domingo, 31 de dezembro de 2023

Juca Chaves presente

 

Em instantes como o presente em que o ‘instante’ é percebido instantaneamente não dá para jogar embaixo do tapete por muito tempo o que se esconde para disfarçar realidades.

Em 1960 Juca Chaves lançou “O Brasil Já Vai À Guerra” (liberado em 1961) criticando a recente aquisição do governo brasileiro do porta-aviões Minas Gerais, que diziam uma quinquilharia obsoleta para a Inglaterra tornada símbolo de poder bélico imensurável para o país sob os aplausos dos ‘patriotas’ de então.

Nunca se soube de guerra alguma encetada pelo Brasil (a não ser aquela a serviço da Inglaterra para promover a intervenção no Paraguai atendendo aos interesses britânicos e que levou ao genocídio da população masculina do vizinho, visto que à época restaram apenas 4% dela). Mas lá estava o Minas Gerais à espera do nada em lugar nenhum.

Não falemos aqui da custosa manutenção das Forças Armadas dispostas sempre para uma guerra imediata consumindo bilhões anualmente retirando parte da comida que os programas sociais poderiam ampliar.

Mas, eis que a patriotada vê oportunidade para um embate glorioso. Afinal, podemos ser levados a intervir em defesa da ‘soberania’ territorial diante de uma ameaça da Venezuela à Guiana (a antiga Inglesa).

E para lá deslocados equipamentos e bucha de canhão.

Em outros tempos saberíamos da nossa capacidade bélica através de fotos de nossos temíveis blindados.

Mas...

Lá estão ao vivo, muito à distância, o potencial de que dispomos.   

Não ria – tampouco chore – caro e paciente leitor. Apenas reze para que tudo fique como está para ver como é que fica.

Mas não custa nada dar umas boas gargalhadas. Para alegria da passagem de ano.

Ah! Não deixe de ouvir Juca Chaves!

domingo, 24 de dezembro de 2023

Pedidos em aberto

 

Ensinaram-nos a pedir bens materiais como reconhecimento ao nascimento de um ser especialíssimo, que dataram – conforme o atual calendário – como vindo a este planeta de todos nós no dia 25 de dezembro. 

Teria nascido em uma estrebaria e agraciado com a surpresa de pastores, ovelhas, vacas e jumentos. Iluminado por uma Estrela Guia.

Antes do contemporâneo ensinamento durante séculos alimentou a esperança de milhões por um mundo melhor. Lembrado através da reprodução do cenário simples em que nasceu que lhe deram por nome presépio, trazido por São Francisco de Assis em 1223. 

A instalação de um deles em qualquer espaço remetia de imediato à lembrança de um Salvador para a Humanidade para quem viesse a seguir suas mensagens, todas pautadas, antes de tudo, no Amor.

Eis-nos que neste 2023 - passados oito séculos da lembrança franciscana não vemos como – humanista e humanitariamente – comemorar. 

Quase no limiar da noite sagrada somente uma família – em meio a um punhado de crianças dentre outras mais de cinco mil que já sucumbiram – perdeu 76 de seus membros bombardeados por viverem próximo aonde nasceu o Salvador e o local estar no centro de ambições que contrariam a mensagem deixada por Aquele.

E corremos por ruas e praças em busca de uma manjedoura. 

Porque “A poesia, como os poetas, não morre” (Jean Cocteau) restaram-nos versos de pedidos em aberto:

            Ubuntu 

 

“Eu sou porque nós somos” – Ubuntu

diz a sabedoria Xhosa, ensinando

a todos o valor e a importância

da solidariedade como razão

 

Não há maior lição que isso

compreender e praticar no dia a dia

a singularidade universal de que

nada somos, como ser, sem o outro

 

Esquecida lição, nem mesmo aprendida

por tantos, os muitos que se apropriam

da razão que nos faria aperfeiçoados

destinados a alegrar o Deus da Criação

 

Afinal, “Como um de nós pode ser feliz

se todos os outros estiverem tristes?”

