quarta-feira, 23 de outubro de 2024
domingo, 7 de abril de 2024
domingo, 31 de março de 2024
Do bom dia a cavalo à rapsódia húngara
A
sabedoria popular leciona que ‘quem fala muito acaba dando bom dia a cavalo’.
Expressão clássica de uso corriqueiro pela sapiência nordestina em torno da
qual deve muito conhecer o Presidente da República.
O
noticiário reflete o desdobramento de uma denúncia feita ainda no ano passado,
de que o ex-presidente da República não teria devolvido cerca de 161 bens
móveis que integram o acervo do Palácio do Alvorada, residência oficial do
Chefe da Nação. Não se descura que entre ditos ‘desviados’ estivessem alguns da
Granja do Torto. Bem possível.
O
alardeado pela imprensa é de que o Presidente teria falado do ‘desaparecimento’
de ditos móveis. E mais: também a primeira-dama não perdeu o mote e verbalizara
em torno do tema.
A
reflexão a que nos propomos gira em torno
do como andam os órgãos de comunicação do Governo e, particularmente, os
incumbidos de falar em nome e pelo Presidente. Isso porque não é a pessoa do
Presidente, mas a instituição “Presidência da República” que utiliza dos meios
técnico-institucionais para tal mister.
Não
enveredemos pelo lacerdismo udenista de gastos feitos para aquisição de móveis
novos; afinal, em termos de gastos o ex bate o atual disparando velocidade
astronômica, basta lembrar que até gastos para limpeza do lago de entrada do
Palácio do Alvorada que fizeram desaparecer as moedas ali acumuladas pela
tradição turística de alimentá-lo para dar sorte.
Mas,
voltando à vaca morta: ao que nos parece, nenhum deles (Presidente,
primeira-dama) respeitou as normas em torno do assunto. E, não bastasse – sem
qualquer ressalva de que algum órgão competente estaria a buscar localizar os
móveis e até aquele instante não encontrara – aproveitaram o estado de
‘cachorro morto’ do ex-presidente e participaram da sessão de socos, chutes,
pauladas e pontapés. Naturalmente tudo levado às alturas pelo noticiário;
afinal, a fonte justificava o alarde em torno do ‘escândalo’.
Mas
não é que descobriram os tais 161 móveis?
E
a divulgação não traz notícia de apuração em torno de quem veiculou a falácia
levada ao Chefe de Estado – na qual também embarcou a primeira-dama.
E
eis que refém o governo de (mais) uma futrica de ‘comadres’ ainda que esteja
surpreendendo em nível de economia, PIB, relações externas, soberania,
investimentos, retomada do crescimento, queda de juros, redução do desemprego,
criação de escolas técnicas (só a Bahia é destinatária de 10 deles) etc.
E
o “cachorro morto”, envolvido em denúncias graves até o pescoço se vê (mais uma
adiante analisada) – e à sua turma – na proa de ataques ao Governo e se
amparando (como se isso pudesse livrá-lo dos incômodos) na “injustiça” cometida
contra sua augusta figura.
E
está certo nesse quesito: até que provem o contrário foi acusado indevidamente.
Cremos
que – até que venha à tona quem induziu o Presidente à acusação (a qual não
precisava assumir) – um mote para o palanque contra o PT e o Governo foi dado
de mão beijada.
Mas
– mas que se impõe – em sua atual gestão – o Presidente Lula está
devendo muito no quesito comunicação. Para nós em duas latitudes singularmente
negativas: assumir-se porta-voz político-eleitoral no ataque ao ex-presidente (mister
que não lhe cabe e sim ao PT) e falando demais.
Sobre
esse “falar demais” – muito provável, queremos crer – que esteja a amparar a
primeira-dama, que fala o que bem entende onde bem entenda.
Que
saudades de D. Marisa Letícia! Que se limitava a ser mulher do Presidente da
República e não dava “bom dia a cavalo”.
Mas,
tudo isso ultrapassado – caro e paciente leitor deste escriba de província – há
também os que falam pouco em meio aos que falam muito. E não falta quem não
entenda de música, mas busque embaixadas para ouvir e aprender rapsódia
húngara! Quando bastaria ouvir Liszt Ferenc, mais conhecido nos botequins da
vida como Franz Liszt (1811-1886).
Mas,
do alto da intemperança, fazendo ou falando demais – dizemos nós – de certa
forma se aproxima da ironia de José Simão, de que há gente nesta terra
brasilis que até “decreta Estado de circo!”
domingo, 24 de março de 2024
Entre Pessoa e Russell
“Quero
preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...”
(Adiamento,
Fernando Pessoa, pelo heterônimo Álvaro de Campos)
Convivemos
com situações que ultrapassam a fronteira do inusitado. Certo que a idade
alimenta em sua fase ‘filosófica’ a observação dialética em torno do que se nos
acomete.
Mas,
por mais que tenhamos evitado editoriais e noticiários televisivos e quejandos tais – desde
muito, quando os percebemos peças da engrenagem de um sistema alienante – e,
quando muito, nos limitamos a rir das versões difundidas como verdade quando lançada
às calendas a Verdade (aristotélica), a mediocridade em coortes atravessa o
Rubicão e avança em tática napoleônica sobre o que resta.
Não
bastasse, a maioria de ‘técnicos’ nas diferentes áreas de (des)informação é testemunho
de que não se trata de expressar formação intelectual, mas de corresponder ao ‘compromisso’
com o que lhes sustenta, naturalmente o “mercado’, o grande ‘empregador’. Uns,
remunerados pelo vil metal; outros, por deslumbramento pequeno burguês.
Por
isso não estamos conseguindo nem refletir sobre o ontem, atropelados pelo
presente – que sob um dos prismas da autoajuda se outorga solução –
profundamente violentado física, histórica, ética e humanamente pela carga de
mensagens/verdades “absolutas”.
Tampouco
– muito, muito menos – refletir sobre o outrem. Negamos-lhe o passado para
reflexão e o presente o temos como campo de batalha onde o outro é o adversário
em disputa fratricida a ser aniquilado. Sem direito a clamar por solidariedade.
