domingo, 22 de março de 2020

Dante: – Presente!


Eis que este escriba de província se vê diante de uma escolinha chamada Terra onde o espaço-tempo não existe, aula em andamento. Quando da chamada um aluno há muito despercebido responde “Presente”. Todos se voltam para o ‘estranho’ tanto que não mais dele se lembravam. Mas, ao saberem quem era reverenciaram-no. Afinal, ali estava quem escrevera um dia sobre o Inferno, pondo um prólogo estarrecedor: “Deixai fora a Esperança, Ó vós, que entrais”. Redigira seus versos pelos idos de 1304 e 1321 d.C., ele que viveu entre 1261 e 1321.

Vão-se sete séculos de seu existir. A se repetir.

Sua terra natal padece de nova tragédia e não terá um outro conterrâneo, Giovanni Bocaccio (1313-1375), para reverenciá-lo, tampouco escrever sobre tema tão atual quando tomou a peste como motivo para o seu Decameron.

Também não disporá de Luchino Visconti (1906-9176) para levá-lo à tela inspirado em Thomas Mann, como o fez em “Morte em Veneza”.

Mas, eis que a terra da loba que amamentou Rômulo e Remo alcança seara inimaginável nesta contemporaneidade que denominam de Civilização: diante do estágio crítico – e da impossibilidade material de atendimento – sacrificará no altar da estupidez humana os idosos acima de 80 anos.

Estúpida humanidade, que concentrou na mão de meia dúzia a riqueza que faria melhor bem ao Homem se distribuída o fosse e parcela aplicada, ainda que mínima, muito evitaria de tragicidade cotidiana em que vive, porque se houvessem recursos públicos, ou mesmo particulares, investidos em prevenção e tratamento o quadro seria bem menos grave.

Eis caro leitor que a Itália – nação próspera, berço do Renascimento, pátria da Civilização Ocidental ensaia um novo ‘círculo’ para o Inferno, o décimo, que pode ser chamado de “o retorno à barbárie plena”. O Nono, acolhe os traidores, até que o ultrapassemos, como o fazemos neste instante, para o encontro com a barbárie plena.

Vislumbrava Dante a existência do Paraíso (o seu) – como o vê quando, ao lado de Virgílio,  ultrapassando o Nono Circulo – a partir do túnel onde refletidas as quatro estrelas do Cruzeiro do Sul, razão por que os intérpretes o têm ao Sul do Equador.  

Outro eis, caro leitor: cá estamos, ao Sul do Equador.

E não somos a Itália, não dispomos de Dante Alighieri, de Giovanni Bocaccio, de Luchino Visconti.

Na Itália programam deixar morrer os idosos acima de 80. Aqui, não necessários os octogenários, nonagenários etc., porque os pobres e desvalidos de sempre estão dispensados de qualquer programação. Apenas engrossarão as covas rasas dos cemitérios, longe das estatísticas oficiais.

Porque por aqui não há necessidade de medidas oficiais que ampliem o obituário. Não nos faltam peças (in)significantes da classe dominante para – mesmo sabendo estar portador do Covid-19 colocar seus amigos de São Paulo no mesmo jatinho e vir infectar a gente humilde de Trancoso, em Porto Seguro.

A pandemia que assusta o planeta corre por estas plagas montada no alazão chamado “perversidade”, orientado por ginete chamado “incompetente”.

E não falta quem a assista e apenas aplauda com suas atitudes, porque todos iguais, deles unha-e-carne, lé-com-cré – como diria vó Tormeza.

Enquanto isso, depois de terem negado atracação nos vários portos do Caribe, aquela ilha de comunistas e comedores de freiras e de criancinhas acolheu o transatlântico inglês com passageiros acometidos de coronavírus que nenhum outro porto aceitou.

Na ilha a solidariedade como exemplo. Por aqui – não duvide o leitor – não falta quem queira se aproveitar da tragédia para levar vantagem. Não aqueles que estocam álcool para revende-lo a preços exorbitantes; mas os que dispõem de outros tipos de estoques como do autoritarismo respaldado em figuras de caserna.

Para eles, afinal, Congresso, Judiciário, Democracia e quejandos civilizatórios tais são embaraço para quem deseja o bem da Nação e ‘deseja’ curar o povo, mas só o fará se dispuser de controle absoluto do  poder, ainda que venha a ser alcançado através de golpes. Única solução para concluir a “missão” – dirão. Que bem pode começar com inusitado ‘estado de sítio’.

Como nada mais faltasse inovam: criam enfrentamento desnecessário e estúpido com a China para agradar o “grande parceiro” do Norte, sem medir as consequências, como bem analisa Nassif.

E, em plena pandemia do coronavírus, o governo federal (com minúscula, revisor!) cancelará contratos de médicos do Programa Mais Médicos até abril vindouro, como denuncia o DCM. ‘Só acredito porque estou vendo – diria, se em vez de maracanãs da vida fora Coliseus, aquele narrador da Fox.

Como nunca leram Dante Alighieri desconhecem o que lhes aguarda no Nono Círculo.


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