários para a convivência em sociedade, dentre os quais a solidariedade.
Considerando
os Estados Unidos – nunca dedicado a respeitar os outros – vem-nos a
oportunidade de releitura de carta escrita pelo coronel Robert M. Bowman (1934-2013),
com 122 missões de combate no Vietnã, autoridade em espaço, ambientalismo e
segurança nacional, fundador da Igreja Católica Unida, dirigida ao presidente
Bush sob o título Diga a verdade sobre o
terrorismo, Sr. Presidente:
[...]
o povo precisa saber a verdade, Sr. Presidente, e o Sr. não contou as razões
pelas quais somos vítimas do terrorismo [...]
O
Sr. Disse que somos alvos porque defendemos a democracia, a liberdade e os
direitos humanos. Que absurdo, Sr. Presidente! Somos alvos dos terroristas
porque na maior parte do mundo nosso governo defende a DITADURA, a ESCRAVIDÃO e
a EXPLORAÇÃO HUMANA. Somos alvos dos terroristas porque somos odiados e somos
odiados porque nosso governo faz coisas odiosas. Em quantos países os agentes de
nosso governo depuseram líderes eleitos popularmente para substituí-los por
marionetes desejosos de vender seu próprio povo a corporações multinacionais
americanas.
[...]
Destituímos continuamente líderes populares que desejavam que as riquezas de
suas terras fossem repartidas pelo povo que as gerou. Substituímos líderes
populares por tiranos assassinos.
[...]
De país em país nosso governo obstruiu a democracia, sufocou a liberdade e
pisoteou os direitos humanos. Por isso somos alvo dos terroristas. O povo do
Canadá desfruta da democracia, da liberdade e dos direitos humanos, como o povo
da Suécia e da Noruega. O senhor já ouviu de embaixadas canadenses, suecas ou
norueguesas sendo bombardeadas? Nós não somos odiados porque defendemos a
democracia, a liberdade e os direitos humanos. Somos odiados porque nosso
governo nega essas coisas aos países do Terceiro Mundo, cujos recursos são
cobiçados por nossas corporações multinacionais.
[...]
Resumindo, deveríamos ser bons em vez de maus.”
(Trechos extraídos do artigo Um pouco de fé no meu ceticismo!, de
Fausto Wolff, em A imprensa livre de Fausto Wolff, editado por L&PM, 2004,
p. 66 e 67).
Não há
ironia em quem afirma que Stephen Zweig não teria suportado o presente. Como se
sentiria diante de ações como a do governo dos EUA de impedir que Cuba receba
ajuda humanitária ou que envie seus médicos para ajudar países outros, que seus agentes surrupiem material de combate ao covid-19
destinado a países vários, inclusive o Brasil (a Bahia em particular), enquanto
em Guayaquil, no Equador, os mortos começam a ser incinerados em plena rua?
E enquanto 157
países impõe o isolamento social para prevenir a pandemia nesta terra brasilis, que abrigou Zweig, há
quem defenda a liberação geral no jogo elementar para sempre levar vantagem.
Uma parcela
apaixonada e deslumbrada vê em governantes o ‘deus/messias’ ansiado, que sempre
encontrará uma profecia em suas falas dentro da mítica sebastianista rediviva
fora dos rincões naturais, o Nordeste. Ainda que em estágio permanente de acuar
as instituições, vocacionados que são para a ditadura.
Todos temos
nosso deus/messias, padrão Antigo Testamento: vingador para aqueles que não
leiam sob sua cartilha. Aqui e alhures.
Não podemos
é perder a capacidade de ler Virgílio e de manter o olhar irônico sobre
tudo.
Enquanto isso, os salários dos funcionários da FICC em Itabuna estão atrasados.
ResponderExcluirSangue ruim esse Trindade viu. Com a palavra, Fernando Gomes