No teatro da vida
I Ato
Cultivamos o hábito de reler revistas antigas, ainda que recentes. Sem intenção específica sempre encontramos referências comparativas, principalmente em conteúdo econômico e político. Ativando o costume nos debruçamos sobre uma Carta Capital de fevereiro de 2008 (nº 483) e logo nas primeiras páginas a Brasiliana (de Maurício Dias) publicava um texto assinado por Roberto Schuman - O juiz, a polícia e o malandro - onde relatadas as agruras sofridas depois de abordado sem motivo algum por policiais do Core do Rio de Janeiro numa segunda-feira de carnaval quando telefonava ao celular para a namorada nos arredores do bairro da Lapa.
Como questionara a razão da abordagem foi de imediato preso "por desacato" e algemado. Por indagar se entendiam o que era desacato ouviu resposta que o deixou preocupado: "Até o DP a gente inventa, se a gente te levar pra lá". Diante do risco se disse juiz federal e mesmo localizada sua documentação funcional depois de algemado, foi jogado no camburão. O périplo terminou na delegacia, depois de humilhações e pedidos de desculpa que não foram aceitos.
Dispensamo-nos de ampliar detalhes do relato e ficamos com a conclusão do juiz federal Roberto Schuman: "Se como juiz federal fui ameaçado por três homens de farda preta com pistolas automáticas, algemado e jogado como um bandido na mala de um camburão, simplesmente por tê-los repreendido, de forma educada, como convém a qualquer pessoa de bem, o que aconteceria a um cidadão desprovido de autoridade e conhecimento de seus direitos?"
II Ato
Agentes penitenciários do presídio federal Antônio Amaro Alves, em Rio Branco, no Acre, torturaram Wesley Ferreira da Silva, de 27 anos, deixando-o tetraplégico e cego, como denunciou o Blog da Amazônia, reproduzido em http://www.pco.org.br/nacional/preso-fica-cego-e-paraplegico-apos-tortura-/aiej,b.html
III Ato
A organização não governamental Human Rights Watch, analisando dados levantados entre 2 de janeiro e 31 de dezembro de 2012, alerta para o fato de que 95% dos feridos em confronto policial (379), dos transportados pela polícia, morrem no trajeto (360), levantando a possibilidade da existência de execuções extrajudiciais em São Paulo, como denunciado em http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-07-29/organizacao-alerta-95-dos-feridos-em-confronto-policial-transportados-pela-policia-morrem-no-trajeto
IV Ato
A comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, procura por Amarildo, abordado por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora local e se encontra desaparecido desde 14 de julho apesar de antigo morador, com família (tem seis filhos) e familiares residentes no local há décadas.
Reflexão
Como não aceitamos apenas rezar - solução sem resultados neste plano material - preferimos transitar em torno de circunstâncias que fazem este "país de São Saruê" levar à ribalta, em pleno século XXI, cenas da variadas crueldades - morais e físicas.
Afirmam estudiosos que uma política norteia a atuação de nossas polícias: foram e estão preparadas para a da defesa das elites, encasteladas no poder do Estado, contra o inimigo natural - povo. Sem maiores aprofundamentos no terreno da Sociologia não estamos distante de compreender tal análise como assertiva absoluta.
Tempo houve, não tão distante, que a nomeação de delegados de polícia eram quota de políticos, com a função precípua de dar efetividade ao princípio 'aos amigos tudo, aos inimigos a lei". Aos amigos, a condescendência e a tolerância; aos inimigos, a palmatória.
Não se nomeiam delegados - hoje de carreira - como quotas político-partidárias, pelo menos em tese. Mas a atuação das polícias permanecem em passo de cágado na busca da lição de que existem para proteger a sociedade e o cidadão em particular.
Não terem ainda - e não sabemos quando ocorrerá - tomado conhecimento de que a lição as espera leva-nos a todos do andar de baixo a viver a circunstância teatral. Como plateia ou ator e vítima da tragédia cotidiana que envolve de Schuman a Amarildo, de Amaro Alves aos falecidos no trajeto entre a prisão e o hospital.
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