Houve tempo em que o processo eleitoral alimentava-se de proposições. Vem sendo construído, no entanto, um distanciamento distinto de seu mister primordial. Ora nos parece ter se tornado um instante de oportunismos. Não mais a emissora de rádio ou de televisão ao lado dele como mecanismos de entendimentos e confluência na formação de juízos de valor em torno deste ou daquele candidato, deste ou daquele partido político. Atropelada pelo sistema de comunicação – possível a qualquer um que porte um mísero celular – a proposição perde-se diante da realidade: vencer o pleito. Uma contradição então se impõe: não mais a proposição como instrumento para vencer o pleito, mas a vitória para implantar a proposição.
Um jogo no escuro – muito mais briga de foice e de facão no escuro – que perdeu a logicidade que manteve durante tanto tempo, e as circunstâncias exigiam, para tornar-se aventura pura e simplesmente.
A história político-eleitoral, à luz
de certos resultados, comprova a afirmação acima, basta ver o nível de certos
eleitos, alguns sem história alguma além do reduto que controlam (mesmo por
meios espúrios e indecorosos) e que passaram a ocupar o panteão nacional. E nem
falemos de outros métodos nada edificantes por trás de alguns resultados
vitoriosos.
A ideia como eixo da proposição perdeu
sentido. Em meio ao ácido diluidor do lugar nenhum a ideia tornou-se contrapeso
insignificante. Que dizer do idealismo?
À falta de proposta vale tudo.
Qualquer pronunciamento sem pé e sem
cabeça circula como se fora originada de gênios, de estadistas que ajudaram a
construir a Ciência Política durante séculos. Dispensa o discurso equilibrado,
teórico, em torno da realidade à qual submetida a sociedade como expressão do
avanço civilizatório. Um “Deus nos acuda!”
O anedótico em Millôr Fernandes
tornou-se lugar comum para uma parcela considerável da inteligentzia que ocupa a rede: “Às vezes você está discutindo com
um imbecil... e ele também”. Páreo duro.
Não mais há ideologia elaborada,
experimentada, conceituada, defendida em razão do que contém de aprimoramento
para inspirar e corresponder aos destinatários a materialização de um sonho.
Não há como imaginar-se, hoje, utopias, sonhos e quimeras a serem
experimentados.
Qualquer sílaba elaborada torna-se de
imediato ideia a ser reconhecida/imposta. E a rede leva adiante e a
conveniência massifica, torna em gênio um idiota.
O país perdeu o bonde das inspirações.
Não mais o tríduo básico desenvolvido há, pelo menos, dois séculos: esquerda,
centro, direita. Basta ver o balaio de partidos políticos no Brasil.
Destituídos de compromissos ideológicos, indefinidos enquanto meios de ações
propositivo-administrativas, muitos dos que alcançaram registro nas últimas
décadas nada mais são que feudos deste ou daquele grupo que conseguiu atender
às exigências da Lei dos Partidos Políticos e obteve registro e direito ao um el dorado chamado Fundo Eleitoral. Para
muitos um meio de renda, de sobrevivência financeiro-particular.
E nem falemos dos que se fundem, ou
dos políticos que mudam de lado conforme o soar da cornucópia.
Em meio à ausência de talentos, a
tanto desperdício subsiste como mote de campanha a agressão, o apoio ou
desapoio sob o prisma do que eu gosto.
Sob esse particular aspecto, a qualidade de apoios começa a não ser considerada sob o peso do que representam as ideias, mas por ser simplesmente apoio. Recentemente o estágio de decadência chegou ao ponto de aplaudir quem utiliza o corpo (em todas as vertentes) para minimizar a representação feminina no concerto da sociedade. Para nós – que nos perdoem os que aplaudem, se nos leem – um estereótipo da banalização da mulher como objeto de consumo.
Sim, caro e paciente leitor, presumindo o exercício da política sob patamares ideológicos entender ditos apoios sob a vertente aritmética (mais um) nega os mais comezinhos princípios exigidos para a conformação de nomes que efetivamente possam representar a sociedade no quesito administração pública. Não esquecer que hoje vivemos o resultado de tão lamentável experiência.
Estamos naquela de pouco nos importar
para a negação científica, a necessidade de entender e discutir as lutas de
classe, muito menos tentar compreender (para superar) a alienação adredemente
elaborada para garantir ao sistema a perenidade que nega o processo político, do
qual o eleitoral é pedra angular.
Mas, a irracionalidade não fica
escondida. Avança, avança, avança...
O que dizer de analistas de plantão
avaliando pesquisas? Na Bahia uma singular expressão (perdoada pelo aforismo de
Otávio Mangabeira), diante do crescimento apresentado em determinada pesquisa
para um quase desconhecido tornado candidato ao governo quando vinculado ao
candidato Lula saiu-se com a pérola de que sem a ‘vinculação’ quase não
pontuava. Esqueceu-se (e a conveniência o ampara) de explicar a razão por que
de seu candidato perder tantos votos quando algum dele adversário vinculado
está a Lula.
Detalhe que esta turma esbaldou-se
citando FHC como seu apoiador quando se tornou imbatível no imediato do sucesso
do Plano Real, hoje restado apenas pela moeda que originou, porque nada mais além
disso, não fora algumas configurações de fraude no uso de seu sucesso, tanto
que (por falta da imperativa e gradativa desvalorização do câmbio, que a
realidade exigia) mantido o foi para assegurar a reeleição de FHC e no imediato
despencou levando o Brasil a viver das migalhas oferecidas pelo FMI propostas
em troca das ‘reformas’ neoliberais traduzíveis em privatizações, privatizações
e mais privatizações.
E estamos diante de um processo
eleitoral vivenciado sob a égide de muita mentira, pouca verdade... E, para não
perder o mote de indecorosa tradição, bundas balançando.
Não estão na mesa dos debates a
discussão de proposições, mas as arrumações. E aplausos para qualquer medíocre
por haver apoiado este ou aquele nome.
Como registramos anteriormente à falta
de proposta vale tudo. Que nos alcança com cara de um verdadeiro vale-tudo.