E
quando a realidade se expressa sob a ótica do ‘mercado’ eis em plenitude a negação
do Humanismo, o ápice da negação do homem como destinatário da felicidade. Até a mensagem cristã foi apropriada pelo mercantilismo.
Eis
que esta terra brasilis tenta enfrentar hostes servis à negação de tudo –
sem apologia – que não se debruce sobre o homem como fonte e destino do bem
comum.
Mas,
não enxergamos o instante de “pensar o amanhã no dia seguinte”. O imediato nos
afeta como destino inexorável e concentramos energias negativas em profusão
lançando ao fundo do poço a esperança realizável.
Ainda
que sub-reptício (desfigurando-se do alcunhado em nível ideológico) a velada
forma de negação aí está, alimentando a ‘sua verdade’ e pensar ilustradamente
tornou-se alvo de estigma e nós outros aos poucos sucumbimos a quem nega o ‘dia
seguinte’ ao amanhã, sufocados e amordaçados.
Mas,
para os que não esquecemos o passado como lição nos escudamos em reconhecer,
como o reconheceu Bertrand Russell:
“Primeiro,
eles fascinam os tolos; depois, amordaçam os inteligentes”.
domingo, 10 de março de 2024
Fragrâncias
O
Chanel Nº 5 certamente é das mais icônicas fragrâncias contemporâneas, tida mesmo
como atemporal. Tem origem em um óleo essencial extraído da madeira do
pau-rosa, originário da Amazônia. Faz fama desde sua criação, atribuída a
Gabrielle Bonheur Chanel (1883-1971), em 1921, para a Coco Chanel.
A
não menos famosa Rainha de Sabá alcançou notoriedade em seu tempo – o que a imortalizou
– por sua capacidade de manusear perfumes – ‘imperatriz do aroma’, disse-o o
poeta Sosígenes Costa – e o conjunto de odores por ela destilados – da mirra ao
sândalo, da lavanda ao patchouli, do nardo ao cedro, do incenso ao bálsamo, da
murta ao ládano, da canela ao gálbano – soube-o dominar. Por tudo dela
originado envolvendo essências poetas a definem metaforicamente como lágrima
sabeia, nome dado ao incenso em sua homenagem.
Mas,
no curso dos tempos, e da facilidade de acesso, a apropriação das essências não
mais somente se fundou em si mesma, mas na marca a ela atribuída. A ‘personalização
da essência’ de certa forma despreza a origem e favorece o rótulo. A mesma
essência será, assim, reconhecida por nomes diversos.
Sob
tal diapasão nomes famosos ‘vendem-se’ ao mercado de perfumarias e induzem o
consumidor à aquisição para “ser” ou “parecer” com quem lhe dá o nome.
Não
enveredemos aqui por compreender o “fetiche” da mercadoria perfume como em
torno desta filosofou Karl Marx, mas certamente seria um singular exemplo para
sua interpretação...
Mas,
por que todo esse arrazoado? Eis que descobrimos novas “essências”
perfumísticas: Michele, ex-primeira-dama tornou-se rótulo para uma essência
qualquer que será comercializada não por ela em si mas pela referência
especulativa.
Como
não bastasse anunciam uma essência com o nome do marido. Desconsiderando a
ironia de José Simão – de que a dita cuja encontraria suas raízes no “aroma
capim” – certo que a coisa já transita pela comercialização.
Lançamento
com pompa e circunstância muito brevemente. Não faltará quem esgote reservas
financeiras, saque da poupança, venha a se endividar – até mesmo reduzir o
dízimo para as igrejas, os que o pagam – para fazer parte dos enlevados que aperfeiçoarão
a sensibilidade olfativa e, para provar a utilização de tal inovação, não
causará surpresa que venham a andar se cheirando como cão pelas ruas para
demonstrar afeto, fidelidade e admiração idolátrica às fontes das “essências”.
E
ficamos a matutar, a que ponto estamos alcançados: para uma gente que ilustra
seu conhecimento universal reconhecendo Israel como país cristão (certamente
por desconhecer o assassinato de Jesus a pedido da teocracia local), que ainda
insiste em reconhecer a quadratura da Terra, que nega avanços da Ciência em
benefício da vida etc. etc. etc. trilhar por fragrâncias impostas não lhes
custará reconhecer e propagar como profecia aos quatro ventos do universo a
essência do pum como dádiva divina e a mais estonteante de tudo até hoje levada
a termo.
Em
especial alcançará eflúvios ímpares se dita ‘essência’ se originar de algum
mito ou de quem lhe esteja próximo.
domingo, 25 de fevereiro de 2024
O Presidente Lula andou lendo Plutarco
No último século antes da Era Cristã os romanos avançavam para consolidar sua expansão econômica e territorial dependendo em muito do produzido nas províncias conquistadas. Alcançaria foro de império em dimensões gigantescas no curso dos anos (Norte da África, Península Ibérica e Oriente Médio), mas houve tempo em que Roma dependia dos mares e não se pode dizer que detivesse controle pleno sobre eles; os riscos de navegar muito grandes, incluindo a temida pirataria no entorno da Sicília.
Por volta de 70 a.C. ao general Pompeu (106-48 a.C.) a incumbência de transportar o trigo das províncias para a sede do Império de Roma e diante do temor esboçado por seus comandados – afirma-o o historiador Plutarco – teria proferido a famosa frase que veio a ser referência para o poema de Fernando Pessoa “Navegar é Preciso” como tema para a criação como vocação do homem, que o insigne português punha acima do próprio viver:
Naqueles tempos, os riscos de navegação eram grandes, em virtude das
limitações tecnológicas e dos vários ataques piratas que aconteciam com
relativa frequência. Sendo assim, os tripulantes daquela viagem viviam um grave
dilema: salvar a cidade de Roma da grave crise de abastecimento causada por uma
rebelião de escravos, ou fugir dos riscos da viagem mantendo-se confortáveis na
cidade de Sicília. Foi então que, de acordo com o historiador Plutarco, o
general Pompeu proferiu a lendária frase.
