Abre-se o
tema com a assustadora análise de estudo, titulado de “O impacto global da Covid-19 e as estratégias de mitigação e
supressão”, do grupo de Resposta à Covid-19 do Imperial College, de Londres, particularizando
o Brasil: prevê em 1.152.283 o
número de mortes no país, caso medidas de contenção não sejam tomadas, que
podem despencar para 44 mil brasileiros mortos com as medidas mais radicais e
precoces. Aqui nos louvamos em veiculação no Conversa Afiada.
Em meio a tão catastrófica realidade – que assusta o planeta –
exigindo tomada de posições drásticas mundo afora, por este país dividem-se
opiniões. Havendo quem esteja virtualmente contra qualquer delas porque o ‘mito’
de seus sonhares e quereres assim o expressa. Ou seja: entre salvar vidas como
sugerido pela Ciência Médica e assegurar veiculação de pessoas (que propagarão
o mal, multiplicando-o quase geometricamente) sob o raciocínio de que a economia
‘não pode parar’ sacrifique-se o primeiro.
Nem entremos no vazio idiota de quem fala em economia (que é
de marcado, de consumo) reduzindo consumidores. Tampouco de que, em momentos de
crise, é dever do Estado custear e prover a sobrevivência porque – como costumamos
dizer – ao Estado não cabe servir ‘o’ homem, mas ‘ao’ homem.
Todo o posto como introito visa buscar compreender a razão
por que o comando da nação se encontrar sob as rédeas de quem demonstra, à
sobeja, desconhecer o minimo minimorum
(o mínimo do mínimo, o menor dos menores) do que seja administrar o cotidiano,
muito menos crises.
Claro que não cobramos – até porque nunca o fizemos – por estar
ocupando o posto maior do país quem nunca ofereceu qualquer exemplo de que
dominasse a seara pública. Sua história e testemunho nunca enganaram ninguém.
Não pode ele, o inquilino do Alvorada, ser cobrado porque – repetimos – nunca enganou
ninguém.
Mas o questionamento que fazemos neste espaço passa, sempre,
por entender as razões por que o inquilino atingiu o ápice. Um fato que se
expressa, em suas raízes, presente e remotamente.
Sempre intrigou
este escriba de província um fato concreto: por que as classes sociais menos
favorecidas, beneficiadas diretamente com as políticas públicas encetadas por
governos petistas, que melhoraram de vida efetivamente, não responderam em
votação ao que lhes beneficiara? Ou seja: por que não reconhecidas as ações
concretas de governos progressistas, com programas pautados na redução das
desigualdades e distribuição de riqueza?
Aplique-se
tal raciocínio às administrações do PT em nível municipal, estadual e nacional.
Ainda que
alertado por observações preciosas, como a de Mujica, de que a esquerda estava
cuidando de formar consumidores e não cidadãos, ainda não encontrávamos a
resposta, que somente transitava pelo viés moral (presunção ou mesmo certo
preconceito) do eleitor mal agradecido.
Não deixamos
de cobrar do PT/governo o afastamento das bases, por acreditar piamente (assim
pensávamos) de que seria compreendido em razão do reconhecimento “espontâneo”
às ações que realizava. Cobramos por tal postura ‘vaidosa’. Cremos que,
sob este particular aspecto, nos enganamos porque não apenas essa circunstância hoje alimenta o observador.
A resposta extraímos
em texto de Bruno Reikdal Lima, no GGN. Transitando por Weber diz o
articulista, com palavras irrefutáveis, que aquele “consumidor” formado pela
esquerda reconhecia o seu avanço como dádiva de Deus. O emprego gerado, a
distribuição de renda, o ganho real para o salário mínimo, o investimento
público em obras de infraestrutura etc. não se originavam – para ele – das políticas
de Estado postas em uso por um governo como nunca outro o fizera.
Ou seja, a
ação humana, concretamente definida por políticas estatais através de governos
progressistas, não se insere no imaginário pelo prisma externo (quem fez o que
fez) mas por via de alienação eminentemente subjetiva e individual: EU, por
bondade e graças de Deus, conquistei pelos meus méritos... etc. etc. etc.
Enquanto as
políticas distribuíam renda e riqueza viam tais camadas na ação de Deus a sua
vitória como reconhecimento de dedicação ao culto.
Assim,
parcela significativa dos beneficiados por programas governamentais oriundos de
governos petistas (em todos os níveis, federais, estaduais e municipais) viram
sua melhora de vida atribuída ao pregador/pastor que lhe tomava parte da renda
obtida para garantir mais de Deus. E assim, o governo dava e o igreja tirava a
parte de ‘deus’ e o dizimista se via agradecido tão somente a Deus, não a quem
– em nome d’Ele – aqui agia.
Mas, outro
fenômeno há de ser observado. E vinculado ao processo de construção
cívico-cultural do cadinho histórico-sociológico desta terra brasilis. Fato assemelhadamente ponderado/observado por
Eduardo Galeano (As veias abertas da América latina) e Manoel Bonfim
(1868-1932) (“América Latina, males de origem”, “O Brasil na América” e “O
Brasil Nação”) Para tanto nos apoiamos, relendo-o recentemente, em Darcy
Ribeiro:
O
espantoso é que os brasileiros, orgulhosos de sua tão proclamada, como falsa,
"democracia racial", raramente percebem os profundos abismos que aqui
separam os estratos sociais. O mais grave é que esse abismo não conduz a
conflitos tendentes a transpô‐lo, porque se cristalizam num modus vivendi que
aparta os ricos dos pobres, como se fossem castas e guetos. Os privilegiados
simplesmente se isolam numa barreira de indiferença para com a sina dos pobres,
cuja miséria repugnante procuram ignorar ou ocultar numa espécie de miopia
social, que perpetua a alternidade. [...]
[...] O povo-massa, sofrido e perplexo, vê a ordem social
como um sistema sagrado que privilegia uma minoria contemplada por Deus, à qual
tudo é consentido e concedido. Inclusive o dom de serem, às vezes, dadivosos,
mas sempre frios e perversos e, invariavelmente, imprevisíveis.” (O Povo
Brasileiro – a formação e o sentido do Brasil, Companhia das Letras, 2ª edição,
2005, p. 24).
Compreendemos, caro leitor, que o tema exige um ensaio e que
o espaço aqui não o permite. Mas não custa semear para tentar compreender a
razão por que de tanta estupidez, de tanta divisão, de tanta indiferença para
com os desassistidos.
Já nos bastamos em vislumbrar os caminhos originários e
convergentes. Ontem e hoje.
É para refletir: as esquerdas formaram consumidores, e não cidadãos.
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