domingo, 19 de julho de 2020

Próximos passos depois de caídas as máscaras

Fôssemos dado à fanfarronices e à busca por louros vazios diríamos neste instante que os militares leram nosso artigo anterior, quando levantamos críticas à existência de uma tropa na ativa à espera de uma guerra. Eis que nos espantamos com o noticiado: Brasil se prepara para a guerra e preferencialmente contra a Venezuela. (Brasil 247)

Nada mais canhestro. A Paz sempre norteou a história recente do Brasil em sua dimensão diplomática.

Mas estamos prestes a retomar a subserviência de colonizado. Do mesmo modo que sacrificamos milhares de brasileiros (em especial negros e pardos) na guerra que encetamos contra o Paraguai de Solano Lopez e nos demos ao galardão de praticamente liquidar a população masculina, visto que 94% dela sucumbiu. A barbárie é tal que na Batalha de Acosta Ñu tivemos a grandeza de matar, como soldados paraguaios, adolescentes entre 9 e 15 anos, acompanhados por mulheres e crianças de 6, 7 e 8, última batalha de uma ‘guerra que já havia acabado’, como o dissera Caxias ao Imperador Pedro II. (BBC).

Fizemos uma guerra para atender aos interesses da Inglaterra, que se via atingida em seu poderio industrial diante de um Paraguai que já dispunha de uma indústria bélica e de uma indústria naval que ensaiava fazer concorrência aos ingleses.

O brasileiro que aplaude o inquilino do Alvorada e muito provavelmente será uma de suas ‘buchas de canhão’ nunca leu (até porque por aquilo que às vezes escutamos, uma parcela não alcança dois neurônios) em torno do quão criminosos fomos em relação ao Paraguai. O Duque de Caxias recusou comandar a aniquilação da gente paraguaia, tanto que coube ao Conde D’Eu a infausta e inglória tarefa. Quem pretender se inteirar um pouquinho sobre o crime que praticamos recomendamos a leitura de “Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai”, de Julio José Chiavenatto (Brasiliense, 1979). 

A propósito – já que nossos militares estão a falar em guerra como se fosse brinquedo, sem que haja a mínima ameaça ao país – cumpre trazer do relato de Chiavenatto o seguinte, sobre o inglória Batalha de Los Niños (como a nomina o Paraguai), “símbolo mais terrível da crueldade dessa guerra”, no dia 16 de agosto de 1869, quando 20 mil aliados comandados pelo Brasil (com rifles que alcançavam 500 metros) combateram cerca de 3.500 paraguaios (armas com alcance máximo de 50 metros):


"As crianças de 6 a 8 anos, no calor da batalha, aterrorizadas, se agarravam às pernas dos soldados brasileiros, chorando, pedindo que não os matassem. E eram degoladas no ato"

Nunca imaginamos que as Forças Armadas brasileiras se voltassem para um projeto que somente interessa a um Estado estrangeiro. Seremos o boi de piranha para eles. O motivo de que precisa Trump para mover a guerra que ele sabe hoje inconveniente para os soldados estadunidenses.

Alguns dos nossos chefes militares parecem demonstrar uma escondida pretensão: a de casta. Em meio à crise não lhes faltou uma “boquinha” para ampliar o soldo. E sonham com uma guerra. Serão remunerados em dólar? Certamente não. O militar que por lá está (como pau mandado dos Estados Unidos) é pago por nós outros.

Caminhamos – sob a omissão de toda uma sociedade, com esparsas reações – para nos tornarmos um protetorado estadunidense e nossos militares a sua guarda pretoriana.

Se nada mudar quem viver verá. E não tardará. Basta que Trump se reeleja.

Uma parcela do pensamento militar certamente não vê quão desonrosa tal função. Sonha com um convite para uma palestra em instituição estadunidense de categoria nenhuma e – quem sabe? – uma medalha qualquer para ostentar na lapela.

Essa gente perdeu o pudor, deixou escancarar sua vocação vassala, sem direito a um pedaço de terra como ocorria no feudalismo. Para ela uma honraria servir o colonizador.

E como – lembramos na coluna anterior, o absurdo como precedente – ora vivemos a singular ocupação do Brasil por uma potência estrangeira promovida por suas próprias Forças Armadas. Tornadas tão somente ‘força auxiliar’ dos Estados Unidos.

Não se desespere, apenas se prepare caro leitor. O próximo passo é lançar o brasileiro na linha de frente de uma guerra sem qualquer sentido.

Seriedade é o que se exige do exercício da função militar em sua dimensão profissional razão por que envolver-se em questiúnculas de política partidária não condiz com seu mister. Cabe-lhe como instância maior da defesa do país se constituírem no centro de unidade nacional e nunca corresponder a este ou aquele cariz ideológico, isto sim, inerente aos partidos políticos.

Estamos a reconhecer que a máscara caiu. Nossas Forças Armadas consolidam o triste raciocínio de que não são em essência uma instituição à qual caberia a defesa da soberania nacional e para tanto nela confiávamos; tornou-se um partido político armado com dinheiro do povo para aniquilar o povo.

A imagem que as Forças Armadas sempre tiveram perante o imaginário está sendo destroçada. Não há como não atrela-las aos desmandos do inquilino do Alvorada. Até porque peças de sua composição se fizeram aliadas dele e o promoveram.

Ainda que não queiramos crer que o pensamento militar haja aderido à bizarrice em que nos tornamos como país, o que o torna um apêndice ideologizado, para quem duvidar que se tornou partido político esqueça o leitor até o lamentável papel desempenhado na história recente do país e observe o número de militares encastelados em cargos civis, cerca de 2% de seu efetivo superando atualmente a fatia de 6,2 mil (GGN). Para que não esqueçamos que o toma lá dá cá não se efetiva só com o Centrão.

Diziam que o PT aparelhara o Estado. O que fazem as ‘gloriosas forças armadas’? Provar que o uso do verbo ‘aparelhar’ tem seu significado aplicado somente para o adversário, como sói ocorrer na propaganda político-partidária.

As Forças Armadas ainda não tomaram a iniciativa. Mas não custa promover o arrebanhamento de assinaturas para registro de seu partido oficial na Justiça Eleitoral.

Mais consentâneo com a democracia que temos. 


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