domingo, 31 de maio de 2020

Duas sílabas no Brasil sufocado

Dedicamos este dominical aos milhões de Ruy do Carmo Póvoas.

Amparamo-nos nas decepções. Estão elas no curso das horas diárias. Em escalas distintas – às vezes diversas – mas presentes, ferindo, incomodando como tumor latejando.

Postagem no facebook de um respeitado mestre matura reflexões neste escriba de província:

Amigos e Amigas

Vivemos tempos difíceis. As redes sociais se tornaram uma arena onde galopam as ideias mais absurdas. Para além disso, pessoas que sempre se estimaram, se consideraram, de repente se descobrem tão antagônicos que os pilares da amizade ficam estremecidos.

A essa altura da minha vida, perder ou dilacerar uma amizade será impossível recuperar, tendo em vista que já estou na última idade.

Não quero me desfazer de amizades. Conforme escreveu Jorge Amado a amizade é o sal da vida.

Assim, por estratégia, vou me ausentar por um tempo das redes sociais, a partir justamente deste momento.

Confesso que sentirei falta dos dizeres de muitos e muitas de vocês. Mas na ordem natural das coisas, e na vida dos humanos, tudo tem um tempo adequado para acontecer.

Grande abraço, e até mais.

Ruy Póvoas

Eis o que vivemos: tempos difíceis, tempos muito difíceis. Que levam a lucidez à renúncia da comunicação social para que não perca amizades. 

É o que expressa o professor Ruy do Carmo Póvoas, reverenciado e referenciado pesquisador da cultura afro, poeta e escritor de mancheia.

Eis a revelação do ponto a que chegamos. De tempos nebulosos expressados por mentes vazias.

Muito triste descobrirmos que aquele tão próximo a nós, respeitado, considerado parceiro, amigo de prosa e bate-papo não mais nos reconhece ou nos respeita quando defendemos nosso ponto de vista, porque não admite conviver com a diversidade.

Muito triste descobrirmos que tantos que imaginávamos integrantes da Humanidade trabalham contra ela.

Muito triste evitar para não ampliar novos reconhecimentos centrados na estupidez mais estúpida.

Muito triste descobrir que ausentar-se se torna única saída para evitar desfazimento de amizades.

Muito triste – muito triste, mesmo – saber que tais personas estão por aí disseminando ódio e inimizade sem justificativa alguma, defendendo uma “supremacia” em nada fundada, a não ser na exclusão pura e simples do outro que não pense o que e como pensa.

Não bastasse, em meio a tantas decepções nos descobrimos diante de duas sílabas de palavras chamadas ao palco: MI-LI. Em uma, para militares; em outra, para milícias; uma, protegida pela lei; outra, sobraçando a marginalidade. 

A primeira, corporação à qual incumbe a defesa da soberania e das instituições republicanas (estatuídas na Constituição).

A segunda, inserida inclusive no imaginário de parte daquela e levada à termo por quem deveria ser a ela contrário, passou a ocupar espaço nas redes digitais difundindo o ódio ao outro que não comungue com seu ‘pensamento único’ (ferindo a Constituição). Que se veste de camisas e tochas e se arma para eternizar-se e ocupar o Estado criando um ‘estado’ dentro do país (prenhe de bolsões de alienígenas deserdados), marchando como Ku Klux Klan, ferindo de morte uma democracia em estertores. Que encontra mentor em quem não deveria sê-lo por dever de ofício/função. Estarrecendo homens dignos como o professor Ruy do Carmo Póvoas.

Eis o país em que vivemos. Que nem mais imagem tem no exterior e vê o chefe da nação como moleque de recado de outra nação, encantado como ninja e a declarar publicamente seu amor por quem a dirige, que tornou esta terra brasilis no país em conflito, jogando com vocábulos que começam com as mesmas duas sílabas para ver o que acontece.

Enquanto a humilhação ocupa o vértice de uma pirâmide construída sobre os restos de um país que até recentemente sentava ao lado dos grandes da terra e hoje é motivo de escárnio, tudo – até aqui – caminha sob o silêncio dos que têm a lucidez como bússola.

Silêncio atropelado nas redes sociais que se tornaram arena para galope de ideias absurdas, criando entre pessoas que sempre se estimaram e se consideraram um  antagonismo digno do Coliseu, onde lançados às feras e aos gladiadores os pilares da amizade  e da fraternidade.

