No dia aprazado iniciou o projeto
– O administrador será aquele escolhido por
todos em eleições; os que legislarão também definidos em processo eleitoral; e
quem dará a última palavra sobre a aplicação da lei, os escolhidos entre os que
dominem a compreensão sobre ‘dar a cada um o que é seu conforme o seu
merecimento’. Tenhamos o povo no poder através de representantes, porque
teremos como lema o governo do povo, para o povo e pelo povo.
E lecionou:
– Mas, para que tudo possa
acontecer impõe-se primeiro organizar a sociedade. Delimitar funções.
Então, nos dias que
seguiram, enquanto o povo aguardavs na praça, transformou sua sala em oficina e
aprofundou o trabalho:
Ouviu cada um dos anciãos.
Dentre eles escolheu os sete mais idosos para administrar a Justiça.
Dentre os de mãos
calejadas delegou-lhes a produção de tudo o necessário – do campo aos espaços
urbanos, dos alimentos às construções – e a outros o controle desta produção, aos
quais caberia fixar preços e rotas de comércio.
De um em um escutou e
decidiu diante da capacidade. Alguns destinados à elaboração das leis; outros à
defesa do país; outros à propagação da palavra de Deus para consolar os aflitos
e perdoar-lhes os erros e pecados, sem elevar qualquer preconceito a quem
pensasse diferente ou tivesse outras crenças.
Escasseavam-se os da praça.
Restaram uns que formavam um punhado. Determinou que se achegassem. Perguntou-lhes
o que haviam feito, o que apresentavam como referência.
– Senhor – disse-lhe o
primeiro – estive preso por haver estuprado uma vizinha e amiga.
O segundo não discrepou:
– E eu, Senhor, por haver
matado para roubar de um pobre velho o que guardava para cuidar dos filhos que
cresciam.
Um terceiro pontuou categórico:
– De minha parte, Senhor,
mentia e trapaceava, vendia o que não possuía...
Escutou-os com atenção
redobrada. Disse-lhes então o enviado:
– Do que fizestes somente
posso oferecer uma empreita posta em prática na terra de onde venho e que se
tornou próspera. Considerai-vos doravante arrependidos e crentes, exemplos a
serem seguidos, porque salvos pela vontade do Senhor Altíssimo. Proclamareis essa
confissão em praça pública, estradas e rincões do país, e hão de fundar novas
igrejas porque grande é o poder do arrependimento e convencerás e o
demonstrarás aos que o pretendam. Nunca afirmem – muito menos insinuem aos
pobres – que a pobreza é um fenômeno político, não natural, tampouco resultante
da escassez adredemente elaborada para beneficiar uma parcela daquela que será
classe dominante nesta terra. Afirmem, aos gritos – se necessário – que a
pobreza é a falta de fé. Nada mais que isso!
– Senhor, e se houver
recusa em conquistar fiéis?
– Como por lá ocorre, digo-vos pela
experiência, anunciarás – com força e determinação – o desprezo a todos os bens
materiais dos que acreditam em Deus como caminho de melhoria de vida. Apelem
para a fé de que quanto mais derem mais receberão. De que 90, 80, 70, 60, 50 com Deus é mais
que 100, e assim por diante. Importante e imperativo que se desfaçam todos do
pouco para que muito venham a ter conforme a fé se aprofunde.
– Senhor, e quando não
conseguirem?
– Quando assim os buscarem
digam – como dizem os de lá – que a fé ainda não foi suficiente, claudica. Mas
que há de ser perseguida e, a qualquer instante, será premiado o esforço
dispendido.
E prosseguiu, eufórico:
– Sereis tão fortes que,
em pouco tempo, conseguireis controlar não só os fiéis, também os poderes, pois
não tardarão a eleger número suficiente de dirigentes e, além de submeterem os
governantes que não sejam de vossas hostes – que serão os naturais inimigos do
povo de Deus e adeptos de Satanás que precisam ser enfrentados – mesmo
controlarão a edição de leis em todos os níveis e estarão no lugar dos anciãos
que se forem, julgando tudo que lhes chegue conforme seus próprios interesses e
exclusivas convicções, inclusive conquistarão do Estado benesses várias, até em
ouro. Alguns de vocês mentirão e levantarão inverdades – tudo em nome do que
pregam – para mais e mais garantirem espaço. Afirmarão possuídos pelo Tinhoso os
que não pensem conforme a pregação.
Concluído seu trabalho
anunciou despedida para o dia seguinte.
Todos se dirigiram à praça
e o reverenciaram. Curvou-se em agradecimento, solenemente levantou a mão para
o adeus desejando felicidade.
Viram-no partir sereno
como chegara.
Só não viram que, assim que o esfumaçamento e a distância não permitiam percebê-lo, ria... ria... ria... ria... e não tardou gargalhar profusamente, tamanha a euforia com a missão cumprida.
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