As relações do aparelho judiciário com a sociedade – sob a batuta de muitos de seus membros – tem levantado opiniões. Há demonstrações – entendem muitos – de que algo não está correto.
Razão por que todo
o que trabalha com o universo do Direito deveria incorporar a visão do juiz
Rubens Casara.
Toca na ferida do ‘processo penal espetáculo’ – fenômeno que se
agrava contemporaneamente – como uma nada velada forma de 'corrupção judicial'.
“Ao afastar direitos e garantias fundamentais em nome do bom andamento do
espetáculo, o Estado-juiz perde a superioridade ética que deveria distingui-lo
do criminoso.”
E mais:
“Não se pode
combater ilegalidades recorrendo a ilegalidades ou relativizando o princípio da
legalidade estrita; não se pode combater a corrupção a partir da corrupção do
sistema de direitos e garantias fundamentais. Punir, ao menos na democracia,
exige o respeito a limites éticos e jurídicos. No processo penal do espetáculo,
não é assim. O espetáculo aposta na exceção: as formas processuais deixam de
ser garantias dos indivíduos contra a opressão do Estado, uma vez que não devem
existir limites à ação dos mocinhos contra os bandidos. Para punir os
“bandidos” que violaram a lei, os “mocinhos” também violam a lei. Nesse quadro,
delações premiadas, que, no fundo, não passam de acordos entre “mocinhos” e
“bandidos”, violações da cadeia de custódia das provas e prisões desnecessárias
– estas, por vezes, utilizadas para obter confissões ou outras declarações ao
gosto do juiz ou do Ministério Público – tornam-se aceitáveis na lógica do
espetáculo, sempre em nome da luta do bem contra o mal. Mas, não é só. Em nome
do “desejo de audiência”, as consequências sociais e econômicas das decisões
são desconsideradas. Para agradar à audiência, informações sigilosas vazam à
imprensa, imagens são destruídas e fatos são distorcidos. Tragédias acabam
transformadas em catástrofes. No processo penal do espetáculo, as consequências
danosas à sociedade produzidas pelo processo, não raro, são piores do que as do
fato reprovável que se quer punir.”
E resume
"A espetacularização sempre leva a injustiças,
mesmo nas hipóteses em que crimes são cometidos e seus autores acabam
condenados. É da natureza da espetacularização a deformação da realidade, a
ampliação dos estereótipos, a desconsideração das formas jurídicas como
obstáculos à opressão estatal, o desrespeito aos direitos e garantias
fundamentais e a ausência de uma perspectiva crítica sobre os eventos
submetidos a julgamento."
Sobre
como deveria funcionar a Justiça:
"O Judiciário brasileiro, e não só o Supremo
Tribunal Federal, encontra-se em um momento no qual busca superar a
desconfiança da população. No Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário
assume um protagonismo inédito e, não raro, frustra as expectativas que o
cercam. Nessa busca por legitimidade, em meio ao fenômeno da “judicialização da
política”, por vezes, os juízes acabam por ceder àquilo que o jurista francês
Antonie Garapon chamou de “tentação populista”, que, a grosso modo, significa
julgar para agradar a “opinião pública”, o que guarda semelhança com o fenômeno
da espetacularização do processo. Acontece que, muitas vezes, o que se entende
por “opinião pública” não passa de interesses privados encampados pelos meios
de comunicação de massa. Assim, melhorar o funcionamento do Supremo Tribunal
Federal, bem como de todas as demais Agências Judiciais, passa necessariamente
por não ceder à tentação populista, desvelar as práticas incompatíveis com a
ideia de República e romper com a tradição autoritária que ainda hoje
condiciona a atuação dos atores jurídicos. Para tanto é necessário investir na
formação dos magistrados, na criação de uma cultura democrática e republicana.
Isso só é possível através da educação. A curto prazo, deve-se apostar em
medidas de contenção do poder. Assim, na contramão do que consta da chamada
“PEC da Bengala”, seria saudável e republicano a fixação de um mandato para o
exercício de funções jurisdicionais dos tribunais superiores. Isso não só
oxigenaria os tribunais como afastaria os riscos inerentes à perpetuação do
poder nas mãos de poucos."
Uma lição para ser levada às discussões acadêmicas. Tão omissas diante do debate existente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário