Vivemos nós – escriba de província – a cada dia que
passa, a cada acontecimento, a cada absurdo, em profundo estágio de desencanto.
Não porque nos falhe a esperança, a capacidade de lutar. Mas por percebermos
que não cabe, à realidade nesta terra brasilis da atualidade, a moral expressa na
fábula do passarinho que sozinho carreia no bico água para apagar o fogo que
devora sua floresta. Não, não vemos o fazer sua parte sem que haja uma consciência
em que se sustentar. E essa consciência residiria na confiança nas
instituições, onde permeadas de homens. Afastadas algumas honrosas exceções nos
defrontamos com o que há de mais iníquo e sórdido. Um país de surrealismo tal que até a
morte criminosa se torna coisa comum e banal, tão natural a tornaram.
Eis que, ultrapassados os 74 anos de vida podemos ‘confessar que vivemos’. No curso destes anos acompanhando avanços e retrocessos. E por tal vivência comparar com o que ora vemos.
Aos nove anos despertamos
naquela manhã de agosto com a zoada de feira-livre, a cidade sob o clamor do
choro uníssono “Getúlio Vargas morreu!”. Não compreendíamos, como hoje, o que ocorrera em sua dimensão política. Como também não compreenderíamos à época as razões por que tantas
substituições no Catete até que assegurada a posse de Juscelino Kubitschek,
período de singular alegria no país (incluindo o primeiro Mundial da Seleção), mas
atribulado com duas revoltas da Aeronáutica (Aragarças e Jacareacanga). Vivemos as crises que levaram ao Parlamentarismo, ao Plebiscito, ao golpe civil-militar, a implantação da ditadura e sua queda formal
(quando pudemos votar pela primeira vez para presidente da República já aos 43
anos de idade), a Constituinte arrumada, a denominada redemocratização,
governos entreguistas e nacionalistas etc. Vivemos instantes de bonança,
instantes de fastio.
Aprendemos em torno da tentativa de potentados de ocuparem plenamente esta terra abençoada, a busca incessante por tomar suas riquezas, controlar o seu povo. Desde os idos dos 20 no século passado, quando a Inglaterra, no período Bernardes, tentou tomar o Banco do Brasil e o Lóide Brasileiro.
Um século
ultrapassado de idas e vindas, mas, pelo menos, não sabíamos da ação nefanda de agentes públicos custeados pelo dinheiro nosso de
cada dia em dimensão tão grave.
O estágio a que chegamos – em nível da atuação de
instituições do Estado – demonstram à sorrelfa que não mais dispomos de um
país, mas de um empório sem gerência, onde qualquer um encontra meios de ser
servido.
Não mais a intervenção ocorre de fora para dentro
mas no âmago de instituições que deveriam – por delimitação constitucional –
defender o país como Estado independente. E, o mais
grave, o que ocorre intencionalmente por parte de alguns decorre da não menos
criminosa omissão de outros.
A mais recente não pode alimentar esperanças:
instituições brasileiras em conluio com agências governamentais dos Estados Unidos
minando nossa soberania e destruindo o que dispúnhamos. Agentes brasileiros da
Procuradoria da República (sem descurar de seus superiores), Polícia Federal,
Magistrados federais formando uma quadrilha para assaltar o país em benefício
alheio.
Assim, já não confirmado apenas o uso de parcela do Ministério
Público Federal, Judiciário federal e Polícia federal para atuação
político-eleitoral. Também em crimes de traição à pátria. Por muito menos (por
tentar) a Coroa Portuguesa enforcou Tiradentes.
Vida que vai...
Cada um vive também o seu Vietnã. Com 64 mil mortos
em quatro meses de ‘harmoniosa’ convivência com o Covid-19 cá estamos a ultrapassar
os 58 mil estadunidenses na guerra do Vietnã em nove anos. Aqui sem bombas de
napalm.
O napalm tupiniquim é outro. Aquele que Jessé Souza denomina de “A Elite do Atraso”.
Afinal, como dizem senhoras de sua ilustre
representação em troca de amenidades (uma delas mulher de um governador de
estado) nossos miseráveis que dormem ao relento o fazem porque gostam.
Por tão ilustrado raciocínio a mulher estuprada o é
porque gosta, os negros assassinados nas periferias o são porque gostam, a fome
existe porque o faminto gosta, índios, sem-terra e sem-teto assassinados o são
porque gostam.
Por tal forma de pensar dispensamos repetir Catão –
“Delenda est Cartago – porque a Roma está no seio de nossa classe dominante.
Por isso confessamos: vivemos e vimos.
Inclusive o que nunca imaginamos ver: a amargura das esperanças destruídas pela violência de golpes.
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