domingo, 21 de janeiro de 2024

Conto de fadas - Parte II


 No dia aprazado iniciou o projeto

–  O administrador será aquele escolhido por todos em eleições; os que legislarão também definidos em processo eleitoral; e quem dará a última palavra sobre a aplicação da lei, os escolhidos entre os que dominem a compreensão sobre ‘dar a cada um o que é seu conforme o seu merecimento’. Tenhamos o povo no poder através de representantes, porque teremos como lema o governo do povo, para o povo e pelo povo.

E lecionou:

– Mas, para que tudo possa acontecer impõe-se primeiro organizar a sociedade. Delimitar funções.

Então, nos dias que seguiram, enquanto o povo aguardavs na praça, transformou sua sala em oficina e aprofundou o trabalho:

Ouviu cada um dos anciãos. Dentre eles escolheu os sete mais idosos para administrar a Justiça.

Dentre os de mãos calejadas delegou-lhes a produção de tudo o necessário – do campo aos espaços urbanos, dos alimentos às construções – e a outros o controle desta produção, aos quais caberia fixar preços e rotas de comércio.

De um em um escutou e decidiu diante da capacidade. Alguns destinados à elaboração das leis; outros à defesa do país; outros à propagação da palavra de Deus para consolar os aflitos e perdoar-lhes os erros e pecados, sem elevar qualquer preconceito a quem pensasse diferente ou tivesse outras crenças.

Escasseavam-se os da praça. Restaram uns que formavam um punhado. Determinou que se achegassem. Perguntou-lhes o que haviam feito, o que apresentavam como referência.

– Senhor – disse-lhe o primeiro – estive preso por haver estuprado uma vizinha e amiga.

O segundo não discrepou:

– E eu, Senhor, por haver matado para roubar de um pobre velho o que guardava para cuidar dos filhos que cresciam.

Um terceiro pontuou categórico:

– De minha parte, Senhor, mentia e trapaceava, vendia o que não possuía...

Escutou-os com atenção redobrada. Disse-lhes então o enviado:

– Do que fizestes somente posso oferecer uma empreita posta em prática na terra de onde venho e que se tornou próspera. Considerai-vos doravante arrependidos e crentes, exemplos a serem seguidos, porque salvos pela vontade do Senhor Altíssimo. Proclamareis essa confissão em praça pública, estradas e rincões do país, e hão de fundar novas igrejas porque grande é o poder do arrependimento e convencerás e o demonstrarás aos que o pretendam. Nunca afirmem – muito menos insinuem aos pobres – que a pobreza é um fenômeno político, não natural, tampouco resultante da escassez adredemente elaborada para beneficiar uma parcela daquela que será classe dominante nesta terra. Afirmem, aos gritos – se necessário – que a pobreza é a falta de fé. Nada mais que isso!

– Senhor, e se houver recusa em conquistar fiéis?

 – Como por lá ocorre, digo-vos pela experiência, anunciarás – com força e determinação – o desprezo a todos os bens materiais dos que acreditam em Deus como caminho de melhoria de vida. Apelem para a fé de que quanto mais derem mais receberão. De que 90, 80, 70, 60, 50 com Deus é mais que 100, e assim por diante. Importante e imperativo que se desfaçam todos do pouco para que muito venham a ter conforme a fé se aprofunde.

– Senhor, e quando não conseguirem?

– Quando assim os buscarem digam – como dizem os de lá – que a fé ainda não foi suficiente, claudica. Mas que há de ser perseguida e, a qualquer instante, será premiado o esforço dispendido.

E prosseguiu, eufórico:

– Sereis tão fortes que, em pouco tempo, conseguireis controlar não só os fiéis, também os poderes, pois não tardarão a eleger número suficiente de dirigentes e, além de submeterem os governantes que não sejam de vossas hostes – que serão os naturais inimigos do povo de Deus e adeptos de Satanás que precisam ser enfrentados – mesmo controlarão a edição de leis em todos os níveis e estarão no lugar dos anciãos que se forem, julgando tudo que lhes chegue conforme seus próprios interesses e exclusivas convicções, inclusive conquistarão do Estado benesses várias, até em ouro. Alguns de vocês mentirão e levantarão inverdades – tudo em nome do que pregam – para mais e mais garantirem espaço. Afirmarão possuídos pelo Tinhoso os que não pensem conforme a pregação.

Concluído seu trabalho anunciou despedida para o dia seguinte.

Todos se dirigiram à praça e o reverenciaram. Curvou-se em agradecimento, solenemente levantou a mão para o adeus desejando felicidade.

Viram-no partir sereno como chegara.

Só não viram que, assim que o esfumaçamento e a distância não permitiam percebê-lo, ria... ria... ria... ria... e não tardou gargalhar profusamente, tamanha a euforia com a missão cumprida.


Nenhum comentário:

Postar um comentário