Como contraponto um outro silêncio, dos 30 mil mortos, que se multiplicarão sob a égide de profecia apocalíptica, no país sufocado, como aqueloutro...

domingo, 24 de maio de 2020

Este Brasil de Gregório

De uma coisa não podemos deixar de reconhecer no atual governo: muito breve – pelo andar da carruagem – o Brasil será o epicentro do Covid-19 no planeta, já tendo alcançado o segundo lugar em número de infectados e mortes. E uma outra vitória: os militares da reserva apresentam-se para a sociedade como voz das Forças Armadas; não sabemos se quem efetivamente detém a voz de comando para atirar o fará.

Mas, caríssimo e paciente leitor, a tempestade que assola o país não é a pandemia (que passará) mas a classe dominante de um país moribundo, que ri de tragédias, ela que é a própria tragédia.

Aproveitar o instante em que a pandemia se acentua para aprofundar o butim é a tônica de seu pensamento. Está dito na fala de auspiciosos de seus representantes na reunião ministerial.

Sim, uma reunião ministerial que veio a público.

De nossa parte, não vemos  nada além do que já sabíamos se buscamos culpar o inquilino do Alvorada. Anotaram de sua boca 35 palavrões expressados (transitando entre amenidades como “porra” e “caralho”) onde se pensava estivesse sendo cumprido o rito natural a uma reunião de governo, que deve obedecer ao ‘solene’ e à ‘liturgia’ como elementos a legitimá-la.  

Mas, que escândalo há se ali está traduzida a mais perfeita manifestação de uma classe dominante ora tão bem representada, como nunca o fora? Para que mulher no ministério, idosos etc. se o boquirroto se acercou deles porque sabia-os ‘confrades’?

Não caro leitor, não há do que nos escandalizarmos. Afinal, no dia a dia a delicada e cívica postura do chefe da nação se expressa com xingamentos e gestos chulos como ‘dar banana’.

Temos, sim, e não podemos deixar de reconhecer, tão somente – na pessoa do inquilino do Alvorada – a exteriorização de um câncer que permeia a conformação da sociedade brasileira em delírio de poder. Um câncer que corrói o país desde sua origem.

Nada a reclamar. Apenas confirmar que o inquilino do Alvorada se fez cercar de iguais. Não fora isso, indaguemos: qual de seus ministros pediu exoneração diante do quadro dantesco moralmente, que fere os bons costumes e as instituições? 

Não, estão acostumados. E gostam. A isso se apegam e ao mito aplaudem. São iguais, todos. Como iguais são todos que o colocaram lá.

Caso alguém duvide, quem imagina que os que hoje o criticam ficarão contra ele se surgir uma possibilidade eleitoral de forças progressistas/nacionalistas vencerem as eleições? Estarão com ele, sim. Porque a classe dominante que retomou a galeota não se preocupa com o povo, apenas consigo mesmo.

E nosso conhecido STF está aí, acovardado, seguindo ritos (que atropelou em passado recente), malhando lâmina d’água, com decisões inócuas quando cabe enfrentar o inquilino do Alvorada. Já parte para o singular formato decisório cuja conclusão podemos denominar como inovadora natureza recomendativa, não mais constitutiva, declarativa etc.

Pelo andar da carruagem tudo será imensa pizza. Aí estão para assá-la os de sempre nesta contemporaneidade: o próprio STF, a PGR, Congresso. Em fogo aquecido pelos interesses da mídia com a lenha destes tempos: direitos. Servida com pão amassado na padaria do capital especulativo, a que todos defendem dentro de seus respectivos limites e compromissos.

E, sucumbindo, a denominada esquerda entra no jogo por um caminho que entende único (talvez até o seja para o instante e limites de sua atuação): o “fora”. E o pingue-pongue se instala: contra ou a favor. Para uns e outros o jogo eleitoral como única saída. Não se vislumbra o projeto, até porque o “fora” não o é em si. E como projeto não convence. Pode alimentar conquistas, mas não convence.

E cá nos vemos diante de absurdos como o defendido pelo inquilino do Alvorada em plena reunião ministerial, como a de que o “povo armado” é solução. 

Certamente tal expressar soa como um ângelos aos ouvidos dessa gente. Afinal, caminha-se para a construção não de um estado policial, mas de um estado miliciano porque estamos no limiar de materialização de um imaginário ‘faroeste’.

Como nos velhos faroestes os assaltos, que não mais o são a criadores de ovelhas ou agricultores, a bancos. Mas ao Banco do Brasil, ao patrimônio, florestas e riquezas pátrias, ao povo. Aproveite-se a cortina de fumaça da pandemia e ataquemos – dizem-no sem pedir segredo.

Eis um triste Brasil, o mesmo de Gregório,

ó quão dessemelhante 
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti...
A ti tricou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
...
Tanto negócio e tanto negociante.

Certo que não estamos no século XVII, mas lá vivendo em pleno séc. XXI. 

Porque os criticados por Gregório de Matos Guerra (1636-1696) “que em tua larga barra tem entrado” permanecem os mesmos, hoje como ontem.

Sem Barroco. Só barroca.

domingo, 17 de maio de 2020

A República do Galeão e a república da galeota


Os militares da Aeronáutica impuseram a Getúlio Vargas a humilhação de ver a família do então presidente (na pessoa do irmão Benjamim, o ‘Beja’) investigada por uma das armas da República (cognominada como "república do Galeão") e não pelos meios constitucionalmente fixados: polícia judiciária. Levaram-no ao suicídio, para evitar o golpe.

Os militares que estão no exercício do poder – como o demonstra sua atuação no governo do inquilino do Alvorada – parecem refletir o máximo, o supra sumo da intelligentsia pátria em todos os segmentos científicos. Não mais apenas nos limites institucionais estabelecidos pela Constituição para as Forças Armadas. Mas tornando a denominada sociedade civil em adendo à sua concepção de Nação, aplicando uma típica capitis diminutio ao pensamento e à produção intelectual não militar. São perfeitos – assim se acham estes singulares Narcisos.

Essa história é conhecida. Em tempos de silêncio obsequial imposto (ditadura) suas expressões (inclusive familiares) assumiam tudo: de cargos governamentais a presidências e diretorias públicas e privadas. E mesmo criavam suas boquinhas para garantir sinecuras. Quem não se lembra da CAPEMI – Caixa de Pecúlio dos Militares – uma picaretagem que levou prejuízo a muita gente? (Conhecemos um amigo – Gileno Cruz – que investiu nela durante os anos todos necessários e quando recebeu o investido ao final dos 10 anos não correspondeu a 1 salário mínimo. E, o pior: não tinha a quem apelar).

No curso da ditadura o que acontecia nos bastidores, mesmo se descoberto, não era revelado. (Às vezes escapava, como o flagra de Sebastião Néry denunciando na Tribuna da Imprensa o escândalo da compra do patrimônio da Light por 380 milhões de dólares em que o ‘corretor’ Antônio Gallotti - diretor da Brascan - recebeu seus sagrados 10%, falcatrua assinada pelo então presidente Ernesto Geisel, em 1978). A censura imposta protegia tudo, inclusive as relações promíscuas entre a casta militar e o Estado, por ela apropriado na singular dimensão patrimonialista imposta à força das baionetas, ressalvadas as exceções.

A atualidade demonstra que tudo voltou ao ‘d’antes no quartel de Abrantes’. Milhares são os militares a ocupar cargos, não necessariamente pela competência, mas para asseguramento de sinecuras. Esta semana vazou o fato de uma filha de um deles – já encastelado no poder, ampliando seu ‘soldo’ – ocupando cargo em (outro) ministério onde percebe 10 mil reais.

E não esqueçamos da estranha liberação de auxilio emergencial para quase 190 mil deles.

Criou-se nesta terra brasilis o dogma de que corrupção é sinônimo da classe política. Ninguém pergunta em torno da remuneração escandalosa de alguns militares privilegiados. Alguns privilegiados, sim, porque não podemos generalizar em torno do tema e vinculá-lo a todo e qualquer oficial ou a todo ou qualquer militar. Até porque a tropa não participa das sinecuras.

E hoje há entre eles quem mesmo dê a entender que duvida da corrupção familiar (aliada a outros senões) envolvendo o próprio inquilino do Alvorada. Tanto que até não reclamam das reuniões ministeriais onde permeia à mancheia a linguagem de bordel no dizer de certo ministro do STF, diante do que viu e ouviu de um destes encontros para discutir os interesses da Nação, como denunciado no Conversa Afiada.