                                                  o-o-o

                

  Século XXI

 

No presépio de então

a infância tenra

o armava conforme a tradição

Avenidas e ruas de papelão

da fonte correndo água

lantejoulas cintilando

no céu de papel

Nele a manjedoura refletia

da penúria exibida

o sorriso da Redenção

Os magos reis

caminhando

 um pouco a cada dia

Tudo no mais ali

somente completava

a mais pura devoção

 

Não mais o presépio de então

nada lembra a tenra infância

armando sadia tradição

 

Na manjedoura não há a santa penúria

tão somente exibição em fúria

de hodierna ostentação


domingo, 17 de dezembro de 2023

Revendo prévias

 

Hábito de final de ano: rever e programar. Para este escriba de província o rever se tornou a melhor forma de perceber o que muito provavelmente virá. Assim, fomos buscar os alfarrábios arquivados, nada mais que a contemporânea forma de ‘folhear’.

Revisitamos figuras de primeiro plano midiático, hoje no ostracismo (mas, com a missão cumprida dentro de seus propósitos). Recomendamos a (re)descoberta de alguns adiante.

Naquele Dezembro de 2012 publicamos Epifania no blog, material que já circulara em nível nacional através do GGN.

E no final de mês e ano enaltecíamos a criação do Vale Cultura 

Em dezembro de 2013 reencontramos aquele ministro do STF “Caindo no laço” no Alguns destaques 

Mas de melhor lembrança O rescaldo com o que poderia ser uma conclusão de Tia Zulmira (personagem pontepretana) em relação a uma experiência científica denominada eletroconvulsoterapia (ECT)

Em 2014 destacamos Trilha sonora e os Destaques do De Rodapés e de Achados. 

Em 2015, muito a dizer em duas recomendações: Destaques (I) e Destaques (II) 

Em 2016, nos fartamos de ‘profetizar’ os dois anos seguintes em ReaçõesOs Novos Limites da Fome  e Peru da vez 

Por enquanto aqui ficamos. Cremos que alguma análise possa nascer. E possível concordância com este escriba de província de que REVER é PREVER.

Ainda que a postagem pareça curta há muito que ler!


domingo, 10 de dezembro de 2023

Mingau de café

 

No 16 de dezembro faria 103 anos; faleceu sem alcançar os 64. Da mais nobre estirpe sertaneja. Não por honrarias de família, títulos ou brasões. Mas pela intrepitude em decorrência da vivência naqueles confins de mundo, à época muito menos assistido que hoje. Por ali e além  aprendeu a traduzir os lajedos como natural à crueza do ambiente. E quem não o fizer sucumbe.

Nascer por ali exige marca na testa em ferro em brasa como mensagem a ser lembrada diante de um espelho: sobreviver é tudo. Sem faltar o “Se Deus quiser”! – porque Ele se tornou  dos púlpitos único caminho para tudo ‘desculpar’ do que o semelhante por aqui causa ao semelhante.

Multípara, com sete sobreviventes: dos nove, um levado aos dois meses; outro nasceu na terra quando já no Paraíso.

Fazia milagres com o quase nada. De invejar economistas, que só sabem teorizar em torno da acumulação da riqueza, porque em seus vocabulários nenhuma palavra há sobre a escassez como sinônimo de fome, onde a vítima participa tão somente como unidade estatística.

Desenvolveu singular técnica para atender as necessidades familiares em nível de Vitamina C: uma laranja espremida, tornada laranjada, e o bagaço levado ao próprio estômago. A laranjada desdobrava-se em tantos copos ou meio copos até o limite de atender os filhos.

Quando terminava o cozer, a lavagem dos pratos de esmalte, de carrear água da cisterna para o encher de potes e moringas, hora de cuidar da banca dos que estudassem e logo o pedalar na velha máquina Singer para costurar os retalhos e torna-los em colchas, cobertas ou cerzir as roupinhas dos filhos. De vez em quando um vestidinho, um calçãozinho.

Nunca se viu nela uma lamúria, um desassossego.

Tampouco alimentou ‘papai noel’ algum. Tanto que aprendemos a assistir os visitados escolhidos pela lenda debruçados no batente das janelas quando amanhecido o dia. Até que esquecêssemos que não fôramos visitados pelo velhinho porque, muito provável, desobedientes quando insistimos em ficar acordados a sua espera para agradecer por tudo.

No rádio da vizinha, “seja rico ou seja pobre, o velhinho sempre vem” abafava o alarido da alegria infante exibindo bonecas, carrinhos, bicicletas, bolas, brinquedos vários.

Mas havia algo mais.

Sabido e consabido que carne seca – quando dispõe –, rapadura e farinha de mandioca são o milagre dos peixes que faz sobreviver no sertão caatingado e resseguido.

