Lima Barreto (1881-1922) ironizava a burguesia da época definindo-a como “essa gente de Petrópolis” (Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá), próceres de “nossa estúpida mania de aristocracia”. Natural à análise de Lima Barreto a permanente sublimação dos que folhearam livros para ver as figuras – na infância – ou para o decoreba – para a prova ou concursos.
Mais se acentua tal limitação, contemporaneamente, com o advento da tecnologia: se o livro fora ferramenta absoluta em tempos idos o copiar/colar e o fotocopiar as páginas que interessam ao ‘estudo’ são a realidade presente, o que nos leva – os que cultivamos a leitura como fonte e caminho para o conhecimento – a permanente estado de decepção.
Em Lima a percepção – a partir de sua observação
concreta no seio da então capital da República recentemente proclamada – do que
virá a ser definido (ultrapassada a interpretação político-econômico, como
substrato da classe média ainda no século XVIII, teorizado
dentro do materialismo histórico no século seguinte) como ‘pequeno burguês’: aquele que aspira e anseia, pondo em prática o que não tem como corresponder. É
clássico exemplo de quem se espelha na alta sociedade, imita-a, se endivida
para fazê-lo, arrasta a barriga no chão para ‘parecer’ o que não é. Copiar e
validar – sem dispor dos meios necessários – é o modus vivendi deste ensaio de burguesia como objetivo vivencial.
A expressão pequeno burguês adquiriu, com o
tempo, o conceito de adjetivação pejorativa, mais simplesmente como imitação
e vivência do que seu extrato sócio-econômico não permite. Avançada para ser
vista naquele dotado de uma visão rasteira, acanhada, mesquinha e
preconceituosa, que para ser traduzida como reacionária é apenas conclusão.
Não nos furtamos a valorizar a visão de Eça de
Queiroz, sob o heterônimo de Fradique Mendes, em carta a Eduardo Prado, posto
em nosso Amendoeiras de Outono (Via Litterarum), quando o personagem que o cita
leva à comparação o permeado no país entre o século XIX e início do XX e a fase
atual:
“... em vez de
terem escolhido esta existência que daria ao Brasil uma civilização sua,
própria, genuína, de admirável solidez e beleza – que fizeram os brasileiros?
Apenas as naus do senhor D. João VI se tinham sumido nas névoas atlânticas, os
brasileiros, senhores do Brasil, abandonaram os campos, correram a apinhar-se
nas cidades e romperam a copiar tumultuariamente a nossa civilização européia,
no que ela tinha de mais vistoso e copiável”.
Eça condena o país por ficar apinhado de
instituições alheias, “quase contrárias a
sua índole e ao seu destino”. E leciona o ainda inalcançado, apenas tentado
recentemente: “No dia ditoso em que o Brasil, por um esforço heróico, se
decidir a ser brasileiro, a ser do novo-mundo – haverá uma grande nação.
(...) pode contar com um soberbo futuro histórico, desde que se convença que
mais vale ser um lavrador original do que um doutor mal traduzido do francês”.
O instante vivido pelo país, a partir de parcela
de sua gente, não permite outra visão se não a de Lima Barreto há 100 anos e a
de Eça de Queiroz – mais vivo que nunca – que substituiria ‘francês” por
‘estadunidense’, Paris e Londres por Miami e Disneylandia.
Permanecem os mesmos vícios culturais, as mesmas
idiossincrasias e preconceitos a nortear a “gente de Petrópolis” ou a pequeno
burguesia contemporânea.
Não se lhes exija que mantenham consigo mesmos o
instante de conversar com suas consciências. Neles está o muito próximo do percebido
por Hannah Arendt em Adolf Eichman (Eichman em Jerusalém) durante o julgamento
deste: a total ausência de consciência, existente aquele como espantalho
orgulhoso do que realizara ‘cumprindo ordens’. Nele não havia perversidade,
apenas a desumanidade.
Não se exija de qualquer destes arvorados a
discutir as mazelas brasileiras que o façam a partir da informação/leitura nos
compêndios de Sociologia, de Geografia, de Filosofia, de Ciência Política, de História.
Muito menos superficial leitura de “As Origens do Totalitarismo”, de Hannah
Arendt.
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