Dedicamos
este dominical aos milhões de Ruy do Carmo Póvoas.
Amparamo-nos
nas decepções. Estão elas no curso das horas diárias. Em escalas distintas – às
vezes diversas – mas presentes, ferindo, incomodando como tumor latejando.
Postagem no
facebook de um respeitado mestre matura reflexões neste escriba de província:
Amigos e Amigas
Vivemos tempos
difíceis. As redes sociais se tornaram uma arena onde galopam as ideias mais
absurdas. Para além disso, pessoas que sempre se estimaram, se consideraram, de
repente se descobrem tão antagônicos que os pilares da amizade ficam
estremecidos.
A essa altura da
minha vida, perder ou dilacerar uma amizade será impossível recuperar, tendo em
vista que já estou na última idade.
Não quero me
desfazer de amizades. Conforme escreveu Jorge Amado a amizade é o sal da vida.
Assim, por
estratégia, vou me ausentar por um tempo das redes sociais, a partir justamente
deste momento.
Confesso que
sentirei falta dos dizeres de muitos e muitas de vocês. Mas na ordem natural
das coisas, e na vida dos humanos, tudo tem um tempo adequado para acontecer.
Grande abraço, e
até mais.
Ruy Póvoas
Eis o que
vivemos: tempos difíceis, tempos muito difíceis. Que levam a lucidez à renúncia
da comunicação social para que não perca amizades.
É o que expressa o professor
Ruy do Carmo Póvoas, reverenciado e referenciado pesquisador da cultura afro,
poeta e escritor de mancheia.
Eis a
revelação do ponto a que chegamos. De tempos nebulosos expressados por mentes
vazias.
Muito triste
descobrirmos que aquele tão próximo a nós, respeitado, considerado parceiro,
amigo de prosa e bate-papo não mais nos reconhece ou nos respeita quando
defendemos nosso ponto de vista, porque não admite conviver com a diversidade.
Muito triste
descobrirmos que tantos que imaginávamos integrantes da Humanidade trabalham
contra ela.
Muito triste
evitar para não ampliar novos reconhecimentos centrados na estupidez mais
estúpida.
Muito triste
descobrir que ausentar-se se torna única saída para evitar desfazimento de
amizades.
Muito triste
– muito triste, mesmo – saber que tais personas estão por aí disseminando ódio
e inimizade sem justificativa alguma, defendendo uma “supremacia” em nada
fundada, a não ser na exclusão pura e simples do outro que não pense o que e como pensa.
Não
bastasse, em meio a tantas decepções nos descobrimos diante de duas sílabas de
palavras chamadas ao palco: MI-LI. Em uma, para militares; em outra, para milícias; uma, protegida pela lei; outra, sobraçando a marginalidade.
A primeira,
corporação à qual incumbe a defesa da soberania e das
instituições republicanas (estatuídas na Constituição).
A segunda,
inserida inclusive no imaginário de parte daquela e levada à termo por quem
deveria ser a ela contrário, passou a ocupar espaço nas redes digitais
difundindo o ódio ao outro que não comungue com seu ‘pensamento único’ (ferindo
a Constituição). Que se veste de camisas e tochas e se arma para eternizar-se e
ocupar o Estado criando um ‘estado’ dentro do país (prenhe de bolsões de
alienígenas deserdados), marchando como Ku Klux Klan, ferindo de morte uma
democracia em estertores. Que encontra mentor em quem não deveria sê-lo por
dever de ofício/função. Estarrecendo homens dignos como o professor Ruy do Carmo
Póvoas.
Eis o país
em que vivemos. Que nem mais imagem tem no exterior e vê o chefe da nação como
moleque de recado de outra nação, encantado como ninja e a declarar publicamente
seu amor por quem a dirige, que tornou esta terra
brasilis no país em conflito, jogando com vocábulos que começam com as
mesmas duas sílabas para ver o que acontece.
Enquanto a
humilhação ocupa o vértice de uma pirâmide construída sobre os restos de um
país que até recentemente sentava ao lado dos grandes da terra e hoje é motivo
de escárnio, tudo – até aqui – caminha sob o
silêncio dos que têm a lucidez como bússola.
Silêncio atropelado nas redes
sociais que se tornaram arena para galope de ideias absurdas, criando entre
pessoas que sempre se estimaram e se consideraram um antagonismo digno do Coliseu, onde
lançados às feras e aos gladiadores os pilares da amizade e da fraternidade.
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