domingo, 30 de agosto de 2020

Perdemos o país para os donos da força

 “Eu já perdi o meu país e preciso encarar isso todo o dia” (no 247). A declaração de Márcia Tiburi dimensiona o clima de desencanto que acomete parcela de nossa gente, diante de um editorial da Folha de São Paulo pondo sob idênticos pratos de uma balança o inquilino do Alvorada e a ex-presidente Dilma Rousseff.

E nós outros – não bastasse tal proceder do jornal dos Frias – acompanhamos a decisão do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) que determinou o arquivamento de uma representação contra Deltan Dallagnol por conduta funcional indevida no caso do power-point por ele alardeado onde punha – e exibia com tudo que o sensacionalismo permitia (horário nobre, Jornal Nacional na TV Globo etc.) – o ex-presidente Lula como “chefe de quadrilha”.

Sabido e consabido que – afastados o “eu acho” e os “fatos indeterminados” – nada se provou contra o ex-presidente, razão por que aquela manifestação de Dallagnol em horário nobre ao vivo e em cores configura típico abuso no exercício da função dirigido a outras finalidades, quais sejam político-partidárias.

Mas, a postura corporativa do CNMP não permite. Aquele órgão, que deveria exercitar a transparência, ser exemplo para outras instituições de como deve se comportar o servidor público diante da sociedade, apenas – quando chamado a se manifestar em torno de casos como o de Dallagnol – exerce o “eu tenho a força”.

Não tenha o caro e paciente leitor, no entanto, como um fato isolado a postura do Conselho Nacional de Justiça. Reverbera o que ocorre com outros órgãos, sejam da magistratura, do ministério público em todos os níveis, do Poder Legislativo. Nem mesmo os tão referenciados militares tidos – para alguns – como patronos da ética: se o fossem o Tribunal Militar não teria absolvido o inquilino do Alvorada da prática de terrorismo nos anos 80 do século XX. Ao contrário: em vez de puni-lo agraciou-o com uma reforma/aposentadoria precoce aos 33 anos de idade.

Como falar no CNJ sem lembrar que o STF guarda decisão em torno da suspeição de Sérgio Moro? Ambos – Moro e Dallagnol – corromperam o sistema judicial em sede de apuração e julgamento, mas... estão aí lépidos e fagueiros. Não nos esqueçamos daquele “Fachin é nosso” para demonstrar que, efetivamente, estamos no mato sem cachorro.

Tenhamos a certeza de que vivemos em um país de instituições que se apresentam/exibem como típica reprodução daquele personagem dos desenhos que atraía a criançada nos anos 70 – He Man – e repete para que todos não somente ouçam, mas tenham a certeza: “Eu tenho a força”.

Patrimonialismo e meritocracia fazem valer a história desta gente nesta terra brasilis desde o imemorial de sua existência e reconhecimento históricos. Neles a hereditariedade como praga singular: a que não se espalha, apenas se concentra e não deixa ninguém se aproximar do feudo que encastela seus membros.

Onde uns poucos todo poder abarcam restando ao povo as migalhas. Magistrados, militares, Ministério Público, políticos, auditores fiscais vivem fechados em suas castas, cada vez exigindo mais não só a manutenção de privilégios, mas a sua ampliação. Não há país que suporte!

Não há pais que suporte, sim!

Inclusive tolerar um grupo hegemônico de mídia ditar o que este o aquele deva fazer, onde inclui na lista de seus cães amestrados o Poder Judiciário (salivando pavlovianamente com acenos de matérias em seus órgãos – jornais, revistas, rádio e televisão).

Editorial de O Globo (do 247) reverbera a bílis: “Não se deve esquecer o sólido conjunto de provas contra o ex-presidente”.

Ora, caro e paciente leitor, padecem os processos contra Lula justamente de prova consistente sustentada na verdade real. 

