Antes de segunda-feira redigíamos
Os que estamos vivendo o instante histórico – para uns, singular; para outros, estranho – discutimos a realidade a partir do quanto dominamos em nível de informação.
Sob esse jaez – afastados os que
pensam que pensam e reproduzem aleivosias – temos observado o país tão somente sob
um plano de organização sócio-política a partir do fim da ditadura sem atentarmos
para todos os componentes que constituem o Estado nacional. Dito esse (nacional)
sob a compreensão do Estado Democrático estatuído na Constituição da República,
onde as instituições que o configuram estão formalmente delimitadas sob a égide
da tripartição dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), cada um a ser
exercido sob regime de freios e contrapesos dentro da salutar concepção de
Montesquieu. Ou seja, cada poder em si limitado ao exercício de funções que lhe
são próprias: administrar, legislar, julgar; nenhum exercendo o que não lhe
seja próprio (ainda que intervenções ocorram quando, por exemplo, o Judiciário
se arvora de legislador ou de executor etc., naquilo que a melhor doutrina denomina de
judicialização).
O presente introito vem a lume a partir de leitura
do quanto expressado pelo inquilino do Alvorada, em recado fácil de ser compreendido, de que não tolerará atos
oriundos do Poder Judiciário (STF) que intervenham no Poder Executivo, em
relação ao qual se vê ‘complacente demais’. (Conversa Afiada)
De imediato cumpre interpretar o que parece ser o
Poder Executivo para o inquilino: ele, tão somente ele, intocável e
inalcançável, onde onipresença e onisciência asseguram a onipotência.
O fio da meada que move o articulista, cabe
registrar, não está adstrito ao fato em si que teria justificado o dito pelo
inquilino, mas a remota consciência em torno do quanto diz: ou seja, não está a
fala vinculada a esta ou aquela decisão questionada pelo governante, mas no
conteúdo ali expresso.
A mais primitiva e primária das interpretações em
torno de uma decisão judicial sabe-o o mais bronco dos homens: goste-se ou não
deve ser cumprida. Isso para que não sucumba o Estado-Poder-Força-Coação
contida na figura de um magistrado, que é a de falar pelo Estado quando dirime
conflitos de interesse.
Na esteira da realidade recente muito se passou a falar em torno de um ‘poder moderador’
na República a ser exercido pelas Forças Armadas. Logicamente – nas circunstâncias
atuais – uma expressão que pode ser traduzida numa palavra curta e grossa:
golpe. Ou seja, caberia às Forças Armadas cuidar daquilo que não lhe cabe:
administrar o Estado brasileiro em dimensão plena, intervindo no Executivo, Legislativo e Judiciário, como sabemos ocorrer a partir dos exemplos registrados
na história recente, aqui e alhures.
Falar como voz das Forças Armadas tem sido a
tentativa do inquilino do Alvorada de fazer-se seu porta-voz, ainda que delas o
seja comandante em chefe (e o é constitucionalmente). A indagação decorrente,
no entanto, é se o que diz e o que proclama/pretende traduz o que os militares da ativa
pensam. E mais: se o seu projeto bonapartista lá encontra apoio.
Na esteira de seu projeto, imagina-o o inquilino do
Alvorada (como apoio até em um seu admirador que se diz jurista/intérprete da
CF para assegurar-lhe força doutrinária), que as Forças Armadas sejam o efetivo
poder moderador nesta república e que ponham a tropa na rua para assegurar-lhe
poderes ilimitados para exercitar as políticas que pretende.
As implicações são várias, começando pelo entendimento de que a caserna não reconhece o estado nacional em que a sociedade seja destinatária das ações governamentais, fácil de observar a partir de análise de Luís Nassif sustentada em obra do baiano Manoel Domingos Neto (Sobre o patriotismo castrense), no GGN, quanto à sua formação/constituição histórica.
Em outras palavras: teriam elas dificuldade em
entender o estado nacional sob a égide da distinção entre “interesse social” e “interesse
nacional”. Sob aquele, o povo é sua razão de ser e destinatário das ações
estatais, e não um ser distinto onde se torna apenas elemento de definição
(povo, território etc.) e que a pátria é parte abstrata do conjunto não o
concreto, visto que nela estão sedimentados os valores que hão de nortear a
existência de um país, nunca o país/povo em si, mas neste repercutir.
A caserna clássica diz respeito às três armas
(Exército, Marinha e Aeronáutica). Do domínio desta em nível de poder temos
sobejos conhecimentos e algumas tristes lembranças quando se entendeu distinta
de sua função institucional.
O inquilino do Alvorada deseja ardentemente que o “interesse
nacional” sob a ótica castrense se sobreponha ao “interesse social” que lhe
cabe promover (e não consegue). Razão por que de seu discurso de ‘comandante em
chefe das forças armadas’ para, através delas, tornar-se o governante
absolutista que sempre almejou. E vai além: incentiva, não tão às escuras, o
uso de forças várias (privadas e policiais) para garantia do projeto.
Mas, aqui especulamos, no caso de não trilharem pelo discurso do inquilino: no curso de atuação das
Forças Armadas intervindo desconhecemos a tomada do poder estadual por cabos e
sargentos de polícias militares, muito menos de ocuparem o estado federal e subsumirem
ao seu comando as três armas da República.
Assim, fica no ar se as ameaças de golpe nas
instituições republicanas são efetivamente a ‘vontade’ dos chefes militares da
ativa e ou a vontade/esperança do inquilino do Alvorada de que o exercitem aquelas.
Isso porque, sabe-se à sorrelfa, os militares que o cercam não mais têm voz de
comando sobre a tropa.
No entanto, das insistentes declarações do
inquilino do Alvorada depreende-se a vocação de manter-se no poder pelo uso da
força. Com quem contaria?
Depois de segunda redigimos
(Amanhã)
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