Não afirmemos que tenha Lula lido Plutarco, mas – quando nada – sabe-o
pronunciada por Ulisses Guimarães, ao lançar-se anticandidato à Presidência da
República em setembro de 1973 enfrentando a peito aberto a ditadura militar
naquela fase das mais macabras.
Os riscos de aventurar-se por mares bravios (enaltecidos por Camões nos
Lusíadas) não constitui privilégio ou primado de uma época, de um instante no
curso da História, mas do reconhecimento da dignidade diante do terror, do
medo, do assombro. A perseverança em marcar posição em defesa de um ideal acima
da própria vida.
Afastado de qualquer ufanismo nos filiamos ao enfrentamento levado a
termo pelo Presidente Lula ao questionar o genocídio posto em prática por Israel
(em sua dimensão sionista) sob o crivo de Netanyahu. Não por ser Lula
presidente do Brasil; mas por existir e levantar sua voz contra tamanho absurdo.
Sua grandeza existe em externar sua voz contra oprimidos além fronteiras.
Afinal, o povo palestino não pode ser confundido com este ou aquele grupo que
ponha em prática atos condenáveis. Quem admite que a matança que ultrapassa 30
mil mortos – que não são do Hamas – entre recém nascidos, mulheres e idosos,
hoje privados até de alimentação, não o faz por conhecimento histórico,
tampouco por reconhecer Jesus como sionista. Afinal, por defender o que
defendeu foi assassinado pela cúpula do Sinédrio que impôs a Pilatos sua
condenação sob pena de ser ‘traidor’ de Roma.
Afinal, como já registramos neste espaço (Lá estavam os Cananeus)
DEUTERONÔMIO 20
16 Contudo, nas cidades das nações
que o Senhor, o seu Deus, lhes dá por herança, não deixem vivo nenhuma alma.
17 Conforme a ordem do Senhor, o seu Deus,
destruam totalmente os hititas, os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os
heveus e os jebuseus.
...
1
SAMUEL 15
3 Vai, pois, agora e fere a
Amaleque; e destrói totalmente a tudo o que tiver, e não lhe perdoes; porém
matarás desde o homem até à mulher, desde os meninos até aos de peito, desde os
bois até às ovelhas, e desde os camelos até aos jumentos.
Os que enfrentaram o poder concentrado e manipulado sabem – alguns não
tiveram tempo de percebê-lo no existir – que põem sua vida em risco. Os loucos
e desvairados aí estão imaginando-se heróis. Que o digam Lennon, Kennedy,
Gandhi, Luther King e profetas do Velho Testamento (o último deles,
Jesus de Nazaré, assassinado por enfrentar o poder judaico de então).
Há quem pense em si em detrimento dos que sofrem. Mas não cabe somente
aos profetas clamar contra as injustiças, contra os poderosos.
Dito isso, pode não ter Lido Plutarco ou Fernando Pessoa, mas deste
certamente o Presidente Lula conhece e verberou para o mundo: “Tudo vale a pena
/ se a alma não é pequena” (Mar Português).
E do poema trazemos sua conclusão:
“Deus ao mar o perigo
e o abismo deu,
Mas nele é que
espelhou o céu”
domingo, 18 de fevereiro de 2024
"Êta paisinho..."
Perdoe-nos o paciente e estimado leitor deste escriba
de província o tanto retardar a postagem deste semanal. Problemas técnicos
presentes, mas não somente isso.
Vivenciamos singularidades que – nessas quase oito
décadas de existência – não imaginaríamos viver. Dentre muitas a forma como a
denominada imprensa ‘formadora de opinião’ trata a realidade. Inelutável que o
país hoje ocupa espaço no concerto das nações como há muito não ocupava. Esse
nosso “há muito’ está voltado para um fato concreto: muitos são os anos para
reconhecimento, mas para destruí-los pouco tempo basta. E quem mais o afirma
não está restrito aos limites territoriais desta terra brasilis. Mesmo
porque – no quesito ‘opinião editorial’ – nenhum destes arautos da verdade
encontra reconhecimento lá fora.
Dizemos isso – e logo decidimos concluir a especulação
– porque se nos basearmos naquilo que esses ‘técnicos de fancaria’,
‘comentaristas a serviço de quem os paga’, e quejandos tais, o país está
definitivamente alheado do resto do mundo no plano diplomático, desfeito de
perspectiva na seara da Geopolítica, sofrendo reveses na política econômica
(interna e externamente) etc. etc....
Mesmo quando o seu Presidente estabelece postura em
nível planetário – agradando ou não, o que é natural – a plebe ignara (obrigado
Stanislaw) do pensamento único de imediato ocupa o espaço do auditório
reservado à “turma do gargarejo”, dispensa a análise lúcida e cai de pau e pedra no indigitado, quando
lá fora a exaltação está mais expressa e somente contra ela gritam e esperneiam
os efetivamente atingidos com a verdade diplomática diante da crueza da Geopolítica
pensada pelo Ocidente.
Nada a criticar diante da ‘qualificação’ crítica.
Afinal, quem pouco ultrapassou as primeiras letras do alfabeto humanístico e
ainda não superou conta de somar e diminuir no âmbito da distribuição da
riqueza de todos concentrada em unzinhos, falar em questões de tamanha
envergadura cheira a falar de “paz e amor’ para quem só conhece a guerra.
Em “O Homem Que Desafiou o Diabo (2007), dirigido por
Moacyr Góes), o personagem ainda não tornado Ojuara - vivido por Marcos Palmeira - levanta-se, abre a janela,
olha para a rua e destila: “Êta cidadezinha de merda!”
Adiantamos ao caro e estimado leitor que o ‘paisinho’ não é o país em sua totalidade, mas parte de sua gente que se imagina dominá-lo por deter uma caneta ou teclado. E nem se fale dos que se expressam nas ‘telinhas’ alcunhados de ‘experts’, ‘comentaristas’, ‘profetas’ – e nem fale de quem disponha de um púlpito – verborragindo baboseiras.
Não é a Jardim dos Caiacós do filme. Mas, êta paisinho...
domingo, 11 de fevereiro de 2024
Intolerável
A lucidez não permite
tolerar o que acontece no país. Pouco mais de ano da tentativa de ruptura constitucional,
de derrubada das instituições que sustentam o Estado Democrático de Direito, de
tentativa de golpe para destituir um governo recém-empossado, de terrorismo
explícito (bomba em carro tanque ao lado do aeroporto de Brasília), de ameaça
de matar ministro, de invasão e depredação de prédios públicos em centros e
sedes de Poderes da República, de conhecimento de reunião golpista no Planalto
em dimensão ministerial etc. etc. e o ex-presidente(?) anuncia ato em espaço
público em defesa dos interesses inconfessáveis que defende.
Dele individualmente este
escriba de província nada espera, tampouco cobra. Mesmo porque tem consciência
de que a chegada do ‘ilustre’ aonde chegou não foi fruto de sua (in)capacidade
individual, mas de uma articulada trama (e muito bem articulada!), baseada não
só em projeto alheio territorial e politicamente ao país; mas de efetiva
participação de parcela da judicatura (Curitiba e TRF-4), incluindo o STF e o
TSE que tanto fizeram e contribuíram para que o dito cujo vencesse as eleições.
Por tal razão toda e
qualquer adjetivação hoje atribuída ao próprio e levada aos quatro cantos como
crítica não convence este escriba como novidade.
Apenas avivando o fogo da lembrança – as cinzas não se fazem à custa da realidade do fogo que a origina? – alguém das cúpulas (Judiciário, Forças Armadas etc. ou da sociedade civil-empresarial) desconheceria a atuação terrorista do inominado nos idos de 1986 (explodir a adutora do Guandu, no Rio de Janeiro) que o levaram à prisão por 15 dias e se consumou com a sua reforma aos 33 anos dois anos depois?... Ou o que dele dizia o ex-presidente Ernesto Geisel – para quem o mais ameno era chamá-lo de "mau militar"?
A reforma do então tenente
– solução técnico-jurídica encontrada pela Justiça Militar – mais visou burlar
a opinião pública, ou maquiar a ‘justiça’ interna
corporis. A inoportunidade e momento histórico não poderiam reconhece-lo
expulso por ato de terrorismo diante da imagem desgastada de uma ditadura
militar que acabava de ser defenestrada (a qual sempre defendeu, e para ele no
período deveriam ter sido mortos/assassinados 30.000 Brasil a fora).
Não, caro e paciente
leitor deste escriba de província. A atuação do STF legitimou o ilegitimável,
de admitir a inconstitucional prisão em segunda instância – lançando às
calendas o trânsito em julgado fixado na Constituição Federal como direito
pétreo – não bastasse haver deixado correr frouxo um processo de impeachment,
legitimado pela Corte sob o pálio da omissão.
Sabido e consabido que a prisão do então ex-presidente Lula inviabilizaria sua candidatura e a garantia desta ficou aguardando na gaveta do Ministro Fachin até que fosse conveniente e garantido o seu alijamento do processo eleitoral;. E preso estava epois de 1 ano e 8 meses de processado, com decisão do TRF-4 que ampliou a condenação unânime na dosagem de penas (os três julgadores concordaram até nas vírgulas com o relator!.
A ex-presidente Dilma Roussef
fora defenestrada sob a anuência deste mesmo STF, a ponto de um Ministro
declarar em entrevista que a questionada inconstitucionalidade do processo de
impeachment não poderia ser analisado pela Corte por se tratar de tema correto
sob o prisma da processualística interna do Câmara, ainda que a questão que lhe
cabia dizia respeito à ausência de objeto, ou a inconstitucionalidade do objeto
que amparava àquele. Tal absurdo (ou conveniente ‘frouxidão’ diante do sistema
que se beneficiaria de tudo) representava o mesmo que dizer que um inquérito
policial armado para perseguir alguém, sem indícios de crime, seria válido
porque internamente estava regularmente constituído.
Lemos recentemente que “as
redes” estão sob “controle” de admiradores do ex-inquilino do Alvorada.
Residiria aí o temor das instituições diante dos absurdos em curso?
Como cobrar de quem
alcançou o poder máximo do país à custa de tamanhas omissões?
Não, caro e paciente
leitor deste escriba de província. Não há justificativa alguma para chorar o
leite derramado. Em especial para o intolerável.
Ou será que o ‘absurdo’
tem razão para existir e mesmo ser alcançado por uma ‘anistia branca’?
Certamente isso estaria em
andamento caso depois do ato anunciado (legitimador dos absurdos perpetrados e
provados à exaustão) se torne confissão escancarada da covardia institucional e
não esteja o ex-inquilino do Alvorada preso.
Ou – quem sabe? – conseguindo asilo como político “perseguido”, na vizinha Argentina!
domingo, 4 de fevereiro de 2024
Os donos do mundo
Registramos em Caminhos Existem:1,6
quatrilhões de dólares americanos, 80 PIBs desta terra brasilis; 8 décadas – quase um século – de riqueza anual
produzida no Brasil a preços de hoje concentrada nas mãos de um punhado (e bota
punhado nisso!) de especuladores que controlam o sistema financeiro
internacional/mundial.
Eis-nos futucando a
desarrumada biblioteca e reencontramos “Os Credores do Mundo”, de Anthony
Sampson (Editora Record, 1981), com o singular subtítulo ‘Os Banqueiros
Internacionais Que Financiam a Dívida Externa’.
Na página 29 (Capítulo 2 –
Quem cuida do Mundo), uma citação de Galbraith: “O processo através do qual os
bancos criam dinheiro é tão simples que a mente não o aceita”.
“Tão simples” que se nos
assemelha à facilidade com que treiteiros (definidos vernacularmente como
estelionatários para fins punitivos) vivem e sobrevivem à custa de enganar o
semelhante para deles auferir vantagens. Vem-nos à mente Bertold Brecht
(1898-1956) na “Ópera dos três vinténs” (1928): “O que é roubar um banco
comparado a fundar um banco?”, desdobrada na reprodução cotidiana em ‘o que
diferencia um assaltante de banco de um fundador de banco’ e, muito
contemporaneamente; ”Roubar um banco é coisa de pobre; afundá-lo é coisa de
nobre” (vide) por meio da também não pouco singular e valiosa contribuição tupiniquim
a fazer lacrimejar o orgulho pátrio inspirado no Conselheiro Acácio.
Muito a propósito, recomenda-se a leitura de um clássico da Literatura Portuguesa ,“A Arte de Furtar”, hoje reconhecida como do
jesuíta Padre Manoel da Costa (1601-1667).
Mas, lá vamos nós,
observando o jogo de interesses sob controle dos ‘donos do mundo’, exploradores
como ninguém deste o antanho e – naturalmente muitos cairão de pau neste
escriba de província – causadores por excelência da miséria e da fome no planeta.
A ‘criminalidade
mafiocrata’ – que somente admite de bilionário para cima, em torno da qual
gargareja aquela parcela apenas milionária e defendida (não se espante o leitor)
com unhas e dentes por quem não tem o que expelir diariamente como excremento,
e que, espumante e raivosa, desanca quem critique a ‘livre iniciativa’ e o
‘capitalismo neoliberal predador’ que a miserabiliza.
‘Donos do mundo’ porque
assumem o controle de Estados nacionais impondo-lhes regras elaboradas pelos
organismos por eles criados para tudo justificar e levado aos quatro cantos
como verdade absoluta e tachando de inimigos os que porventura levantem senões.
Pepe Escobar, em uma de
suas mensagens no Pepe Café, ilustrando em torno dos destinatários da defesa
das minorias alardeada pelos poderosos ilustra muito bem quem são ditas
minorias as efetivamente protegidas: os bilionários.
Muito a propósito nos idos
de 2008/2009 a quebra do sistema financeiro, colapsado por meio do chamado ‘subprime’
(aperfeiçoamento do dito por Galbraith), que fizera invadir o mercado
imobiliário com “papeis’ sem lastro, multiplicados ao infinito, até que pelo
meio do caminho alguém tentou resgatar e se viu com a porta ‘arrombada’: de
imediato o tesouro estadunidense o amparou com a bagatela entre 4 a 5 trilhões
de dólares.
Memória curta a nossa.
Talvez por conveniência levados ao esquecimento.
Conclusão deste escriba de
província diante de ‘análises’ do mercado: os “donos do mundo” não estão nada
satisfeitos com os caminhos pretendidos pelo governo para a economia
brasileira. Afinal, heresia pura pretender gerar emprego, distribuir renda,
fortalecer a indústria nacional, investir em estradas, portos, ferrovias,
refinarias etc. etc. e a maior das heresias: cobrar imposto de quem ganha mais
(os muito ricos, naturalmente; não a pequeno-burguesia que os defende).
O centro das preocupações
e orientações de sempre: controle da dívida, da inflação, o equilíbrio fiscal
etc. etc.
(A propósito da inflação
personagem nosso em algum destes mal escritos oriundos desta mente provinciana
diz com todas as letras: se inflação fosse ruim para os ricos com certeza não
existiria).
Mas, retomando o roteiro: tomar
emprestado em suas mãos ‘banqueiras’ e entregar aos seus apaniguados o que
resta do patrimônio pátrio certamente é bem melhor. Dizem-no seus porta-vozes.
Tanto que a ‘prudência do
Banco Central’ mais e mais aplaudida por tal estamento, ainda que juros
escorchantes permaneçam.
Mas, os “donos do mundo”
não vivem de tais juros?
domingo, 28 de janeiro de 2024
Da barbárie à pós barbárie
Quando nos imaginávamos trilhando a
Civilização eis-nos no estágio da pré-barbárie. Dizemos isso sustentado no
elementar raciocínio de que se retornamos àquilo que condenamos no passado e pensávamos ultrapassado
pecamos duas vezes.
Incomoda o ser humano – humana e
humanisticamente – assim compreendido, toda e qualquer atrocidade cometida contra
indivíduos da espécie no curso da História. E isso que chamamos de Civilização
é fruto de um processo de evolução moral e ética, que transitou lenta e
constantemente no curso dos milênios recentes, consubstanciando a Moral em Ética e estabelecendo, através de ordenamentos jurídicos que superaram a
teocracia, a tirania, a monarquia absoluta etc.
Os desta terra de São Saruê vivemo-la
nos últimos cinco séculos o que nos coube cometer. Debret legou para que não
esquecêssemos tristes expressões da escravidão em sede brasileira, aquela que
utilizou o semelhante não como objeto de conquista guerreira mas para o viés mais
aviltante, o de vê-lo como mercadoria.
A pós barbárie
vivia(veria) no plano do inconcebível em dimensão civilizatória tão somente
como texto para estudo de contexto do absurdo. O processo de evolução de
valores em relação aos direitos naturais – o direito à vida, à liberdade, à reprodução e à ideia de justiça
– sem pretendermos reconhecer – como o via John Locke (1632-1704) – a
propriedade no rol de tais direitos, o que natural, no plano histórico, porque
partido de um dos próceres do liberalismo em época em que a pirataria era a mais
amena das formas de conquista da riqueza alheia.
Perdoe-nos o caro e
paciente leitor deste escriba de província. Em especial aqueles que têm os EEUU
como destino reverenciado e sonhado.
De parte dele – todos os
que convivem com ele o sabem – há um ‘testamento’ sem registro ou traslado em
cartório com o único e irrenunciável ato de última vontade: caso tenha que ver salva
a sua vida e dependa para tanto de passagem por sobre o espaço estadunidense,
ainda que o aéreo, por favor deixem-no morrer, caso contrário não dará trégua aos
que o permitiram quando em dimensão de ‘fantasma’.
Não se trata de xenofobia
como muitos desavisados diriam. Mas da conscientização construída no curso estudos e leituras de
fatos históricos. Desde tomada de territórios alheios (como o fizeram com o
mexicano, que perdeu o Texas, o Novo México e a Califórnia, que – além da
riqueza assaltada que fez elevar a riqueza do país – representam cerca de 14.9%
do território atual) sob força da pólvora ou do dinheiro. Coisa que pouco
mudou. Hoje premia o México com um muro de isolamento.
Ainda que não o seja em
nível federal, a constituição estadunidense admite decisões sobre o Estado
confederativo ser ou não assassino (assim o dizemos) ao admitir a pena de morte
para certo tipo de crime. Não precisa afirmar – ainda que não disponhamos de
números exatos – que hispânicos e negros em geral são os destinatários comuns
aos corredores da morte.
Temos particularmente
ojeriza à pena capital. Para nós, o fracasso civilizatório mais evidente. A uma,
porque não consegue reduzir a prática de crimes que a exijam; a duas, porque os
destinatários desconhecemo-los entre os abastados, a não ser que outras razões
(políticas) intervenham, da qual não escapam nem mesmo presidentes.
Mas o suprassumo do fétido
e asqueroso sumo chega com festa e pompa ao Tio Sam: não basta matar para
excluir o peso da sociedade, mas fazê-lo agonizar por minutos até que se fine a
vida.
Por onde tal barbárie está
a ocorrer a vida animal encontra o respeito que a humana não alcança: em fase
terminal é sacrificado, sim; mas anestesiam-lhe antes. Por lá a justiça não o
admite.
Quem pretenda assimilar um
pouco da verdadeira história daquele país – historiado pelo cinema, para não irmos
longe – verá que não se faz apenas de épicos, haja vista o que nos legam
exemplos como visto em “12 Homens e uma Sentença (1957), de Sidney Lumet;
Crime Verdadeiro (1999), de Clint Eastwood; “À Espera de um Milagre” (1999), de
Frank Darabont.
Para nos bastar por hoje,
não nos esqueçamos de como funcionam a condução de decisões judiciais e
investigações preliminares, basta pesquisar o próprio cinema assistindo, entre
tantos, “Sacco e Vanzetti” (1971), de Giuliano Montaldo, ou a minissérie para
TV (1977); “Os Intocáveis” (1977), de Brian De Palma; “Mississipi em Chamas”
(1988), de Alan Parker etc. etc.
No entanto, para não sermos
lisonjeado pela adjetivação da crueldade, não custa rir um pouco vendo
Carlitos, do inesquecível Chaplin, quando metaforiza o Estado na figura do
policial que o persegue, basta vê-lo.
domingo, 21 de janeiro de 2024
Conto de fadas - Parte II
No dia aprazado iniciou o projeto
– O administrador será aquele escolhido por
todos em eleições; os que legislarão também definidos em processo eleitoral; e
quem dará a última palavra sobre a aplicação da lei, os escolhidos entre os que
dominem a compreensão sobre ‘dar a cada um o que é seu conforme o seu
merecimento’. Tenhamos o povo no poder através de representantes, porque
teremos como lema o governo do povo, para o povo e pelo povo.
E lecionou:
– Mas, para que tudo possa
acontecer impõe-se primeiro organizar a sociedade. Delimitar funções.
Então, nos dias que
seguiram, enquanto o povo aguardavs na praça, transformou sua sala em oficina e
aprofundou o trabalho:
Ouviu cada um dos anciãos.
Dentre eles escolheu os sete mais idosos para administrar a Justiça.
Dentre os de mãos
calejadas delegou-lhes a produção de tudo o necessário – do campo aos espaços
urbanos, dos alimentos às construções – e a outros o controle desta produção, aos
quais caberia fixar preços e rotas de comércio.
De um em um escutou e
decidiu diante da capacidade. Alguns destinados à elaboração das leis; outros à
defesa do país; outros à propagação da palavra de Deus para consolar os aflitos
e perdoar-lhes os erros e pecados, sem elevar qualquer preconceito a quem
pensasse diferente ou tivesse outras crenças.
Escasseavam-se os da praça.
Restaram uns que formavam um punhado. Determinou que se achegassem. Perguntou-lhes
o que haviam feito, o que apresentavam como referência.
– Senhor – disse-lhe o
primeiro – estive preso por haver estuprado uma vizinha e amiga.
O segundo não discrepou:
– E eu, Senhor, por haver
matado para roubar de um pobre velho o que guardava para cuidar dos filhos que
cresciam.
Um terceiro pontuou categórico:
– De minha parte, Senhor,
mentia e trapaceava, vendia o que não possuía...
Escutou-os com atenção
redobrada. Disse-lhes então o enviado:
– Do que fizestes somente
posso oferecer uma empreita posta em prática na terra de onde venho e que se
tornou próspera. Considerai-vos doravante arrependidos e crentes, exemplos a
serem seguidos, porque salvos pela vontade do Senhor Altíssimo. Proclamareis essa
confissão em praça pública, estradas e rincões do país, e hão de fundar novas
igrejas porque grande é o poder do arrependimento e convencerás e o
demonstrarás aos que o pretendam. Nunca afirmem – muito menos insinuem aos
pobres – que a pobreza é um fenômeno político, não natural, tampouco resultante
da escassez adredemente elaborada para beneficiar uma parcela daquela que será
classe dominante nesta terra. Afirmem, aos gritos – se necessário – que a
pobreza é a falta de fé. Nada mais que isso!
– Senhor, e se houver
recusa em conquistar fiéis?
– Como por lá ocorre, digo-vos pela
experiência, anunciarás – com força e determinação – o desprezo a todos os bens
materiais dos que acreditam em Deus como caminho de melhoria de vida. Apelem
para a fé de que quanto mais derem mais receberão. De que 90, 80, 70, 60, 50 com Deus é mais
que 100, e assim por diante. Importante e imperativo que se desfaçam todos do
pouco para que muito venham a ter conforme a fé se aprofunde.
– Senhor, e quando não
conseguirem?
– Quando assim os buscarem
digam – como dizem os de lá – que a fé ainda não foi suficiente, claudica. Mas
que há de ser perseguida e, a qualquer instante, será premiado o esforço
dispendido.
E prosseguiu, eufórico:
– Sereis tão fortes que,
em pouco tempo, conseguireis controlar não só os fiéis, também os poderes, pois
não tardarão a eleger número suficiente de dirigentes e, além de submeterem os
governantes que não sejam de vossas hostes – que serão os naturais inimigos do
povo de Deus e adeptos de Satanás que precisam ser enfrentados – mesmo
controlarão a edição de leis em todos os níveis e estarão no lugar dos anciãos
que se forem, julgando tudo que lhes chegue conforme seus próprios interesses e
exclusivas convicções, inclusive conquistarão do Estado benesses várias, até em
ouro. Alguns de vocês mentirão e levantarão inverdades – tudo em nome do que
pregam – para mais e mais garantirem espaço. Afirmarão possuídos pelo Tinhoso os
que não pensem conforme a pregação.
Concluído seu trabalho
anunciou despedida para o dia seguinte.
Todos se dirigiram à praça
e o reverenciaram. Curvou-se em agradecimento, solenemente levantou a mão para
o adeus desejando felicidade.
Viram-no partir sereno
como chegara.
Só não viram que, assim que o esfumaçamento e a distância não permitiam percebê-lo, ria... ria... ria... ria... e não tardou gargalhar profusamente, tamanha a euforia com a missão cumprida.
domingo, 14 de janeiro de 2024
Conto de fadas - Parte I
Havia um país muito
distante. Todos felizes sob a condução de um Sultão muito bondoso ao qual
tributavam respeito e recursos. País pequeno e de poucos habitantes – não
chegavam a 50 mil – razão por que todas as decisões do reino proclamadas
diretamente a eles na grande praça ladeada de jardins encantadores em frente ao
palácio real.
Sentindo que a vida
terrena chegava ao fim o vetusto soberano chamou o Grão-Vizir e passou-lhe as
determinações de última vontade resumidas apenas na expressão: “Quando me for
não permitam o surgimento de um novo rei”.
Impactado com aquela
decisão, de logo indagou o fiel conselheiro, como o reino seria administrado:
“Como outro Sultão somente seria entronizado depois do oitavo mês de minhas
exéquias você cuidará deste povo. Antes que o prazo se conclua chegará de uma
terra distante um ser trajando púrpura e sedas banhadas a ouro que será
apresentado a todos e ditará o futuro do país. Até lá, como último ato de
vontade, anulem-se todos os processos e esvaziem as cadeias de todos os tipos
de criminosos para que possam ser reconhecidos iguais a todos os que ouvirão as
‘boas novas’. Editem em todas as praças estas minhas disposições”.
Duas semanas depois passou
desta para a melhor o bondoso monarca. Ultrapassados os dias de luto e sepultamento
iniciou-se a espera. Afinal ninguém podia prever dia, mês e hora. Apenas que
tudo aconteceria no máximo de oito meses.
Enquanto aguardavam
indagavam-se em torno do que viria. Intrigava-os que mesmo o primeiro ministro
sabia tanto quanto eles.
Um dia ouviram-se as
trombetas. Um homem solitário trajando púrpura e seda apareceu no horizonte e
cresceu sob os olhares. O ministro regente recebeu-o e de imediato levou-o à
escadaria do palácio de onde pudesse ser visto e em plenitude ouvida a sua
mensagem.
“Saúdo este encantado povo
de um país que será celeiro do mundo e pátria para a humanidade. Enviado o fui
para organizar a sucessão do nosso estimado e generoso monarca dentro dos
paradigmas que norteiam o bem-estar da sociedade de onde venho. Pediu-nos ele –
que o Alto o tenha – quando nos visitou que – após a sua morte – trouxéssemos
nossa experiência, que tanto o encantou, para tornar este povo o que ele sonhou
e não conseguiu em vida. Conhecera nossos lares, nossas estradas e avanços
tecnológicos. Impressionou-se com as homenagens proferidas por nossos representantes,
com a pureza das ideias expressadas em palavras doces, e ouviu sobre as
importantes reformas introduzidas nos últimos anos e que muito em breve dariam
os frutos, porque – como diz um de nossos augustos lemas – temos que fazer o
bolo crescer para partilhá-lo com o povo e, para tanto, todos hão de dar sua
cota de sacrifício. Até porque é dando que se recebe. E ouviu deste humilde tradutor
as razões por que tudo ocorria, pedindo-nos encarecidamente que tudo aqui fosse
aplicado que se fosse.
Como de sua última e benevolente
vontade, não mais uma só pessoa regerá os destinos desde povo. O próprio povo o
fará.
O projeto para o país será
efetivado em duas etapas; a primeira, constituindo o Estado Democrático de
Direito e as instituições que o regerão, bem como a composição e forma de
acesso a essas instituições; a segunda, as formas e meios de organização da
sociedade civil.
O Estado Democrático de
Direito – o Estado a que todos devem respeito à lei – será edificado sobre três
pilares; um poder para administrar, outro para elaborar leis e aquele que dirá
a última palavra sobre o cumprimento das leis
Para a sociedade civil; a
imprensa – que será o quarto poder – instrumento da sociedade para fiscalizar
os interesses de todos; a religião, para ensinar a temer a um ser superior e a respeitar
o semelhante; o mercado, que controlará a produção e o consumo; e a educação,
inclusive a científica, para consolidar as experiências e conhecimentos
adquiridos que serão repassados e aperfeiçoados permanentemente.
Gostaria de conhecer todos
vocês, um por um, mas como meu tempo é curto, a cada um que seja avaliado de
antemão estará destinado a cumprir a honrosa missão.
Permitam-me descansar um
pouco e, a partir de amanhã, o até aqui dito será melhor esmiuçado e cada um
será ouvido e avaliado, quanto à capacidade e experiência, para assumir o
destino predestinado.
domingo, 7 de janeiro de 2024
Caminhos existem
Integramos aquela parcela
que amadureceu no curso da existência e perdeu o sonho de eras priscas (ou
enlouqueceu!...). Nada a ver com aquele “O sonho acabou”. Apenas somos assim,
dos que vivemos o entendimento das coisas a partir dos anos 50 do século
passado, com dificuldade imensa de entender por que tanto progresso e avanço
científicos convivem com o inverso absoluto da pretensão do Homem à Felicidade.
