sábado, 29 de novembro de 2014

Leituras

E (in)conveniências
Ontem tratamos, em “Leituras versus leituras”, de como um mesmo índice de crescimento pode receber interpretações diversas. Assim, para os críticos dos fundamentos da economia brasileira, 0,1% de crescimento do PIB no terceiro trimestre de 2014 significa patinação da atividade econômica à beira do fosso da recessão, sinal evidente de que o caos se faz presente em nossa cozinha.

Outra, a interpretação – do Estado de São Paulo, beirando a euforia – com o crescimento do PIB da Alemanha no mesmo 3º trimestre. Coincidentemente, 0,1%. Enquanto a do tupiniquim anuncia a entrada no apocalipse, aquela em relação à Alemanha leva a que o país esteja escapando da recessão.

Vem do mesmo jornal (o Estadão) o novo escândalo a envolver autoridades, mancheteada nesta sexta-feira 28: “Procuradoria denuncia irmão de Dias Toffoli e mais quatro por desvio de R$ 57 milhões” do Fundo Municipal de Saúde e de atividades escolares.

As ações verbais não deixam dúvida: denúncia da existência de desvios. Assim, entenderá o leitor comum, que foram levados à incriminação por retirarem para benefício próprio ou de terceiros recursos públicos destinados à Saúde e à educação do município onde exerciam atividade pública. Em linguagem comum: roubaram.

Na realidade – afirma-o a matéria – não houve nenhum desvio de recursos, mas irregularidade na aplicação dos mesmos, transferidos para outras atividades. Assim, o que houve não foi desvio de recursos públicos, mas desvio de finalidade na aplicação dos mesmos. Naturalmente uma irregularidade, passível de apuração e responsabilização judicial.

Uma outra: o ex-presidente FHC alardeia falta de legitimidade da reeleita presidente Dilma para gerir o país, porque o novo mandato não encontraria apoio na “parte mais dinâmica do país” e o seu sistema de apoio “não se expressa no congresso atual nem no futuro".

Leituras e (in)conveniências de um e outro.

Para o Estadão a manchete (desvio de recursos) fala mais que a realidade (desvio de finalidade). Assim, lança no leitor a ideia de que alguém roubou, quando roubo nenhum houve.

Para FHC, ‘príncipe’ dos sociólogos, esquece por (in)conveniência as lições de Max Weber, de que a legitimidade é a crença social em determinado regime. No caso brasileiro, o democrático. Que se sustenta no respeito ao vitorioso. Aquele que teve maioria de votos em relação ao derrotado. Um que seja.

Interessante que o ‘príncipe dos sociólogos’ ao tratar de possível legitimidade de um governo, a partir do Congresso, exercite outra (in)conveniência: de que a autorização que legitimou a sua possibilidade de reeleição tenha sido comprada a partir de 200 mil reais pagos a muitos dos congressistas que a aprovaram.

Pelo pouco que sabemos – até prova em contrário – de Norte a Sul, de Leste a Oeste, o eleitor brasileiro foi às urnas por livre desejo de sufragar um nome, de situação ou de oposição.


A vitória, legítima, coube a uma delas.

Por essas e outras (in)conveniências de uma parcela da grande imprensa e da intelectualidade que a legitima é que muita gente no Brasil ainda padece de credibilidade. 

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