domingo, 26 de julho de 2020

No reino da hipocrisia com as calças na mão exibe-se Simba

O registro passado, neste dominical, punha em evidência o desgaste por que passa a imagem dos militares encampando posturas em nada condizentes com seu papel institucional. Trilhamos por vertentes como a da defesa de guerra contra país estrangeiro, subserviências e aparelhamento no governo e, por sua postura ideologizada, o perfil de partido político.

O ex-Ministro das relações Exteriores e da Defesa, Celso Amorim, observa  em entrevista a Mino Carta, da Carta Capital  sua preocupação com a guinada levada a termo pelo ensaiado Plano de Defesa, uma vez que a dissuasão através da contribuição diplomática sempre norteou a postura brasileira em suas ações no continente e que a pretensão atual expressa claramente a transferência para as Forças Armadas em dimensão de intervenção, o que lança às calendas os caminhos pacíficos na condução da política externa para a América do Sul abrindo as portas para uma intervenção armada onde entendam os militares necessária para conter riscos ao país.

Antes a Política de defesa não falava em “riscos de conflitos” e agora explicita o raciocínio de crises e tensões no “entorno estratégico” do Brasil.

Análise do colunista Paulo Celso Rocha de Barros, de O Estado de São Paulo, repercutido no 247, observa uma outra dimensão (que alimenta nosso pensar em nível de desgaste):


"O capitão do Exército Jair Messias Bolsonaro foi acusado de planejar explodir bombas em unidades militares no Rio de Janeiro. E quem os militares, que haviam demonstrado moderação e respeito à democracia por quase 30 anos, resolveram lançar para presidente quando a oportunidade de eleger alguém surgiu?"

E conclui:


"Ao que parece, Bolsonaro finalmente conseguiu realizar seu objetivo de juventude: colocou uma bomba nos quartéis"

Um outro aspecto remete-nos a compreender que o pensamento militar que norteia apoio às políticas do atual governo, incluindo a ocupação e o aparelhamento do Estado por militares (também da ativa) em funções civis, os pegou com as calças na mão.

Em tempos como os de hoje, bastante diversos da ocupação ocorrida a chicote por força do golpe de 1964 e o golpe dentro do golpe de 1968 (AI-5), quando até falar que Castelo Branco tinha pescoço de tartaruga poderia levar aos porões de tortura, a atualidade é bem diversa haja vista o exercício da comunicação via internet.

Não fora isso o nepotismo ensaiado (o que sabemos) por um general (que não está sozinho na prática) para assegurar a presença de sua filha em função do governo nunca chegaria ao conhecimento geral, tampouco a pressão surgida com a denúncia levaria aos resultados atuais: a desistência, tão grande o desgaste.

Não bastasse, todos passamos a saber que os militares passam a se beneficiar de penduricalhos originados de normas trazidas pelo inquilino (aqui) e de interpretação da Advocacia-Geral da União. Aposentam-se, inclusive, com remuneração integral.

Sob o cariz da ideologia todas as mazelas por que passam as finanças públicas encontraram sempre os culpados de plantão: políticos, servidores públicos civis, judiciário. Caso fossemos menos hipócritas acrescentaríamos os gastos com as forças militares, parte considerável delas esperando por uma guerra.

Para percepção do que representam em nível de custo-benefício (não esqueçamos, esperando por uma guerra), trazemos anotações do Jornal Contábil:

 

Os militares representam hoje metade dos gastos da Previdência entre o funcionalismo público, embora representem apenas 31% do quadro. Os dados são do último Relatório de Acompanhamento Fiscal, divulgado pela Instituição Fiscal Independente, do Senado Federal.

De acordo com o estudo, dedicado especialmente à reforma da Previdência, hoje são gastos R$ 43,9 bilhões com pensões e aposentadorias para cerca de 300 mil militares e pensionistas, enquanto a União despende R$ 46,5 bilhões para 680 mil servidores do regime civil. É o caso da pensão por morte ficta, paga antecipadamente às famílias dos militares que são expulsos das Forças Armadas por terem cometido crimes”.

De certa forma, como outros são os tempos, e a tecnologia permitindo acesso a informações inimagináveis, começamos a perceber que muitos estão sendo pegos com as calças nas mãos. Para alguns, como os militares, no entanto, não há como ir além de dois caminhos: recusar ou aceitar. A segunda opção tende a aprofundar-se.

Não sabemos até quando a possibilidade que hoje dispomos de encontrar informações que permitem analisar e avaliar a realidade há de ser relegada à discussões de botequim, apaixonadas.

Enquanto assim agirmos – sempre encontrando no outro que não pense como eu o culpado perfeito – viveremos naquele reino da hipocrisia. Ainda que com as calças na mão.

E para não perdermos o clima salivando nos deleitamos com a exibição de Simba ao reino animal.


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