Não bastasse, todo o poder construído o foi alimentado em fraudes eleitorais (em dimensões inimagináveis de acontecer se tantos não fossem os atores institucionais para sua construção – Congresso, Judiciário em todas as instâncias, Ministério Público, militares e quejando mais) e os militares que ‘trabalharam’ na campanha e hoje se encastelam no poder têm explicações a dar à Nação. 

No entanto, ensaiam a manutenção dessa aberração implantada através de uma eleição fraudada, como o expõe Leonardo Attuch no Brasil 247.

Certo é, caro leitor, que pelo andar da carruagem uma ditadura sem golpe está em curso – desde que Congresso e Judiciário a assegurem como o têm feito até o presente instante – e a casta militar, capitaneada pelo capitão inquilino do Alvorada, ocupa(rá) todos os quadrantes do país e do Estado Nacional, inclusive a científica. Com apoio em milícias civis e militares.

O butim em curso já encontra apoio em parcela da classe política, aquela criticada pelo inquilino e que dela já se vale para manter-se na crista da onda. Não lhe faltarão os apoios de sempre: grande imprensa, empresários, banqueiros, especuladores outros e quejandos tais.

No fundo, a imagem preservada pelos militares como de exemplo de moralidade começa a ser questionada por quem olha, vê e enxerga. Triste instante para as Forças Armadas. Que têm, como instituição, oportunidade de ouro de fazerem-se merecedoras do respeito da nação.

Implícito está a necessidade de os militares de verdade dizerem que os militares do governo não são sua voz e muito menos sua legítima representação e que o grosso do oficialato não integra esta parcela militar voltada para a destruição do Brasil e exercendo o ‘glorioso mister’ de proteger a bandidagem representada pelo inquilino do Alvorada e familiares, arautos e beneficiários das famosas rachadinhas.

No passado a Aeronáutica levou o Governo à república do Galeão; hoje, a atuação de parte da tropa está a exigir a instauração de uma outra ‘república’ investigativa para averiguar os limites desta república da galeota. Que está no mesmo nível de equilíbrio daquela nau capitânia de FHC para comemorar os 500 do Descobrimento: não navega.

A não ser que surja um General Henrique Teixeira Lott para retirar a democracia da UTI, ora respirando apenas por escafandros. Ops! aparelhos.
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Dia seguinte:

À mulher de Cesar não basta ser honesta, deve parecer honesta. 

Não custa o general Heleno, que integra a cúpula do governo do inquilino do Alvorada, explicar convincentemente esta história de ter sido incluído como beneficiário do auxílio emergencial de 600 reais (requerido em 7 de abril e enviado para caixa no 22 do mesmo mês), detectado pela Caixa e pelo Dataprev como fraudulento. É o que denuncia a Revista Fórum.

Especialmente por uma circunstância nada desprezível: o general Heleno é responsável pela inteligência do governo dirigindo o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

Cabe, quando nada, descobrir quem estaria "armando" para ele. E para aqueles outros quase 190 mil militares também beneficiados pela sinecura.

Dia seguinte II:

Natural que tal ocorra. Afinal, por tradição, ao comando militar a defesa em tempo de batalha.

Nesta guerra contra o inimigo invisível o comando militar que passou a ocupar o Ministério da Saúde já mostrou a que veio: tratando o tema como uma guerra contra um inimigo, ainda que invisível, amplia a participação de pares no combate.

Assim, mais nove militares passam a somar-se ao ministro e aqueloutros que lá já estavam, como oregistra o GGN.

Por coincidências – ou tragédias – o número de mortes pelo Covid-19 acaba de superar o milhar diário e o Brasil passa a terceiro no mundo em número de infectados.

A turma tomando gosto...

Dia seguinte III:

A propósito da postagem de ontem (Dia seguinte II) lemos hoje no Conversa Afiada algo que parece demonstrar apenas uma típica apropriação, por alguns militares, de cargos governamentais.

Diz a matéria que são "pelo menos 12" os agraciados entre majores, coroneis, tenentes-coroneis, tenentes, sub-tenentes e capitães (inclusive da ativa). NENHUM deles tem qualquer relação com Medicina e Saúde. 