Para ela, outro milagre: quando tudo faltava – do dinheiro ao que comprar – café e farinha. Reunidos naquele manjar dos deuses chamado mingau de café.

O mingau de café de Adelaide.

A “mãe e heroína” que nos levou “à compreensão mais extrema do significado de saudade”.*

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*Extraído da dedicatória levada ao romance Amendoeiras de Outono (Via Litterarum, 2ª edição, 2013).

domingo, 3 de dezembro de 2023

Eis mais um dezembro!

 

Mais um final de ano; simplesmente mais um dezembro. Até 753 a.C. constituía o decimo mês do antigo calendário lunar romano de 354 dias até a intervenção de Numa Pompilio (753 a.C.-673 a.C.), segundo rei de Roma, que o submeteu ao calendário astronômico de 365 dias, definido de uma vez por todas pelo Calendário Gregoriano, editado pelo Papa Gregório XIII (1502-1585), autor da canetada pontifícia em fevereiro de 1582, e que aí está desde então.

Nele (dezembro) a Igreja Católica celebra o Advento, a devoção especial ao Coração da Imaculada Conceição e ao Menino Jesus.

Mais um dezembro chegando. E quase nada lembrado em razão de suas origens na Roma Antiga, e muito pouco pelas efemérides que abarca.

Em nível de religiosidade a figura do Menino Jesus, definido como nascido no 25, resume-se às celebrações religiosas, mais e mais escassas de gente porque a cada ano vão passando ao largo a caminho do horizonte marinho.

Todo registro acima, em que pese milenar, foi atropelado por um senhor originado na Lapônia, hoje mais buscado que Jesus recém-nascido. Que trilha o planeta em seu trenó puxado por renas para corresponder aos ‘pedidos’ que lhe são feitos durante o ano.

No plano histórico a “bondade” que marca o velhinho tem origem no monge turco que viveu no século IV, de quem Noel herdou o “saco” (do qual, conta a lenda, São Nicolau lançou as moedas de ouro aos pés do pai para garantir a liberdade de uma filha prestes a ser vendida).

Mas, eis mais um dezembro! Que de novo traz além da mercantilidade que acomete o Natal de Papai Noel e faz mais a alegria de quem vende do que de quem recebe presentes?

O espírito natalino não mais é propagado como mensagem cristã, de reflexão em torno das mensagens do Messias, pautadas no amor ao próximo. Mas como mais um evento comercial através do qual ‘dar presente’ realiza a Felicidade.

Neste nada augusto ano de 2023 o coroamento se vê não só em aumento de miseráveis planeta a fora; também em mais morte de crianças de forma estúpida, determinada pelos novos Herodes. Qualquer que seja a idade basta que estejam no outro lado dos interesses em jogo. Hoje como ontem, anteontem... até com napalm e agentes químicos desfolhantes.

Lucram os mesmos senhores da guerra ou das fábricas “de ilusão”.

E Papai Noel ‘distribuindo presentes’

E você, Papai Noel, agente de enganação, vendendo o Diabo como se fora Deus, dando(?) presentes como se Felicidade o fora. Que desconhece o que realmente uma criança precisa.

Você, “bom velhinho”, não dimensiona o papel que representa “de vender ilusão pra burguesia”* e causar desesperança e tristeza para os que não dispõem de pouso para o seu trenó: sim, aqueles “meninos pobres da cidade” que não sabem “do desprezo que vancê tem pelos humildes”*. Nem mesmo percebe que alimenta até doenças e males outros, como observou uma criança no caso (verídico) registrado abaixo:

Tratou-se de Yan, num destes shoppings da vida: no alto da sabedoria dos seus seis aninhos, diante de uma bala doce (bombom) oferecida pelo ‘bom velhinho’, dispensou-a, justificando:

– Obrigado, Papai Noel! Doces estragam os dentes!

Sim, Papai Noel, ‘doces estragam os dentes’, como você ‘estraga’ vidas em lares destituídos de pouso para o seu trenó, faz esquecer que certo dia uma criança nasceu na manjedoura para anunciar ao mundo que nos amássemos uns aos outros como a nós mesmos.

Mas não deixa ao desamparo as corporações que mercam ilusões e faturam com as catástrofes que produzem à revelia do Homem/Humanidade.

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*”Brinquedo de Papai Noel”, de Aldemar Paiva.