Um detalhe se nos passa praticamente despercebido: o
22 de abril. Tempo houve, distante, em que cantarolávamos “22 de abril, Cabral
descobriu o Brasil”. No verso, arrastado em melodia sílaba a sílaba, a
lembrança de um instante que se apresentava significativo para a geração que
vivenciava as primeiras descobertas no universo da História do Brasil nos cinco anos de curso primário. No fundo,
cada versejo alimentava a fixação no imaginário de uma data que deve(ria)
refletir alguma significação para a História do país. Afinal, naquele dia – há cinco
séculos – aportavam as naus cabralinas no costeado atlântico sul-americano.
Os desdobramento todos conhecemos. Pelo menos um pouco.
Desde a possível história mal contada do ‘descobrimento’ (adredemente
planejado) ao correr dos séculos de colonialismo, do qual não podemos afirmar
que nos tenhamos libertado plenamente; quando muito substituído.
Ainda embrionamos
a concepção de nação. Que o diga o médico, psicólogo, pedagogista, sociólogo e historiador
sergipano Manoel Bonfim (morto num 21 de abril de 1932) que tanto a defendeu e
encontrou em Darcy Ribeiro um seguidor na concepção visionária da ‘civilização dos trópicos’,
liderada por este augusto torrão.
Mas, os que acompanhamos um pouco do que motivou, e
ainda motiva, esse descaso para com a nossa identidade e, para com tudo que
possa fixá-la, mais aprofundado quanto mais progredimos técnica e
intelectualmente, nos remete a perceber quão limitados são os compromissos da
gestão histórica deste país para com o desenvolvimento da nacionalidade tão
cara a outros povos. Temos visto aqui sempre a construção de barreiras para
evitar a conquista da sociedade a se dar pelo domínio do conhecimento sobre o
que representa no concerto das nações.
Em ano eleitoral – pelo nível do debate que se instala,
mais repetição que novidade – não vemos manifestação de compromisso além do
asseguramento da busca por cargos e funções. Disputas insossas de idéias,
vertente de mera conquista do poder pelo poder.
O “22 de abril’ dos versinhos cantados da infância nem
mesmo são lembrados, tão lançados foram ao mais recôndito da lembrança, mais
fixados pelo ‘cansaço’ atribuído ao estudar como se aprender fosse um estorvo.
Em nível de memória vivemos estágio de insanidade mental.
As experiências que poderiam ter sido exitosas
fadaram-se ao esquecimento assim que ultrapassados os limites temporais das
gestões que as desenvolveram, sempre destruídas por aqueles que Eça de Queiróz –
pelo heterônimo Fradique Mendes – em carta a Eduardo Prado tratou como “senhores
do Brasil”; os que “em vez de terem escolhido esta existência que daria ao
Brasil uma civilização sua, própria, genuína, de admirável solidez e beleza... abandonaram os campos,
correram a apinhar-se nas cidades e romperam a copiar tumultuariamente a nossa
civilização européia, no que ela tinha de mais vistoso e copiável”, gênese de
estar este país coberto de instituições alheias “quase contrárias a sua índole
e ao seu destino”.
A observação de Eça de Queiroz ainda nos cala fundo, os
que nos imaginamos defensores de uma identidade nacional, em valores
autóctones, ainda que antropofagidos (como ilustraram os modernistas): “No dia
ditoso em que o Brasil, por um esforço heróico, se decidir a ser brasileiro, a
ser do novo-mundo – haverá uma grande nação. (...) pode contar com um
soberbo futuro histórico, desde que se convença que mais vale ser um lavrador
original do que um doutor mal traduzido do francês”.
O duro, caro leitor, é que Eça de Queiroz registra suas
observações há quase 150 anos, nos 80 do século XIX. O que nos deixa indagar sobre o que
mudou de lá para cá. Certamente a substituição, apenas, das referências
colonizadoras.
Vendo na rede a manifestação de educadores mineiros
contra a gestão de seu estado lembramos do que anda a propagar um seu filho que
aspira a presidência da república. Não conseguiu fazer algo pela educação ao
tempo em que governou Minas Gerais. E deseja transformá-la em nível de Brasil.
Nenhum dos que se propõem a ‘mudar’ o país se afasta dos
compromissos com os “senhores do Brasil” de que fala Eça de Queiróz. Aí reside
a contradição, inconciliável: a de prometer o impossível; de servir a Deus e a
Mamon simultaneamente.
Em sede de exercitar o instrumento ‘educação’ como
ferramenta revolucionária, temos que compreendê-los. Afinal, afirma – como profecia
interpretada dos escaninhos legados pelos ‘senhores do Brasil’ – o educador
Paulo Freire: “Seria uma atitude muito ingênua esperar que as
classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitissem às
classes dominadas perceberem as injustiças sociais de forma crítica”.
Assim estamos em nível de oposição: no mato sem cachorro
– como diria vó Tormeza. Por isso não
conseguem seus próceres deslanchar, ainda que a candidata que se lhes opõe tenha perdido pontos em avaliações recentes.
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