Naturalmente um singular reforço no soldo mensal. 

O Ministério da Saúde não explica o porquê de tal 'fenômeno'.

De cá da província explicamos: é a turma tomando gosto... para desgosto de muitos que acompanham o Brasil caminhando para alcançar o nada honroso título de epicentro da pandemia no mundo.

Há quem ainda afirme que está a ocorrer o "sequestro do Estado sem o uso de tanques e escopetas, sem necessidade de um golpe" – palavras do cientista político Danillo Bragança ao Sputnick Brasil repercutidas pelo Brasil 247.  


"Militarizar a saúde não significa colocar um tanque na frente do ministério. Nem precisa. Basta que os segundos e terceiros escalões sejam ocupados por militares da ativa. Isso traz um problema. Eles não são treinados para nada disso, não são formados para ocupar esses cargos, ninguém ensina isso nas escolas militares. São basicamente treinados para uma ciência, que são as ciências militares”, acrescentou.

domingo, 10 de maio de 2020

Na República acovardada a democracia de fancaria


Querem tudo feito às pressas, visando apenas o lucro, ainda que sacrificada a Nação. Eis o que pretendem: uma democracia de fancaria para dizer que existe; malfeita, grosseira, sem povo; Para dizer que nela vivemos.

O Brasil, caso deitado no divã e sendo analisado pelos maiores especialistas do planeta, os deixará inteiramente aturdidos. Não só o conjunto de paranoias, mas a circunstância eminentemente surrealista em que está e com suas instituições inteiramente descontroladas.

Não se pode entender que as instituições da República fiquem a discutir – alguns de seus representantes até implorando – que um presidente desta mesma república esteja a anunciar a implantação de uma ditadura. Não é concebível que tal aconteça em terra de gente sadia mentalmente.

Estamos naquela: – Calma, presidente, deixa pra lá. Não dê um golpe, não implante uma ditadura!

Os verdadeiros homens públicos desta terra estão lançados ao ostracismo, não são escutados. Implantou-se o debate entre quem odeia mais ou odeia menos e a racionalidade está à deriva.

Neste país do “quase” Rodrigo Maia diz que pressão contra o isolamento social é ato “quase criminoso”. Supimpa. 

Há quem lave as mãos na bacia de sangue da ditadura e declare que a tortura nos porões do Estado sempre existiu, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo.

Não nos esqueçamos que o STF, quando prestes a julgar um habeas corpus impetrado por Lula, em 2018, que poderia garantir seus direitos políticos, foi ameaçado por um militar. 

O presidente deste mesmo STF libera a divulgação de manifesto em favor do golpe de 1964. Ou seja, da ditadura.

Generais vão ao presidente da Câmara para pedir por não apreciação de impeachment.

Na verdade contra o Estado de Direito há muito uma parcela significativa do STF vem trabalhando para que tal se materialize (certamente os que nunca foram torturados nos porões da ditadura). Encontra apoio de militares que estão a fugir de suas funções institucionais.

O sadomasoquismo: eu bato, você apanha; quanto mais o faço mais você aplaude.

Eis que vivemos no singular Estado democrático (com minúscula, revisor) de Direito, onde o populacho da violência expressada já ensaia sua atuação miliciana (arrecadando e ameaçando) e as instituições do Estado se curvam acovardadas.

Na República de covardes, uma democracia de fancaria se faz imprescindível. Não a fancaria comercial da fabricação de fazendas brancas de algodão, mas o da obra grosseira, feita à pressa visando apenas o lucro. Ou melhor, apenas a coisa malfeita.

Eis a razão por que restará a esta república que abriga uma nação de instituições acovardadas a democracia que lhe é própria: a de fancaria. 

A que legitima o país entregue na bacia das almas.
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Segunda 11.05.2020
Ah! Em meio a tudo falam as más línguas que 190 mil militares estariam recebendo irregularmente o auxílio (sim, caro leitor, este mesmo, de 600 reais) de forma irregular, em valores que superam 113 milhões de reais (diz o 247). Certamente um engano perdoável para os próprios.

domingo, 3 de maio de 2020

De fazer inveja a Schopenhauer e Nietzsche


Por mais que otimista sejamos – ainda Cândido em fase de ouvir Leibniz através de Pangloss – os fatos nesta terra brasilis – quando observados a partir de parcela de sua sociedade – nos levam a um pessimismo mais e mais se aprofundando. 

