domingo, 26 de novembro de 2023

Filosofia sob a égide da negação

 

Não aventamos, para sustentar nossa digressão, por discorrer em torno das dezessete páginas para o verbete Filosofia, do Dicionário de Filosofia, de Nicola Abbagnano (edição revista e ampliada da Martins Fontes, São Paulo, 2007, 1210 p.), envolvendo sua compreensão e reinterpretação conceitual no curso dos últimos 2.600 anos.

Tudo, no entanto, que ocupou gênios e estudos tantos, não nos afasta do primordial pitagórico-platônico, tão atual como a realidade palpável de então. Afinal, ‘amor pela sabedoria’ perceptível apenas pelo ‘ser humano consciente’ de suas próprias limitações, através da qual o manuseio da investigação ‘da dimensão essencial e ontológica do mundo real’ como meio de ultrapassar ‘a opinião irrefletida do senso comum que se mantém cativa da realidade empírica e das aparências sensíveis’. Ou seja, um chamado ao estudo de questões gerais e fundamentais atinentes ao homem em sociedade sobre a existência, valores, razão, conhecimento, mente e linguagem.

Tudo posto como problemas a se resolver a partir da dúvida como fonte: POR QUÊ?

Ultrapassados dois e meio milênios aqui estamos diante de indagações que incomodam além do homem ‘consciente’. Acrescidas das conquistadas no curso dos séculos.

A consumação da negação se extrai da escorreita resposta ao porquê da acumulação material, por que de tanta riqueza em mãos reduzidas em detrimento da expansão da "sabedoria". Uma resposta que Voltaire (1694-1778) se dispensou de refletir/verbetear em seu Dicionário Filosófico.

Destinado o Homem à Felicidade, no curso da evolução histórica – eis o presente orientando futuro inexorável – descamba para negar-se a tudo que lhe foi disposto, existência controlada e submetida aos interesses parcos e de insignificância aos valores e à razão. Por quê?

O desrespeito à Natureza – em todas as dimensões – agravado pelo avanço ao pouco de que depende o planeta; guerras intermináveis (alteram-se os palcos) sacrificando crianças, mulheres, idosos; fome acometendo cerca de 1 bilhão, segundo dados da FAO (somente em 2022 mais 122 milhões) e mazelas et caterva.

Folheando páginas várias nos vimos descobrindo – em meio a este 1 bilhão famélico – que 2,6 mil bilionários concentram/detêm o controle sobre US$ 12 trilhões (uma bagatela, de 60 trilhões na moeda tupiniquim), que pagam a ‘fortuna’ de 0,5% de impostos, segundo Jamil Chade, no UOL.

Não há resposta ou teoria que justifique o avanço científico confrontado com a degradação da espécie como um todo: moral e materialmente.

Avançamos tanto em dimensão tal que já denominamos o processo de destruição do planeta, em decorrência do estágio de evolução humana, dando vezo a uma nova era geológica: a do antropoceno. Ou seja, a artificialidade desenvolvida pelo homem ‘engolindo’ a Natureza, em torno da qual perdeu o senso do quanto dela depende e quão insubstituível o é, assumindo-se como a grande ameaça para o planeta. 

Não bastando, esgotamos os limites de oferta da Natureza à sobrevivência e caminhamos – a passos muito muito largos – para o singular estágio de concentração de toda a espécie nesta “cápsula de Petri” em que tornamos a Terra. Afinal, último estágio/etapa da valiosa contribuição ao antropoceno, vitória inexorável do artificial sobre o natural, da qual nada levaremos.

Como antecipação do necrológio que se avizinha, para os organismos da ONU que acompanham a Sobrecarga da Terra (The Earth Overshoot), o limite se esgotou no último 22 de julho deste nada augusto ano.

Filósofos reconhecidos no curso da vida e da história – que se despertaram para o “amor pela Sabedoria”, “humanamente conscientes” etc. etc. etc. –  mantêm a pergunta milenar: POR QUÊ?

Resta-nos – nada mais – retornar às origens da Filosofia para desenvolvermos a teoria da negação aos seus postulados.

Certamente através da Inteligência Artificial o que ora denominam aquilo que artificializa o pouco de inteligência que nos resta.


domingo, 19 de novembro de 2023

Escrever ou reproduzir

 

A não publicação de duas postagens permanece por fruto de reflexão atropelando este escriba de província. Certa angústia em duvidar se o que levaria ao leitor seria, além de sua avaliação pessoal, uma imposição de caráter dogmático ou ideológico diante do que assim o é neste Ocidente publicado.

Privando os estimados leitores das elucubrações costumeiras nos debruçamos sobre alfarrábios em andamento, dentre eles “E assim os copia os homens”, tentativa de explicar o Cosmos através da província sob a égide do tempo.

Difícil o enfrentamento – se não reconhecermos como desistência – aos temas que pululam em uniformidade com o pensamento expresso. Afinal, em tempos em que não se mais percebe a diferença entre o sabor do pão de uma padaria e outra, entre a farinha de mandioca artesanal e a industrial, que a locomoção individual se perfaz do envaidecimento em relação ao veículo que exibimos e não em relação ao custo benefício, sentimo-nos como peixe fora d´agua e o oxigênio mais e mais escasso.

Lições pretéritas no curto pretérito deste existir registrado nos encaminham para compreender a grandeza que representamos como espécie escolhida, privilegiada. E nada mais!

Do nada ao fogo milênios; do fogo à destruição por um dos usos do átomo dominado algumas insignificantes décadas.

Os que morríamos por doenças e desnutrição várias aos 20 ou 30 anos há um século alcançamos possibilidades concretas de vida centenária, tanto avançamos cientificamente.

Crianças alcançavam o milagre de sobreviver quando completavam cinco anos. Que, por ironia, hoje escapadas da morte por doenças várias morrem estupidamente sob o cutelo da doença contra a qual não conseguimos vacina: ambição e poder.

Não percamos tempo pessoal em sacrificar o tempo do leitor afeito aos nossos sortilégios...

Busquemos o prólogo da obra acima referenciada o que pensamos lecionar sobre esta espécie que ainda não se encontrou e cada vez mais e mais se perde:

Mas o homem, em sua puída dimensão sapiens sapiens, impõe-se cronológico, ainda que perdida molécula na poeira da relação espacial: gasta-se para ir daqui para o ali, o acolá; do esperar, um pouco ou mais. Não basta o claro, o escuro; tampouco dia, noite. Precisa cerzi-lo ao alvitre do giro das engrenagens construídas como inexorável à sobrevivência e a ele se escraviza sob o ritmo dos segundos e, desconhecendo os anos-luz, aprisionado no túnel em que o conceitua. Do tempo em que se afirma existir nada mais que convenção materializada em segundos, minutos, horas, incapaz de reconhecer a nanotecnologia que o sujeita”.

Não fora assim o que configura crianças serem amputadas sem anestesia e clamarem desesperadas pelos pais que não mais verão?

Um punhado – dirão os algozes – de insignificantes seres que por desdita nasceram em Gaza encerrados atrás dos muros há duas décadas, sem futuro.

Dispensados estão de memoriais às vítimas de genocídio, como na Bósnia ou Ruanda (lições não aprendidas), erguidos por cúmplices comuns. Os de sempre.

Que em cada vala onde lançam uma criança sapiens sapiens vítima de guerra enterram o muito pouco que resta do que denominaram Civilização. 

Daí porque, nesta angústia que nos acomete, não mais sabemos quando escrever ou reproduzir.