E ferradura
Não nos importa o mérito em sua dimensão
jurídica, tampouco o princípio da igualdade de todos perante a lei em particularizada
hermenêutica. A isonomia expressada pelo ministro Luiz Roberto Barroso para
negar o pedido da defesa de José Genoíno não encontra sustentação na própria
premissa do princípio da igualdade porque o fez sob o prisma da abstração e não
do reconhecimento de que cada fato é um fato a ser regido pela norma abstrata. Aí
sim, submetido à regra jurídica.
Para Sua Excelência a condição de José Genoíno – no plano
patológico – é idêntica a de outras centenas de presos. Sob esta vertente seria melhor juiz estender ou abrir precedente aos demais o que acatasse em relação a Genoíno.
Naquele particular o ministro Barroso refletiu o entendimento em matéria de
doença como se fosse ciência exata, matemática: como dois mais dois são quatro,
elevada pressão sanguínea nas artérias traduz uniformidade hipertensiva de forma idêntica em todo e qualquer indivíduo, submetido ou não a cirurgia reparadora do sistema circulatório.
Partiu de elementar exemplo de analogia (todo homem é mortal – José é homem – logo, José é mortal) para aplicá-lo ao caso concreto.
Para Sua Excelência todo
hipertenso tem as mesmas e idênticas circunstâncias patológicas razão por que
todos são iguais.
Não será demais exigir do julgador que traduza de forma simples o
exercício de sua função: aplicar a lei ao caso concreto. A lei é abstrata –
define uma conduta típica censurável em relação a qualquer que a viole – mas exige
que cada caso seja submetido a uma análise específica, pesando e sopesando
todos os senões para definir – em relação àquele caso concreto – a circunstância
particular que justifique a sua aplicação. (Não fosse assim, a previsão para
aplicação de pena não seria variável, tampouco haveria atenuantes e
agravantes).
No caso específico de
Genoíno – ainda que especialistas tratem de sua doença como de natureza grave,
a exigir diferenciado acompanhamento no curso do tratamento, o qual não se
afinaria com o ambiente de confinamento e segregação, ter passado por cirurgia
e correr risco de embolia ou hemorragia em razão de oscilação em seu índice de
coagulação – não está o ministro Barroso obrigado a acatar pareceres técnicos
específicos (médicos) ou processuais (o Procurador-Geral da República entendeu
factível a concessão do quanto pedido pela defesa do ex-deputado).
O que nos leva a refletir como temerária em sua postura é o fato
de tomar o geral (existência de outros apenados com similar doença) para o
particular (um caso/doente específico). Em outras palavras: não julgou a
circunstância individual de um doente em si, mas o ponderou numa unidade de
um universo estatístico.
Remonta à Atenas, na Grécia do século VI a.C. as primeiras noções
do princípio da isonomia, sustentado desde alhures no tratamento desigual para
o desiguais.
No universo da doença a patologia encontra conceito universal
(igualdade) mas o doente o é em cada caso, em sua singularidade (desigualdade).
Daí porque razoável entender-se que a desigualdade deve ser tratada
desigualmente.
E mais nos veio à análise que aqui fazemos. Volvemos a setembro de
1981, quando presente na Comissão de Direito Penal do I Congresso Brasileiro de
Política Criminal e Penitenciária, em Brasília, discutindo a reforma da Parte
Geral do Código Penal, que veio a se materializar em lei três anos depois.
Dentre as inúmeras teses defendidas uma nos chamou a atenção: a Do
Livramento Condicional Piedoso, do então juiz federal Jones Figueirêdo Alves,
de Pernambuco. Partia ele da premissa de que tendo a pena objetivo de reintroduzir
o apenado no meio social não fazia sentido que, estando em estado terminal,
permanecesse preso até que na cadeia morresse. Propunha, então, o ‘livramento
condicional piedoso’ (por dois anos), instrumento pelo qual o condenado em tal
estágio de vida pudesse sair da prisão para viver seus últimos dias fora da
cela.
Não pretendemos afirmar que José Genoíno esteja em tal estado.
Tampouco que faça jus ao que pretendia a sua defesa. No entanto, causa espécie
que doença tenha se tornado conceito matemático.
Como tudo que envolve a AP 470 ainda se encontra submetido à pressão midiático/maniqueísta temos assim que o ministro Barroso – ora relator da dita ação – sob o olhar desta mídia, ao analisar pedidos de trabalho externo pode ter-se visto no dever de preservar o STF. Pode não ter se sentido plenamente liberto da vigilância. Para fazer mais justiça entendemos que produziu também menos justiça. Precisava de um Judas. Encontrou-o em Genoíno.
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