No caso do tríplex (aventado pelo editorialista) é justamente o que não existe: prova. Tanto que o julgador (à míngua de elementos que comprovassem a versão da denúncia) colocou cágado no topo da árvore e aproveitou para criar a jabuticaba do “fato indeterminado””, uma variante do “eu acho”, para sustentar a condenação que partiu justamente de uma denúncia amparada em matéria de O Globo que especulava através de fake News a propriedade do tríplex em favor de Lula, que nunca pertenceu a ele e que a OAS entregou à Caixa Econômica Federal, seu atual proprietário

Não há quem aguente, caríssimo leitor.

Apenas “encarar isso todo o dia” e repetir com Tilburi: “Perdi o meu país”.


domingo, 23 de agosto de 2020

Apostas e certezas

Fazemos parte daquela parcela da sociedade que nega a autoajuda como panaceia para tudo. Entendemos o que representa a energia mental – hoje comprovada em dimensão quântica – e o quanto significa o que a compreensão humana em torno dela possa obter. Certamente já não temos somente a relatividade para explicar muito do que desconhecíamos há tempos não tão distantes dentro do atual processo civilizatório.

No quesito autoajuda incomoda-nos, sobremodo, o sistema de mercado imposto através dela: de livros a palestras, cursos e quejandos outros. Desde Dale Carnegie (1888-1955) e seu “Como Evitar Preocupações e Começar a Viver”, publicado em meados dos anos 30 do século passado, o tema enche as burras dos que sábia e mercantilmente souberam se valer do óbvio.

O tema, em razão do uso que lhe é dado, muito se aproxima de o compreendermos sob o expresso por Karl Marx (1818-1883), em Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, norteado por Feuerbach (1804-1872), a religião como um “ópio”.

Cabe-nos entender que não é em si a religião ou autoajuda o problema mas a forma como se lhe aproveitam. Ou seja, o que resulta da intervenção/criação humana, inclusive no plano sublimativo.

O universo que a tudo sustenta está na base da pirâmide sócio-comportamental e desta os bilhões desembolsados por milhões sem que – à luz de uma análise no tempo – tenhamos percebido efetiva mudança no planeta e sua civilização.

Acomodemo-nos, neste instante, a uma espécie de “assim caminha a humanidade”; a frase posta na versão para Giant, escrito por Edna Fermer (1885-1968), filmado por Georges Stevens (1904-1975) dirigindo James Dean, Elizabeth Taylor, Rock Hudson e Carol Baker (1956), Lulu Santos compondo e cantando (1994) e Dercy Gonçalves (1907-2008) repetindo-a como chavão num de seus impagáveis filmes (que ora não lembramos o nome). E continuamos a caminhar em busca das soluções “de fora” quando estão dentro de nós sem que despejemos nosso dinheirinho de cada dia sem a correspondente ‘conversão’, porque não há o que ser “convertido”, mas “compreendido”.

No fundo, caro e paciente leitor, por tal confundir somos uma civilização no pano verde: uns em volta, jogando; outros, ganhando. Onde certezas se nos chegam em meio às apostas que fazemos porque não falta quem veja na sorte uma verdade insofismável, a ser buscada.

Como esta terra brasilis em tão singular instante.

Uma aposta concreta, como carta política (aqui), foi jogada e hoje os milhares de mortos pelo Covid-19 se tornam apenas o “azar” de quem perdeu a partida. Em meio ao jogo, enquanto estes milhares (até agora) perdem a partida e a eles outros são acrescidos, certezas vão se consolidando, entre elas o lance mais temerário, encarnado no inquilino do Alvorada e sua trupe mambembe sem saber onde amarrar a lona e o burro.

E, para ocupar o tempo de nada fazer – ou dizer – de um membro de primeiro instante vem a público com mais uma de suas singulares mensagens, ‘ilustrando/explicando’ em torno da pedofilia. Em entrevista à BBC, em dezembro de 2019, ilustra aquela “que viu Cristo na goiabeira”: “Tem abuso que é prazeroso para a criança, porque o pedófilo sabe como tocar, onde tocar".

Diante de (mais um) estarrecedor caso de pedofilia, que resultou em gravidez de uma criança de 10 anos, abusada desde os seis, vem à rede aquela declaração como se atual, porque a atualidade se tornou constante. O trágico tanto se repete como aposta que se torna verdade.

Posto diante do fato recente, acima posto, a declaração soa como impropério às milhares de famílias atingidas pela pedofilia.

Mas, aí está o busílis, caro e paciente leitor: estamos nos habituando ao macabro, em todas as dimensões. A declaração da Ministra em dezembro passou e passava ao largo até que retirada do contexto temporal do ontem (2019) para o hoje (2020). E caminhamos para até descobrir que a ministra encontrará seguidores como o encontra o inquilino que a chefia.

O que é verdade o é por sê-lo, lecionava Aristóteles (385 a.C.-323 a.C.). O que não o é torna-se, quando muito, dúvida. A verdade como certeza tem, portanto, contraponto na dúvida. A dúvida é materialização da incerteza, jogado sobre o pano da mesa de apostas, como aventura.

Neste cassino proliferam os manipuladores – lideranças ditas cristãs e autores de autoajuda embalando seguidores – afirmando certezas e as pondo na mesa para as apostas.

E o que antes fora apostas agora são certezas. Na balbúrdia cotidiana, prenhe de aberrações, legitimadas por omissões das instituições, vivemos em meio a tantos ópios o mais tupiniquim deles: o presente institucional, onde presidente e quejandos que o seguem refazem conceitos.

O Brasil aí está para confirmar.

domingo, 16 de agosto de 2020

“Em razão da sua raça” cada um ultrapassa a Era da Razão de seu jeito e maneira

 Há três anos registrávamos neste espaço (Às favas / Nulidade I e Nulidade II) em torno do risco de desmoralização da operação Lava Jato, inda que sua proposta correspondesse a anseios da sociedade. Não fora a primeira vez em que alertávamos para os abusos e violações aos estatutos normativo-processuais ali praticados, o que – afirmávamos – levaria em instante próximo à declaração da impropriedade de seus usos que mais estavam a se voltar para um projeto de natureza político-partidário-eleitoral.

Nossas deduções se baseavam nas notícias veiculadas que nos chegavam. Nunca vimos a grande imprensa (escrita ou televisada) tocar na ferida. Ao contrário, aproveitavam-se para consumar os efeitos do projeto do golpe de 2016 e que se aperfeiçoava para consumação plena de seus objetivos, todos contrários aos interesses nacionais.

Pipocam – inclusive dos meios que a alimentaram, imprensa e judiciário – as denúncias por causa de tais abusos e muitos já reconhecem a possibilidade concreta da declaração das nulidades deles decorrentes e mesmo a anulação de processos e condenações neles amparados.

Mas, caro e paciente leitor, não custa repetir o Cristo do Calvário: Consummatum est (Está consumado). Declare o STF conivente que abusos houve e nada fará mudar o que está feito.

Cabe-nos hoje enfrentar, apenas, e lutar, no limite do possível contra a lava de maldades que o vulcão tupiniquim lança sobre nós.

E neste viés vamos percebendo – com o coração constrangido – que a batalha até agora perdida lega para os presentes e gerações que advirão sequelas as mais terríveis.

Valemo-nos do que nos chega noticiado para alimentar a conclusão: um menino de 8 anos (com necessidades especiais) preso e algemado nos Estados Unidos (GGN); um réu primário condenado a 14 anos, pelo agravante – ao que deixa transparecer o texto da sentença – de ser “seguramente integrante do grupo criminosos, em razão de sua raça” (Migalhas); e o sucesso que vem alcançando o inquilino do Alvorada em meio ao povo, ainda que com parcela considerável de responsabilidade pelas mortes por Covid-19, que se aproximam de 110 mil.

