Que ele me faz
O título parodia um livro de crônicas de Fernando Sabino - "A falta que ela me faz" - editado pela Record em 1980. Dele (o livro) sempre destaco duas crônicas para amigos que desejem abandonar o vício do tabaco. (Cigarro hoje pode significar não somente o do tradicional fumo). Não declino o título das referidas crônicas para não contribuir com aquilo que o professor Jorge de Souza Araujo denomina de 'cultura do ler para fazer a prova". Que no caso particular seria 'ler para parar de fumar'.
A esse propósito, em parênteses, explicamos: a leitura - eterna janela para o universo - cada dia vai caindo no limbo da importância para as atuais gerações. A própria academia - dimensionada nos diferentes patamares da formação intelectual, das primeiras letras à pós-graduação com suas especializações, mestrados, doutorados e quejandos - reduziu o valor da leitura ao utilitarismo do resultado. Tanto que ler parte da obra passa a significar tê-la lido na íntegra. E com o aprofundamento de tal comportamento mais razão assiste a Jorge Araujo.
Mas, divagamos - dirá o leitor. Afinal o que pretende o vil escriba?
Nada mais - respondemos - que buscar no território da memória, provocando lembranças, em nós e no leitor. E, particularmente, dirigi-las ao contento do pretendido, ora inspirado na obra de Fernando Sabino. Tendo como tema não o tabaco, mas a política em sua dimensão eleitoral.
Os que alcançamos tempos pretéritos, bem pretéritos, no processo eleitoral - trazendo dos recônditos da memória os velhos comícios destituídos de espetáculos que lhe vieram a ser paralelos posteriormente (até que proibidos, tamanho o abuso) onde cantores, nem sempre exemplo de arte, concentravam a atenção até que 'chegasse a hora' de ouvir os oradores - aguardávamos o período eleitoral com inefável ansiedade.
Oradores que - além do banheiro, espaço destinado a cantores e oradores sem talento - nem sempre mereceriam qualquer adjetivação digna do nome, mas que faziam sua parte, elevados à condição de Cícero por serem 'lideranças' - aí entendido como cabo eleitoral o detentor de algumas dezenas de votos onde 'liderava' - tinham a oportunidade que só naquele instante se consumava.
Sem esquecer, mais contemporaneamente, o horário eleitoral assegurado em uma hora para a propaganda partidária que permitia figuras conhecíveis somente através dele, como ocorreu com um tal de "Marronzinho", líder não sabemos de quê, que conseguiu registro de partido político e passou uma hora desancando todo mundo, inclusive o presidente da república, chamando-o para "trocar murros na rua". Mais singular o fato por ser o desfiado nada mais nada menos que João Batista Figueiredo, último general de plantão na ditadura que inventou o rodízio de ditador.
Mas, a propósito deste ano eleitoral - singular pelas circunstâncias de também o país sediar uma Copa do Mundo - em que o que menos se discute são ideias e mais o que possa servir de factóide para sensacionalizar o leitor, ouvinte e telespectador, nos vem à mente figuras que marcaram época em eleições outras por suas idiossincrasias que bem caíram no gosto do povo.
Neste 2014 há um certo vazio na sucessão presidencial, ocupada pelo trivial: uma reeleição - fato que se tornou lugar-comum desde que inventada a troco de duzentos mil dinheiros por FHC para garantir a sua - e duas pretensões que já se tornam parceiras (e não adversárias) na busca de espaço na disputa de um segundo turno.
No mais muito de falar do outro (todos contra a pretendente à reeleição) e pouco debate, a não ser propostas ao sabor do oportunismo.
E aí nos vem aquela "a falta que ele me faz" para muitos espalhados nesta 'terra de São Saruê'. Por três vezes (1989, 1994 e 1998) tentou ser presidente. O tempo de 17 segundos não lhe permitia expor qualquer proposta ou projeto, de tão curto. No entanto chegou a angariar milhões de votos. Pelo nome que se tornou conhecido. Quebrou a rotina.
Afinal, 'seu nome era Enéééas".
Nenhum comentário:
Postar um comentário