Reconheçamos que há
contemporâneos que persistem em ‘entregar a Deus’ – com o valioso apoio da
autoajuda – a solução para os problemas por nós criados e indefinidamente
esperam por dias melhores e, no último instante, apelam para o inexorável ‘fim
dos tempos’, ‘como Deus quiser!’ etc. etc. E mesmo custeiam os que prometem
sanar ou reduzir o desalento elevando templos e quejandos tais mundo a fora
para garantir vaga nas ‘naves da salvação’.
Mas, imagine o caro e
paciente leitor o que significa a informação distante alcançada
através de um rádio alimentado por ‘acumuladores’ (baterias usadas em veículos) – usamos a imagem do instrumento
veicular para ‘contemporizar’ o entendimento – diante do contemporâneo (ainda!)
celular!
Dispensemos outras
experiências de tempos desconhecidos do presente, como brincar na rua, tomar
banho de chuva etc. etc. etc. etc.
Consciente estamos, no
entanto, de que vivemos instantes atropelando-se. E os avanços
técnico-científicos sucedem-se como água rio abaixo.
Dentre tantas e tanto algo
permanece como sempre, dispensado de alterações: riqueza acumulada. Em mãos de
poucos, pouquíssimos, que não sabem o que dela fazer a não ser utiliza-la como
‘toque de Midas’. Com descendência híbrida, que não se reproduz a si mesma.
Aproveitamo-nos de Luiz
Gonzaga Belluzzo (Carta Capital) citando Claudio Borio, diretor da área
monetária do Banco de Compensações Internacionais (BIS)
“[...] Ao invés de
financiar a aquisição de bens e serviços, o que eleva os gastos e o produto,
(*) a expansão do crédito está simplesmente financiando a aquisição de ativos
já existentes, sejam eles ‘reais’ (imóveis ou empresas) ou financeiros”.
Antecipara o articulista:
“O capitalismo global reassumiu a sua forma mais avançada como economia
monetária, cujos agentes detentores dos poderes de criação da riqueza social
são tangidos pelo império da acumulação de riqueza sob a forma financeira”.
Em outras palavras,
cruzamento de jumento com égua, que resulta em burro ou mula e se esgota aí
como geração.
Para evitarmos transtornos aos nossos estimados leitores tal brincadeira envolve, segundo o próprio Belluzzo, cerca de “US$ 1,6 quatrilhões em ativos” (grande parte inteiramente estéril).
Pasme o paciente e estimado leitor: 1,6 QUATRILHÕES EM DÓLARES AMERICANOS, ou próximo a míseros pouco mais de R$ 8.215 quatrilhões na cotação de 6 de janeiro/2024 na valorosa moeda tupiniquim, ou seja, cerca de mais de 80 PIBs anuais do Brasil, sob a estimativa de encerrar em R$ 10,5 trilhões neste findo 2023. Simplesmente 80 ANOS de riqueza produzida anualmente nos valores atuais!
Traduzindo no estilo da velha Tabuada que alimentou nossos primeiros anos de estudo: R$ 10.500.000.000.000.000,00.
Mas, alvíssaras – diríamos
em outros tempos e eras – uma pesquisa científica singular (achamo-la tão
significativa que não a recomendamos ao Ig Nobel) nos despertou para ‘sonhar’.
Matéria da BBC revela a
descoberta do porquê do cocô boiar e afundar. O segredo está na quantidade de
metano que resulte da metabolização intestinal em cada momento, o que leva o
indigitado toloco a querer ‘submergir’ ou ‘emergir’. E como maior responsável,
dentro do conjunto de espécies bacterianas causadoras do ‘mistério’ uma
sobressaiu: a Bacteroides ovatus.
O que nos despertou a
atenção para tão singular tema, muito mais vinculado à escatologia, com
destaque valioso para estudo do Marquês de Sade, muito bem ilustrado por
Pier Paolo Pasolini (1922-1975) em “Saló”, foi o fato de que tal descoberta
abre caminho para utilização ‘racional’ do motivo do sobe e desce do indigitado,
que exige, segundo o pesquisador Nagarajan Kanan, apenas “financiamento” para aprofundar
as razões da “flutuação fecal”.
Supimpa!
Antes que o caro e
paciente leitor comece a sentir necessidade de conferir explicamo-nos diante de
tanto interesse em não sugerir a remessa da pesquisa ao Ig Nobel ou presumir
que há mentes científicas carregadas da Bacteroides
ovatus e familiares próximas: possibilidade concreta de geração de energia
a partir daquilo que insistimos em lançar fora e, modernamente, utilizando a
descarga para tanto.
E daí um salto: como
podemos chegar à utilização energética utilizando o dito cujo por que não
viabilizarmos pesquisa para a transformação da merda em algo mais imediatamente
útil?
Com tanto dinheiro sobrando
sem utilização racional, em meio a isso cá de nossa parte ficamos a refletir:
para aliviar a fome e a miséria dos bilhões que ou nada têm, ou pouco têm ou
ainda querem ter, por que não pegar também parte daqueles US$ 1,6 quatrilhões,
do que sobra, e financiar pesquisa para transformar cocô em comida, escola,
trabalho etc.?
Reconheçamos temerária, de
certa forma, a solução aqui aventada, diante do risco concreto de o sistema (que
hoje domina o universo financeiro) exercer o poder de que dispõe junto ao
Estado contemporâneo, para editar leis para controlar o ‘fiofó’ alheio – tornado
meio de produção – para recuperar o gasto com a pesquisa.
De certa forma algo
adviria de imediato: financiamento em massa em comida para os povos famintos se
integrarem ao processo produtivo.
E, para os que dizem que
não há soluções para os seculares e aflitivos problemas desta que chamam de
Civilização: caminhos existem; não cuida/custa percorrê-los.
______________
(*) Mas distribui riqueza...
(intervenção nossa).