26 no Rio, 21 no Texas. Lá, terra de
referência para o faroeste; aqui o sonho de torna-lo. Não à toa, somente de
abril de 2019 a abril de 2022 as importações de armas e munições alcançaram crescimento de 145,3% (GGN).
Nos Estados Unidos levantam-se vozes
contra o armamentismo, inclusive a do presidente daquele país. No Brasil, não
bastasse o silêncio obsequioso dos armamentistas e os panos quentes postos por
agentes de mídia que defende tais interesses, o inquilino do Alvorada aplaude
publicamente a operação que matou (mais uma vez) na ‘Cidade Maravilhosa’ e
avisa que pedirá informações sobre a “câmara de gás” inventada por agentes da
Polícia Rodoviária Federal em Sergipe.
No filme “Paraíso” (2016), dirigido por Andrei Konchalovsky, personagem de alta patente, coronel da SS (Helmut, vivido por Christian Clauss), fiscalizando um campo de concentração, revela o que muito o incomodou: o chão se mexendo em razão dos corpos ainda vivos sepultados nas grandes valas tentando escapar da morte que não se consumara sob o zkylon. Uma denúncia – dentre tantas – dos desdobros da tragédia levada pelo nazismo na busca por limpeza étnica e extermínio de povos como o judeu. As câmaras de gás foram a solução final. Asfixiavam milhares diariamente sob a batuta de um insano. Todos lembram de tal instante e de quão trágico e triste memória o foi.
Mas, que dirá o paciente e estimado
leitor deste escriba de província diante de cena filmada e que circulou pelas
redes de integrantes de uma patrulha da Polícia Rodoviária Federal, em Sergipe
que, não satisfeita em deter o abordado, fecha-o no fundo da viatura e nele uma
bomba de gás acionada, prendendo com a porta a perna daquele que agoniza
(balançando-a na tentativa desesperada de salvar-se), enquanto o gás sufoca o
detido?
Não tenhamos que tal comportamento
seja política de Estado como o foi o extermínio de povos e etnias preconizado pelo
nazismo como solução final. Mas, postura consciente de criminosos travestidos
de policiais.
Resta-nos a indignação, porque é
inconcebível que tal aconteça no improviso de criminosos a soldo do Estado
brasileiro.
Estranha-nos, no caso concreto, apenas
o ‘afastamento’ do exercício das funções (certamente as externas) quando
deveriam, em razão do flagrante e da comoção causada, serem imediatamente presos
em flagrante através de mandado expedido judicialmente.
Somos peremptoriamente contra o uso de
armas, a não ser por quem autorizado em razão de sua função institucional
(polícias e Forças Armadas). Ainda que registros como Carandiru (São Paulo),
Escuderia Le Cock (Espírito Santo), Candelária (Rio de Janeiro), Vila Moisés,
no Cabula (Salvador) revelem ações questionáveis e que vão além do exercício
institucional da função. Por sinal, gente que sonha com a “excludente de
ilicitude” como salvo-conduto.
Não abrimos espaço para argumentações
que digam respeito à segurança privada como justificativa. Para nós coisa de
outros tempos, primitivos, de quem se utilizava de armas para impor a própria
lei.
Partimos do pressuposto de que muito – ou quase tudo – do que há de violência ou agressão (salvo àquelas de natureza patológica) não existiria caso não houvesse o enraizado ‘espírito’ de conquistar e ter, o que desperta a cobiça como finalidade última no âmbito da sociedade contemporânea. E de que tal se materializa sob o cutelo da força.
Por outro lado, também acreditamos que
não há mal que não esteja a servir aos interesses dos que o controlam. Sempre
alguém ganhando. Uma indagação aqui se impõe, apenas para ilustrar: existiria a
comercialização de drogas se alguém não ganhasse dinheiro com elas?
E não se diga que são os traficantes
os beneficiados. Até porque ‘traficantes’ são definidos sempre os que estão nas
periferias (os destinatários das operações policiais), nunca os que traficam a
partir de onde moram: Leblon, Barra, Jardins etc. etc. etc.
Somos contra qualquer tipo de arma,
porque a arma é o instrumento da opressão para corresponder ao interesse do
opressor. Razão por que somos contra a guerra em qualquer dimensão.
A propósito, no dominical anterior
aventamos em torno de “2001: uma odisseia no espaço”, de Stanley Kubrick. Dele
nos vem apoio a este registro, da Aurora do Homem, sob o poema sinfônico “Assim
Falou Zaratustra”, de Richard Strauss: a descoberta pelo homem primitivo de um
osso (fêmur) que o desperta para utilizá-lo como instrumento de ataque (através
do seu uso conquista alimento e território).
Fácil perceber que no mais profundo do
inconsciente humano as raízes da violência, manuseada socialmente sob as mais
diversas vertentes.
E o mais grave: a indiferença. O que
antes nos estarrecia torna-se lugar comum, nenhuma reação compatível. Que o
digam candidatos, ministérios públicos etc.
O que dói é perceber que milhões de
anos depois – quando nos afirmamos Civilização – avançamos um pouco mais no
quesito violência: do osso à câmara de gás improvisada no fundo de um veículo
da Polícia Rodoviária Federal.