Temos lembrado o quão nefanda a atuação (histórica) da classe dominante brasileira. Hoje – para não dizer que pior não fica – convivemos com uma espécie de ‘pequena burguesia’ que se espelha na classe dominante e que alcança foros de mediocridade inimagináveis quando se expressa.

A classe dominante tradicional “pensava”, ainda que a seu favor; esta outra nem cérebro possui, e o demonstra à saciedade atropeladamente, assim que lançada no pedestal. A primeira sempre se fez presente no poder e derrubou quem quer que enfrentasse os seus interesses; esta outra também chegou ao poder. Intolerável ao bom senso sua burrice, no entanto, ocupa espaços e aliena muitos que estão em busca da consciência e são de logo atropelados por tão sábia categoria, que vai se tornando ‘exemplo’. Afinal, burrice também passou a ser cultura.

A classe dominante clássica admite até o suicídio para não se curvar à realidade. Hoje encontra apoio aritmético (nunca intelectual) da nova classe ‘pensante’. A classe dominante tradicional ocupou o espaço. Esta outra chegou porque deixaram chegar, pela conveniência, e passou a se achar o supra sumo da inteligência humana.

Essa gente chegou ao extremo a ponto de nos envergonharmos das cores verde-amarelo como símbolo nacional porque delas se apropriou para legitimar as aberrações que comete. Ver alguém vestido de verde e amarelo nos deixa com a pulga atrás da orelha.

O caminhar dessa gente mostra a quantas anda o compromisso com o país e as futuras gerações. Suicídio é preferido a reconhecer, como salvação, os erros cometidos e os que está a cometer.

E a hipocrisia permanece: o ministro Gilmar Mendes, do STF, declara que a Lava Jato (o judicialismo) elegeu o inquilino do Alvorada. Esconde a participação efetiva do próprio STF e dele em particular alimentando as aberrações por ela promovidas.

Um outro ministro, o Barroso, diz que impeachment do inquilino é a última solução para o caso atual. Ele que legitimou o de Dilma com base apenas na formalidade e não na materialidade; estando o procedimento legislativo correto a existência ou não de crime ficava para segundo plano – lecionou Sua Excelência. 

Hipócritas e criminosos todos. Integrantes e porta-vozes do sistema implantado por esta classe dominante predadora.

Valendo-se da ‘pequeno-burguesia’ acima declinada nunca tiveram representação que pudesse assim ser denominada, em nível de predação. Agora o tem. E o tem caro e paciente leitor diante de um fato concreto e estarrecedor: ao poder era alçado a partir do século XX aquele que dispusesse do controle dos meios de comunicação (jornais, revistas e, especialmente, o rádio; posteriormente a prevalência da imagem em detrimento do discurso, porque passou aquela não mais a ser o meio, mas a mensagem); nesta contemporaneidade as redes sociais chegaram a rincões nunca imagináveis há 20 anos. 

Cada um que a elas tenha acesso através de um simples celular se tornou um potente instrumento de propaganda e – mais grave – através delas montadas verdadeiras máquinas de divulgação de ideias mentirosas como se fossem verdade.

Na esteira desta realidade o inquilino do Alvorada se fez soberano. Daquela gente que sempre pensou como ele e não tinha uma liderança identificada. O obscurantismo latente se fez presente. Anunciado como salvação através das redes sociais.

As redes sociais deram e identificaram a identidade. E a manada seguiu o boi nadador.

E os que deixaram isso acontecer – e mesmo para com isso contribuíram – imaginando a defesa de seus interesses não têm como evitar o suicídio. Uns porque são assim mesmo; outros, porque seria a confissão de que algumas instituições do Estado trabalharam para destruir este mesmo Estado.

Caso sejam dados nomes aos bois não faltarão na lista muitos ministros do STF, Procuradores da República, Desembargadores, Juízes, Poder Legislativo e, naturalmente, a imprensa tradicional, agora sufocada e atropelada pelas redes sociais.

Porque tudo tende a piorar os anos que nos chegam vêm acompanhados daquele pessimismo que legou Voltaire a Cândido e fazer inveja a Schopenhauer e Nietzsche, sem possibilidade “de cultivar nosso jardim”.