quinta-feira, 27 de março de 2014

Vertente

E incômodo
Em instante mais futuro nos debruçaremos sobre o tema das mobilizções de parcela da sociedade clamando por retorno de instantes da história pátria que precisam ficar no limbo. 

Mais precisamente o desejo destes "alguns" por intervenção militar para desconstruir as instituições recuperadas pela Nação depois da redemocratização.

Pinçamos hoje um texto de Carla Kreefft, postado no Tribuna da Imprensa desta quinta 27, que envolve a classe média tradicional, beneficiária dos gastos governamentais, como estamento social à época do golpe militar (por ela também apoiado).

Uma parcela da sociedade que não aprendeu lições de solidariedade, muito menos o que seja distribuição da riqueza, tampouco participar o povo do Brasil das conquistas sociais ocorridas na contemporaneidade.

À reflexão.

O RANCOR DA PERDA



Carla Kreefft
O Brasil vive um momento de reorganização social. A classe média cresce como resultado de uma mobilidade induzida por políticas sociais compensatórias, criação de empregos e manutenção da estabilidade econômica. A notícia é velha, mas boa.
Com a ampliação da classe média, o consumo do varejo aumenta, o dinheiro circula mais, a venda de imóveis, veículos e bens duráveis sobe. Em resumo, parece ser bom para todo mundo. Mas só parece. Tem aí um segmento que está muito incomodado. Trata-se da velha classe média – aquela que já era classe média desde o período da ditadura.
Para identificar essa classe social não é difícil. Na década de 70, esse segmento social já tinha casa própria, o que era uma raridade, já que o financiamento público era muito restrito e somente quem tinha uma renda razoável tinha condição de acesso. Os filhos dessa classe estudavam em escolas públicas. A educação pública era de boa qualidade, mas só atendia quem passava em exames de seleção, ou seja, quem tinha condições financeiras de estudar (comprar livros, uniformes, custear um curso de inglês etc). Os pobres ficavam fora da escola, e os ricos estudavam em escolas particulares. Essa família tinha um carro e, nos fins de semana, frequentava clubes de lazer e podia ir ao cinema. Essas famílias também tinham telefone – que era muito caro na época.
De lá para cá, com a redemocratização do país, essa classe viu o ensino público ser universalizado e perder qualidade, o que a obrigou transferir seus filhos para a rede particular. Também presenciou a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), o que retirou dos trabalhadores com carteira assinada a exclusividade do atendimento médico público. Em outras palavras, todo e qualquer cidadão passou a ter direito à saúde pública – mesmo sendo de qualidade questionável.
Mais recentemente, a estabilidade econômica desencadeou estratégias governamentais que expandiram a telefonia fixa e a móvel, permitiram financiamentos da casa própria e para compra de automóvel mais acessíveis. Além de tudo isso, a classe mais carente teve sua renda ampliada com a criação de mais empregos formais.
SEM PRIVILÉGIOS
A velha classe média perdeu seus privilégios e, por outro lado, não conseguiu a mesma mobilidade que os mais pobres obtiveram. Ela não se transformou em rica e viu os pobres se aproximarem. A empregada doméstica, que antes era marca da classe média, virou diarista ou conseguiu um emprego melhor e, agora, tem celular e uma TV de 42” em casa – os mesmo aparelhos que sua patroa. Ela também pode comprar uma passagem aérea e pagar em dez vezes.
O que restou para a velha classe média? Fazer uma marcha pela família e saudar a ditadura. Ela se agarra ao passado, desconhece a democracia, pisa nos valores que adquiriu na universidade pública, portanto paga por toda a sociedade.
A velha classe média se incomoda com um homem de bermuda em um aeroporto, com os negros nas escolas e universidades e em postos profissionais de destaque. Ela perdeu os anéis e não se contenta com os dedos. Ela está desesperada. É assim que pretende ir às urnas, em outubro deste ano, com o rancor do poder perdido.

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