quinta-feira, 26 de junho de 2014

Cravo

E ferradura
Não nos importa o mérito em sua dimensão jurídica, tampouco o princípio da igualdade de todos perante a lei em particularizada hermenêutica. A isonomia expressada pelo ministro Luiz Roberto Barroso para negar o pedido da defesa de José Genoíno não encontra sustentação na própria premissa do princípio da igualdade porque o fez sob o prisma da abstração e não do reconhecimento de que cada fato é um fato a ser regido pela norma abstrata. Aí sim, submetido à regra jurídica.

Para Sua Excelência a condição de José Genoíno – no plano patológico – é idêntica a de outras centenas de presos. Sob esta vertente seria melhor juiz estender ou abrir precedente aos demais o que acatasse em relação a Genoíno. 

Naquele particular o ministro Barroso refletiu o entendimento em matéria de doença como se fosse ciência exata, matemática: como dois mais dois são quatro, elevada pressão sanguínea nas artérias traduz uniformidade hipertensiva de forma idêntica em todo e qualquer indivíduo, submetido ou não a cirurgia reparadora do sistema circulatório. 

Partiu de elementar exemplo de analogia (todo homem é mortal – José é homem – logo, José é mortal) para aplicá-lo ao caso concreto.

Para Sua Excelência todo hipertenso tem as mesmas e idênticas circunstâncias patológicas razão por que todos são iguais.

Não será demais exigir do julgador que traduza de forma simples o exercício de sua função: aplicar a lei ao caso concreto. A lei é abstrata – define uma conduta típica censurável em relação a qualquer que a viole – mas exige que cada caso seja submetido a uma análise específica, pesando e sopesando todos os senões para definir – em relação àquele caso concreto – a circunstância particular que justifique a sua aplicação. (Não fosse assim, a previsão para aplicação de pena não seria variável, tampouco haveria atenuantes e agravantes).

No caso específico de Genoíno – ainda que especialistas tratem de sua doença como de natureza grave, a exigir diferenciado acompanhamento no curso do tratamento, o qual não se afinaria com o ambiente de confinamento e segregação, ter passado por cirurgia e correr risco de embolia ou hemorragia em razão de oscilação em seu índice de coagulação – não está o ministro Barroso obrigado a acatar pareceres técnicos específicos (médicos) ou processuais (o Procurador-Geral da República entendeu factível a concessão do quanto pedido pela defesa do ex-deputado).

O que nos leva a refletir como temerária em sua postura é o fato de tomar o geral (existência de outros apenados com similar doença) para o particular (um caso/doente específico). Em outras palavras: não julgou a circunstância individual de um doente em si, mas o ponderou numa unidade de um universo estatístico.

Remonta à Atenas, na Grécia do século VI a.C. as primeiras noções do princípio da isonomia, sustentado desde alhures no tratamento desigual para o desiguais. 

No universo da doença a patologia encontra conceito universal (igualdade) mas o doente o é em cada caso, em sua singularidade (desigualdade). Daí porque razoável entender-se que a desigualdade deve ser tratada desigualmente.

E mais nos veio à análise que aqui fazemos. Volvemos a setembro de 1981, quando presente na Comissão de Direito Penal do I Congresso Brasileiro de Política Criminal e Penitenciária, em Brasília, discutindo a reforma da Parte Geral do Código Penal, que veio a se materializar em lei três anos depois.

Dentre as inúmeras teses defendidas uma nos chamou a atenção: a Do Livramento Condicional Piedoso, do então juiz federal Jones Figueirêdo Alves, de Pernambuco. Partia ele da premissa de que tendo a pena objetivo de reintroduzir o apenado no meio social não fazia sentido que, estando em estado terminal, permanecesse preso até que na cadeia morresse. Propunha, então, o ‘livramento condicional piedoso’ (por dois anos), instrumento pelo qual o condenado em tal estágio de vida pudesse sair da prisão para viver seus últimos dias fora da cela.

Não pretendemos afirmar que José Genoíno esteja em tal estado. Tampouco que faça jus ao que pretendia a sua defesa. No entanto, causa espécie que doença tenha se tornado conceito matemático.

Como tudo que envolve a AP 470 ainda se encontra submetido à pressão midiático/maniqueísta temos assim que o ministro Barroso – ora relator da dita ação – sob o olhar desta mídia, ao analisar pedidos de trabalho externo pode ter-se visto no dever de preservar o STF. Pode não ter se sentido plenamente liberto da vigilância. Para fazer mais justiça entendemos que produziu também menos justiça. Precisava de um Judas. Encontrou-o em Genoíno.

No plano da justiça preferiu dar uma no cravo e outra na ferradura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário