domingo, 17 de julho de 2022

Os sinais

 

Não são bons os sinais. Nenhum que mereça registro para a história. A violência propagandeada  se avança porque revela e expande o retido do primitivo do homem  preocupa porque encontrou vazão com a fissura na represa da razão que a continha.

Este primitivo, latente  guardado no mais profundo da psique  acomodado no degrau mais primitivo de evolução do cérebro (que salvou no hipocampo registros para a defesa da sobrevivência quando em fase pretérita), liberado pelas laterais daquele guardião (hipotálamo) refletido na impetuosidade e descontrole emocionais  e que fora superado no curso do processo civilizatório nos últimos dez milênios através do conhecimento aprimorado, discutido, dialetizado, aplicado ao cotidiano  reencontra o traçado para retorno às trevas.

Estamos há pouco mais de mês de um trágico registro histórico. Naqueles 23 e 24 de agosto de 1572 a intolerância e os interesses envolvendo o poder desencadearam uma matança de huguenotes (protestantes) sob a égide do catolicismo monárquico francês, disparado a partir da invasão da residência e assassinato do almirante Gaspard II de Coligny, líder huguenote, por um fanático chamado Maurevert.

Entre 5.000 a 30.000, os que sucumbiram à selvageria. A desculpa imediata dos agressores: evitavam um golpe de estado. Ou seja, a manutenção e controle do poder temporal sob o crivo do pensamento religioso católico que se disse ameaçado pelo calvinismo francês.

450 anos são passados. No presente não nos incomoda o número de sacrificados, mas a possibilidade.

Não são bons os sinais. Os tempos são outros, as forças  também de outra natureza – chegam ao poder e dele não pretendem se afastar. Nem mesmo admitem uma derrota pelos mesmos meios que as elegeram.

Não são os huguenotes as vítimas no presente. Parte dos que os seriam, hoje algozes, pregam o nada de amor cristão e mais o ódio contra o que tanto clamou Cristo. Clamam dos púlpitos contra as instituições; rezam abençoando armas; e mais: o ódio enaltecido por meio de ações cantadas em muitos púlpitos não somente busca assegurar a permanência de estruturas de poder, mas a manutenção de espaços em que a cornucópia oficial destina recursos aos privilegiados que “ouram” juntos.

Os sinais não são bons. Nada salutares.

Os efeitos do malefício propagandeado há poucos anos  antes localizado  está alcançando os redutos os mais distantes e distintos: do Rio Grande do Sul à Amazônia, do Paraná ao Nordeste. Há sempre um cantinho onde brota como não quer nada, de onde jorra sangue aos borbotões. Um 1572 pátrio, este o sonho.

E aqui, bem perto de nós, passamos a vivenciar o que imaginávamos distante, conversa de noticiário sensacionalista.

Ali, em Itapetinga.

“Itapetinga  Terra Firme, Gado Forte”. Desde os primeiros instantes da então famosa e referencial Exposição Agro-Pecuária e Industrial de Itapetinga, nos anos 50 do século passado (que se tornou nacional poucas décadas depois), a legenda ocupou as mentes e traduzia sinal do progresso por que passava sob o comando de administrações exemplares, que cuidaram sempre de colocar os interesses do município acima dos individuais.

A pecuária itapetinguense, ainda que abalada pelo processo de industrialização, mantém Itapetinga no panteão de municípios referenciais no país. Perdeu espaço nos gráficos de Economia, mas não o respeito originário.

Mas, eis que o instante por que passamos faz lançar Itapetinga no noticiário nacional. Não pela grandeza e grandiosidade de sua pecuária, mas pela estupidez humana. Simbólica e metaforicamente perfeita para os atuais tempos: um vídeo registra um guarda municipal, usando farda, com arma em punho, que ameaça e espanca um estudante, sentado em um banco sem esboçar qualquer reação. Insatisfeito em não encontrar o álibi que provoca para coroamento de sua vocação agressora  assessorada pelo filho, que lhe segue o exemplo de espancar  ainda bate mais vezes na vítima indefesa.

Há 450 anos a intolerância campeava leve e solta. Revelada por D. W. Griffth no filme ‘Intolerance’ (1915), também denunciando o que acontecia em seu país. Hoje está se tornando lugar comum; avançando, no entanto, como asteroide em rota de colisão com o bom senso que deveria nortear as autoridades, que em vez de combatê-la a exaltam e a propagam como salvação da pátria.

Não, os sinais não são bons.

E pior ficam, porque estamos nos acostumando com tudo a ocorrer, como se barbárie fosse expressão de Civilização. E já não bastam a histórica intolerância de classe, que impõe o aprofundamento da desigualdade como política de Estado, e a manutenção dos históricos ‘criminosos’ de sempre  negros, indígenas, miseráveis outros sem-terra, sem teto e sem comida e quem os defenda  a serem erradicados como erva daninha, como os huguenotes do século XVI, na que será nossa Noite de São Bartolomeu.

Caminhamos para assistir não uma matança para ‘evitar um golpe’, mas para consumá-lo em favor dos que “ouram” em nome de uma divindade que não pode ser chamada de Deus.

Não, os sinais não são nada bons!


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