Difícil entender como uma criança de 8 anos, ainda que em plena normalidade mental, possa compreender a atuação estatal pela sanção que a acomete em razão de algo que cometeu. E não entramos na barbaridade do ilícito cometido (analise-o o leitor).

No mesmo viés de entendimento, como uma magistrada – que se presume haver lido pelo menos alfarrábios de Sociologia e de Antropologia – exercite o ‘ato falho’ que a expõe racista ao lavrar uma sentença condenatório-criminal.

Quanto ao inquilino do Alvorada nada de mais neste ‘ao Sul do Equador’. Mesmo porque o Covid-19 – pode ter percebido – torna-se um aliado que não o questiona.

O que a denominada esquerda não parece entender neste instante – tanto que (para citar o uruguaio Mujica) mais se preocupou em criar consumidores em vez de cidadãos – é que os consumidores permanecem ávidos por consumir. Sob tal detalhe – não há como negar – o Auxílio Emergencial agrada e convence bem mais que o Bolsa Família. E, ainda que seja proposta da oposição, o inquilino surfará como seu timoneiro e os dados estatísticos demonstram estar capitalizando o que não propusera.

Ou seja, a oposição tende a perder a batalha para que seja reconhecida como autora do que já atribuem redutor ímpar de desigualdade (Globo através do 247) não pelo discurso mas para a realidade. Resta saber se os discursos em tribunas e os jargões de décadas trarão os convertidos ao ‘messias’ para aceitar serem pares de caminhadas de protesto quando envolvidos estão com as compras nos supermercados.

Por outro lado, mais preocupada com o imediato, certamente nem mesmo tem refletido no que dizia Dom Hélder Câmara, apoiado em Santo Agostinho: “Um homem de barriga vazia não tem como acreditar em Deus”.

Ainda que distante 2022 – não se iluda o caríssimo leitor – se outros fatos (visíveis e plausíveis) não se materializarem, no quesito ‘programas sociais’ Lula perderá para o inquilino.

As lições da história ainda persistem. Houve o tempo de obras contra as secas engordando o latifúndio às custas da miséria nordestina. O Covid-19, alimentando o inquilino, deixa a esquerda a ver navios e os hodiernos coronéis aplaudem.

No mais, aqui, ali e alhures “Em razão da sua raça”, com a interpretação que lhe seja dada, ultrapassamos em definitivo a Era da Razão.

Cada um de seu jeito e maneira.

domingo, 9 de agosto de 2020

Aposta com a vida alheia quando “não é momento para isso”

 Evidentemente o que – técnica e formalmente – seria chamado de governo do inquilino do Alvorada, apenas no quesito combate ao Covid-19, há muito está à deriva. A aposta política, copiando o deus que idolatra (Trump) deu errado. E ficamos naquela de termos visto o jogador apostar o dinheiro que deveria entregar ao credor e perdeu tudo. Só que no caso do jogador há uma dimensão moral que não vemos no inquilino: de, pelo menos, arrepender-se de haver apostado ou introjetar nos limites de sua consciência o cometido.

Reportagem da Piauí, repercutida em comentário de Cruvinel publicado no 247, mostra a quantas anda o ‘jogo’ neste Brasil perdido nas águas turvas em que se encontra a piscina democrática.


“Reportagem da revista Piauí, divulgada nesta quarta-feira (5), destaca que Jair Bolsonaro teria comunicado a ministros militares que iria designar tropas para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 22 de maio, após o ministro Celso de Mello pedir parecer à Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre uma possível apreensão dos telefones celulares do ex-capitão e do filho, Carlos Bolsonaro.  ‘Vou intervir’, teria dito Bolsonaro na ocasião.

   

“Bolsonaro queria mandar tropas para o Supremo porque os magistrados, na sua opinião, estavam passando dos limites em suas decisões e achincalhando sua autoridade. Na sua cabeça, ao chegar no STF, os militares destituiriam os atuais onze ministros. Os substitutos, militares ou civis, seriam então nomeados por ele e ficariam no cargo ‘até que aquilo esteja em ordem’, segundo as palavras do presidente”, diz a reportagem assinada pela jornalista Monica Gugliano. 


A ideia de intervir no STF foi feita uma reunião com os ministros militares Walter Braga Neto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional. A decisão teria sido bem recebida por Luiz Ramos, mas Braga Netto e o general Heleno teriam argumentado o contrário. ‘Não é momento para isso’, teria dito o ministro do GSI”.

Somente tal fato acontecendo em ‘repúblicas de banana’ para não repercutir como deveria. Por que assim indagamos? Por uma razão elementar: em jogo a democracia ou o que dela nos resta em nível de fachada. Tanto que, para o general, a pretensão é concreta: mantê-la é uma questão de tempo e de oportunidade.

O que nos cabe registrar transita entre um e outro fato – neste final de semana em que superamos 100 mil óbitos vinculados ao Covid-19: apostam com a vida alheia quando “não é momento para isso”.

Em suas pretensões o inquilino do Alvorada – assim nos parece – parece enxergar benefícios diante de tantas mortes, porque os vivos beneficiados pela tragédia através de programas sociais podem reconhecer nele o salvador de que necessitam.

Então chegará o “momento”.

Quando restarão os que forem vacinados (se não faltarem seringas – alerta da OMS).

Certamente não os povos indígenas, que caminham para a extinção, iniciada com o enterro de quase uma dezena de seus chefes (Carta Capital).

domingo, 2 de agosto de 2020

Cumpre-nos começar a rezar... pelas mortes a que estamos nos acostumando

Este escriba de província não se faz adepto dos que apelam a Deus para que não ocorra o que não é culpa d’Ele. A grandeza e bondade divinas – caso pudessem ser sopesadas – residem justamente no fato de nos haver dotado de um detalhe que nos torna sapien sapiens: entender e raciocinar em torno do que somos, do quê e do porquê fazemos, das consequências por fazê-lo, a compreensão de que sabemos o que sabemos. Ou seja, nos legou o livre arbítrio, a capacidade e a consciência de escolha em torno do que queremos e desejamos. 

Obviamente este “querer” nisso que chamam de Civilização não pode ser entendido restritivamente. Aí estão – de líderes religiosos a líderes políticos – os que conseguem impressionar e conduzir outrem a segui-los, a neles acreditar, a mesmo por eles matar e odiar o semelhante.

Em nível de Brasil as coisas estão a agravar-se. Não se afirme que por termos governantes que se espelham em quem não devia ser exemplo. Talvez aí também a razão por que o país caminha a passos céleres para um desastre humanitário sem precedentes. Mas não somente isso: a indiferença à dimensão de catástrofe vai ocupando as mentes. Aqui, como ali, em quem nos espelhamos. A pandemia não mais assusta. Está apenas matando.

Em sede de moradia do Covid-19 o Brasil vive o clima oferecido ao vírus nos Estados Unidos: por lá os dados não permitem falar em onda primeira, segunda etc.; é onda sobre outra. Nelas o vírus surfa a cavalheiro.

Em 22 de março (aqui), tomado de indignação registrávamos:


“Na Itália programam deixar morrer os idosos acima de 80. Aqui, não necessários os octogenários, nonagenários etc., porque os pobres e desvalidos de sempre estão dispensados de qualquer programação. Apenas engrossarão as covas rasas dos cemitérios, longe das estatísticas oficiais.

 

Porque por aqui não há necessidade de medidas oficiais que ampliem o obituário. Não nos faltam peças (in)significantes da classe dominante para – mesmo sabendo estar portador do Covid-19 colocar seus amigos de São Paulo no mesmo jatinho e vir infectar a gente humilde de Trancoso, em Porto Seguro.

 

A pandemia que assusta o planeta corre por estas plagas montada no alazão chamado ‘perversidade’, orientado por ginete chamado ‘incompetente’.”

