Anticredo
Há um
credo nos que oram governam (ou pensam que) o país: são os ‘abençoados’ e ‘ungidos’ que Deus
destinou a salvar a pátria amada dos incréus.
O texto de Cerqueira Leite veiculado no Conversa Afiada bem
demonstra quão incréus somos nós outros.
Credo I
Ao tempo em que as cinzas de Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e
de Montesquieu (1689-1755) são
sacudidas no túmulo em que sepultado, na L'eglise Saint-Sulpice, em Paris, pela tormenta que atinge os pilares e fundamentos do seu clássico (O Espírito das Leis) nesta terra
brasilis eis que o presidente deste STF humilhado passa a concordar com a
humilhação e aplaude e se curva a quem o humilha.
Não se trata apenas de deslealdade para com o cargo
e o compromisso ao qual jurou (defender a Constituição) mas de imoralidade, de
indecência.
O
absurdo institucional pode ser bem ilustrado a partir da observação de Eugênio Aragão:
“O atual governo é chefiado por um cidadão
que ganhou as eleições presidenciais na base da mentira, da agressão e da
recusa de debater. Seus correligionários promoveram, ao longo de sua campanha,
ataques virulentos ao Tribunal Superior Eleitoral, sua presidente e seus
ministros. Colocaram sob suspeita a imparcialidade da Corte e sua capacidade de
organizar um pleito sem fraudes. Depois, empossado Jair Bolsonaro, meteram-se –
inclusive a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann – a pedir
o fechamento do STF, a exigir o impedimento de seu presidente e, dentre outros,
do ministro Gilmar Mendes. Acusaram-nos de corrupção, sem qualquer prova
robusta e vilipendiaram a reputação do judiciário.”
Certamente
“Esses tempos de pós-verdade são
estranhos demais para alguém como eu, que tem orgulho de ter valores claros
como a justiça, a lealdade, a decência e a fidelidade à Constituição e ao
Estado Democrático de Direito que esta fundamenta.”
Credo II
E aqui
ficamos – porque a utopia nunca morre – com o ‘credo’ do mesmo Eugênio Aragão:
“Não há
‘papelão’ de magistrados que nos fará perder a fé nessa luta. E, como
acreditamos no ser humano, acreditamos, também, que magistrados, que todos
respeitamos e defendemos no seu papel constitucional, saberão pôr a mão na
consciência e mudar de atitude. Para o bem do Brasil e de todas e todos nós!”
Mingau
de café
O
governador da Bahia, Rui Costa, em entrevista concedida ao jornalista e
escritor Fernando Morais, para o Nocaute (ou Conversa Afiada), relatando suas origens
de menino pobre, lembrou do pirão de café como saída que a mãe encontrava para
amainar a fome dos filhos: “[...] um alimento muito consumido por famílias pobres,
que é basicamente misturar o café com farinha.”
A nós,
pessoalmente, tocou-nos sobremodo a confissão. Afinal, também menino de família
remediada, nos vimos em mais de uma oportunidade agraciado (ao lado das irmãs) por
aquele manjar.
O nosso, no entanto, o era na forma de mingau, de tão ralo, para
economizar a farinha de mandioca, também escassa em razão dos parcos e escassos
recursos financeiros.
Hoje, na
condição de professor universitário, sem qualquer reposição salarial há quatro
anos e vendo o minguado vencimento raspado na beirada por aumento no desconto
para a previdência estadual, estamos sem perceber remuneração dos meses de
abril e maio em razão da greve deflagrada pela categoria para provocar conversa
que nunca chega.
Não
queremos entrar em detalhes outros, utilizados como argumento pelo governo
estadual, tais como limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal etc.
etc. Mesmo porque a pressão de delegados, escrivães, policiais em outro
instante encontraram eco e mesmo o Tribunal de Contas já foi consultado e anuiu
à pretensão do governo na oportunidade.
Nem mesmo entraremos no lugar comum de
que o governo poderia bem nos acalentar, com um argumento sensível: a redução
dos gastos com publicidade de caráter propagandístico.
Mas, ao
que parece, o PT no governo do estado começa a dar sinais de padecer de um dos
males que acometeu o PT no governo federal: a ideia da eternidade do poder,
imaginando-se reconhecido simplesmente pelo que faz materialmente. Pode estar
abrindo caminho para um aventureiro que passe a dizer que “não concorda com
nada do que aí está” e a eternidade
dar com os burros n’água. Porque vingança de eleitor é guardada no freezer.
Deixando
de lado este ponto crucial voltamos ao pirão, ou seja, ao mingau.
A coisa (suspensão de pagamento dos vencimentos condicionada ao retorno ao trabalho que nos faz lembrar de nada saudosa postura de ACM),
levada ao divã, pelo andar da carruagem, nos remeteu a interpretar a postura do
governador com os professores das universidades estaduais de certa forma
sublimativa: Sua Excelência, que em tempos difíceis, se alimentou com pirão de café quer
levar a categoria ao mingau de café, porque os recursos financeiros (ora
suspensos) não dão para ‘farinha de caixão’ (como se dizia antigamente da
farinha de qualidade inferior) que dizer para farinha de Buerarema de ‘seu’ Betinho, no
Bairro de Fátima!
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Para não cansar o leitor deixamos para a PRÓXIMA SEMANA:
O que tem a ver a pactuação do presidente do STF com Etienne
La Boétie
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