Um punhado
de beneficiados – interna e externamente – sustenta o inquilino do Alvorada. Em
nível interno aquela histórica classe dominante, dona do poder (para lembrar Raymundo
Faoro), meritocrática e patrimonialista; em nível externo, os de sempre, destinatários das riquezas aqui
existentes e produzidas, bajulados por aqueles que os têm como o espelho em que
se miram Narcisos tantos desta deslumbrada terra
brasilis.
E a terrinha
vive os instantes de picadeiro, enquanto aguarda o 'drama' no final da função,
como ansiado nos velhos circos de província. Sob o grotesco tudo se mantém sob a falácia de
que há dirigente eleito democraticamente(?).
Porque – quando interessa – a Democracia é o
discurso barato, como aquele perfume meia-hora encontrado nas feiras-livres de
antanho: cheira maravilhosamente por meia hora, mas – ainda que de curto existir – enquanto
produz fragrância atende e impressiona. No caso tupiniquim, o meia-hora se
repete indefinidamente sustentado na eleição democrática. Até opositores
afirmam o respeito à sua eleição, Lula encabeçando-o.
Mas nesta terra brasilis ninguém melhor que o
inquilino para atender aos interesses. Enquanto o mambembe se faz presente
algumas castas (presentes em meio a militares de alto coturno, ministros,
desembargadores e juízes, promotores, procuradores, políticos) vão nadando a
braçadas largas sem ouvir um mísero reclamo.
Imaginar que
haja algum respeito ao inquilino como presidente – além dos que são por ele
vinculados com paixão inaudita – alimenta a insanidade e a total alienação, por cumprir o singular papel de antipetista, anticomunista e quejandos tais
mais e mais aplaudido pelos mesmos.
Como governante não passa de um traste a ser lançado às traças na hora oportuna.
Mas, no fundo, reflete esta parcela singular (e considerável) da sociedade
pátria.
Via Michel
Foucault uma espécie de perversidade na governança como se racionalidade
política o fosse, na intensificação do grotesco, a ponto de adjetivar como
ubuesco (referência à personagem Ubu Rei, peça de Alfred Jarry) tal
comportamento social norteando instituições do Estado. Neste viés, a
truculência cômica mascarando absurdos leva ao riso, o riso como auto-instrumento
de sujeição.
Em “Os Anormais” (contexto de aulas no Collège de France entre
1974-1975) Foucault desenvolve a tese do ‘poder ubuesco’ como aquele amparado
em três propriedades: o poder de vida e de morte, o poder de verdade e o poder
de fazer rir. Na esteira, a desqualificação de quem o produz maximiza efeitos do poder. Reflete, assim, uma profunda análise das instituições e valores que as norteiam, levadas por ele ao divã.
O grotesco –
assim o via Foucault – instrumentaliza a soberania arbitrária. Ubu, sintetizando o opressor bufão, está à solta encantando e fazendo rir.
Não custa
ilustrar que Ubu Rei se inspira em Macbeth. Em Shakespeare, o poder em seu aspecto
trágico; em Jarry, na vertente do ridículo e do grotesco.
Mas,
voltando ao governante nosso de cada dia, o inquilino do Alvorada tem o mérito
de ter trazido a público, de forma escancarada como nunca antes, verdade
factual escondida nos armários daquela parcela de brasileiros que nunca
imaginamos existir.
O país
afunda. Mas rimos a não mais conter. O trágico do tombo nos faz rir e nos
sentimos felizes. O palhaço mente escabrosamente, mas rimos, rimos...
Mas, caro
leitor, há o grotesco e a perversidade também em quem julga ao arrepio do
Direito, ao sabor de conveniências ou a elas submetido pela covardia.
Neste
particular não ocorre o riso solto e desbragado oriundo do picadeiro circense,
mas em outro palco, de onde fica somente o choro contido dos que não têm força
para reagir, como na criança que apanha do adulto e sabe na pele a dor da impotência.
E neste
outro picadeiro eis que o próprio confirma o que todos sabiam: o STF negou
recursos da ex-presidente Dilma Rousseff em sua pretensão de anular o
impeachment. Confirma o que já dissera Sérgio Machado no antológico diálogo com
Michel Temer quando ensaiando o golpe: tirar a presidente “com Supremo, com
tudo”.
Aquela
singular e inaudita interpretação – à época – do ministro Barroso de que a forma
prevalecia, no caso, sobre o fundo acaba de ser materializada e assim lança às
calendas os mais comezinhos princípios de direito como instrumento de persecução
da Verdade e de Justiça. Ou seja, para Sua Excelência à época e a maioria que o legitima neste instante ainda que não estivesse configurada a
existência de crime de responsabilidade (fato confirmado, inclusive por análise
do departamento jurídico do Senado e do TCU) bastava que o procedimento
instaurado estivesse conforme as exigências do Regimento Interno.
Assim, a
tramitação tendo por objeto o não existente garante a punição como se existisse
o fosse. Em outras palavras: condene-se porque houve processo, ainda que sem
crime que justificasse sua instauração. Lindo de morrer!
Resta-nos
retomar o cinema em Fellini, enquanto as reservas são torradas pelo inquilino
do Alvorada em sua sanha trágica: E la nave va. Com classe dominante, com Supremo, com tudo o mais que nos acomete.
Ou, talvez, melhor tudo
vincular ao precursor do surrealismo Alfred Jarry em Ubu Rei (1796), porque
nossas instituições exercitam, em plenitude, o grotesco, o absurdo, o cínico, o
brutal e caricatural, reveladas como as viu Michel Foucault.
Porque não
passamos de uma caricatura do nada tornado tudo.
Isso o que verdadeiramente
assusta: a legitimação do absurdo pela omissão enquanto rimos desbragadamente.
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