Os que afirmam havermos alcançado o denominado platô – o pico, o máximo – que nos levaria à redução de infectados e mortos não encontram amparo para afirmação. Para alcançarmos o primeiro milhão de infectados levamos cerca de quatro meses; em apenas 27 dias (menos de mês) mais que dobramos aquele número. Mantida a média, precisaremos não mais que 22 dias para alcançarmos outro milhão e de menos disso para dobramos os atuais pouco mais de dois milhões. Na esteira o número de mortos. Em 17 de maio (Dia seguinte II) registrávamos haver passado de mil óbitos diários. 70 dias depois a média mantém-se, encorpando-se para 1.100.

Um mês antes, no dia 19 de abril (aqui), comentamos em torno do patético apelo do governador da Bahia pedindo o óbvio. Naquele espaço publicado parte de mensagem lida pelo prefeito de Entre Rios-RJ, tomando por base orientações do Ministério da Defesa, onde sinalizada a preocupação com a disponibilidade (não de hospitais) de “cemitérios, sepulturas e capacidade de sepultamentos diários”.

No dia 12 do mesmo abril (aqui) havíamos registrado:


O mundo continua apreensivo exigindo medidas restritivas à circulação de pessoas como instrumento imediato para evitar contágio. O Brasil tinha, neste domingo, 22.169 casos confirmados e 1.223 mortes pelo Covid-19 (avanço, em um dia, de mais 1.442 novos casos e 99 mortes). Na segunda, 6 de abril, tínhamos, respectivamente, 11.281 e 487. Ou seja, em seis dias praticamente dobraram os casos confirmados e quase triplicadas as mortes. Caso mantidas as atuais restrições à locomoção e considerando o período de risco concreto, que pode ir ao início de junho, ao final das próximas duas semanas (final de abril), mantida a projeção acima, poderemos registrar mais de 60 mil confirmações de contágio e o risco de ultrapassarmos 5 mil mortes.”

Pois é caríssimo leitor: naquele dia 6, início de abril, tínhamos em torno de 11.200 casos e 487 mortes, dobrados os casos de infecção e triplicadas as mortes em apenas uma semana transcorrida. E alertávamos para o risco de cinco mil óbitos logo, logo. Já estamos à beira das vinte vezes mais em apenas 100 dias percorridos de lá para cá.

Assim, os que estamos preocupados desde o final de março vemos assustadoramente o trilhar do Covid-19 no lar que se tornou para ele ideal, esmerado à perfeição. Em quatro meses o quadro mais se agrava. Dantesco.

Nada temos a dizer, porque tudo que dissermos se torna cansada repetição. Reconheçamos que a pequenez anestesiou o país e tornou habitual e normal o que evidentemente não o é. A indiferença está a vencer pelo cansaço e pela teimosia. São tantas as mortes nesta terra brasilis (de fome, de bala em confrontos com a polícia, de quadrilhas entre si, de índios, de negros e pobres de periferias, de doenças outras etc.) que nos habituamos a ela e alguns milhares mais começam pouco a dizer. E assim será em relação ao Covid-19 até que surjam os efeitos de uma vacinação em massa.

O mês de julho fechou com mais de 92 mil mortes. Mais de um terço delas apenas no juliano. Em menos de uma semana ultrapassaremos as 100 e, pelo andar da carruagem – considerando que a média de infecção já supera as 50 mil diárias – “ninguém segura este país”. 

Nos próximos três meses mais que dobraremos o número de infectados para alcançarmos entre 7,5 a 8 milhões e elevaremos o número de mortes ao nada glorioso patamar de 200 mil. E, se não houver vacina, o Natal de 2020 será de choro e lamentação para cerca de 270 mil famílias.

Diante do dantesco que se nos acomete cabe-nos implorar por orações.

Não para que Deus interceda em relação ao que nunca legou. Nem mais para que nos livremos do mal que nós mesmos causamos, aceitamos e a ele nos tornamos indiferentes.

Mas pelos mortos... que não podem falar.