domingo, 14 de junho de 2020

Democraticamente “arrumando as coisas devagar”


Registramos na coluna anterior a Semântica e sua utilização nesta contemporaneidade tupiniquim. Por que não afirmarmos que a significação de Democracia já se materializa em outra interpretação? 

“A gente vai arrumando as coisas devagar”, afirmou o inquilino do Alvorada ao sinalizar a sua futura indicação para o STF enquanto fazia críticas à Corte.

Sobejas razões tem o inquilino. Há ano e meio está ‘arrumando as coisas’ e tudo tem andado conforme o figurino projetado haja vista as aberrações que tem cometido e nada lhe acontece. Como tem elevado críticas ao STF – acovardado – uma peça que venha a colocar na sua composição pode efetivamente mudar inteiramente os rumos de interpretações da Corte caso qualquer daqueles seis volte ao terreno palmilhado (de macular suas interpretações para corresponder a interesses político-eleitorais).

“Arrumando as coisas devagar” muito brevemente o inquilino do Alvorada terá a interpretação da Constituição semantizada ao seu alvitre. Faltam curtíssimos cinco meses.

Indagará o estimado e paciente leitor o porquê de nossa observação. Nada difícil. Basta esquecermos o suplício chinês diário que ocupa os meios de comunicação de massa e partirmos para analisar a postura de quem cabia, institucionalmente, reagir e se mantém fritando bolinhos de bacalhau da Noruega (alguns regados a vinhos e lagosta como acompanhamento). No contraponto a mesma conduta, com a prosa amaciada do ‘respeito às instituições’.

É simplesmente inconcebível que todo o mundo esteja a denunciar o que se passa no Brasil e somente aqui tudo pareça normal porque as ‘instituições estão funcionando’. Funcionando como cara pálida?

Um ensaio de ativismo destituído de qualquer fundamento se expressa pelos quatro cantos do país. Nada mais que reproduzir a liderança. Como esta é vazia de tudo que tenha origem no pensar ou racionar lógico a boiada segue o boi nadador, ainda que este os esteja conduzindo para o precipício.

Uma tresloucada se exibe com armas empunhadas, se imagina perseguida política e ameaça Congresso e STF. Um outro punhado lança rojões contra uma Corte de Justiça em Brasília etc. etc. etc. etc. Outros – inclusive políticos – invadem hospitais. Qualquer amalucado está se achando 'soldado' de um exército 'salvador da pátria'.

No país pululam atos inconcebíveis de ocorrência em um Estado de Direito, sem que ocorra a repressão dos órgãos de segurança institucionais.

“Parem o Brasil que eu quero descer” – dizemos os atônitos diante do inconcebível.

O genocídio urbano avança. Seja-o sob a égide da pandemia, seja-o pelo agravamento da violência que avassala o tecido social. Como se não bastasse, atingirá em dimensão de típico extermínio os povos indígenas em áreas remotas porque sobre eles avançam grileiros, garimpeiros e mesmo ‘salvadores de almas’.

E lemos nas redes a estupefação de alguns diante de tanto descalabro. Mas, neste particular, não é tocado o cerne da questão: a razão por que de tudo estar tolerado. Insistimos em nossa “paranoia” de que tudo se ampara no imediato (local) e no mediato (externo). Ou seja: o programado lá fora para a recolonização formal do país se materializa aqui dentro pela ação dos agentes pátrios a serviço dos interesses de fora.

E o jogo que não dará em nada vai se alimentando do “fora isso”, “fora aquilo” sem internalizar nas massas as reais causas. Tudo muito bem programado para acontecer como está acontecendo, “arrumando as coisas devagar”. Ano e meio já se foi e tudo certinho como boca de bode.

E as instituições funcionando justamente em defesa disso. Porque, até que nos provem o contrário, aí estão acovardados STF e quejandos judiciários legitimando a “arrumação”. O STF, comandante mor, desde quando deixou de reconhecer decisões de tribunais internacionais a que estava obrigado, assim como negar direito líquido e certo de quem pretendia concorrer às eleições presidenciais e mesmo ao se acocorar diante de uma ameaça militar. Na esteira TSE, STJ e quejandos hierarquicamente inferiores.

Tudo aí está, de fachada e fancaria.

A democracia sob esta dimensão semântica é a que traduz o fracasso diante de seus fundamentos, porque aquela conquistada se precipitou nas calendas e os seus instrumentos institucionais – e o ordenamento jurídico-normativo dele decorrente – não foram capazes de enfrentar o assaltante quando este lhe bateu à porta: mandou-o entrar e que trouxesse as milícias todas de que dispusesse para fruir da conquista e mais o fez: armou-os todos dos meios de que carecem para o exercício do mister, inclusive financiamento com recursos públicos.

Não reagimos quando devíamos. E por ficarmos calados nos habituamos à mudez. Não sabemos até quando. E quando dizemos “não reagimos” não o fazemos em relação às parcelas da sociedade que vão às ruas e protestam, mas tão somente às instituições em que confiávamos, porque nos ensinaram a nelas acreditar.

No fundo a democracia está sendo arrumada devagar para consumar seu suicídio. Uma democracia que não mais resiste nem mesmo a espirro de general de pijama.

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