domingo, 27 de dezembro de 2020

De desumanidades, Natal e Aquários

 Contadas apenas as mortes anotadas, as que atendem às estatísticas. Onde o homem/ser apenas dado expresso em unidade aritmética. 

O Covid-19 já nos levou quase duas centenas de milhares, oficialmente; extraoficialmente superando pelo menos 230 mil.

Mas, como cerca de oito milhões foram por ele alcançados e ‘apenas’ duas míseras centenas de milhares (os registrados)  e mais três dezenas  foram a óbito as ‘estatísticas’ soam promissores.

Uma festa tantos curados!

Não, caro e paciente leitor. No plano de desumanidades há quem a tudo comemore. A autoestima não pode sucumbir à realidade  alardeiam!

Em meio a tudo, o Natal. Particularmente não gostamos do que é feito em nome dele. Ou, simplesmente como professado por este mundo consumista.

O Natal que nos comove está nas lapinhas de Vó Tormeza, de minha mãe Adelaide e de minha irmã Eva Lima, do Comendador João Alves de Oliveira e de Francisquinha de Roque Borges (em Itororó), ou aquelas todas nos rincões deste Nordeste sofrido expressando a esperança muda de dias melhores e de mais compreensão, lembrança do Menino que nasce para renovar os homens desde mundo. Há dois mil anos sem ser escutado.

Dizemos o que dele sentimos em crônica publicada em livro pela Editora Via Litterarum e disponibilizada na rede (GGN).

Lá registramos: 

"Afinal, quando despenca a distribuição da riqueza, quando o desemprego se aprofunda, a senilidade do Papai Noel se acentua e torna-o mais seletivo, conduzindo o trenó somente para endereços de quem disponha de castelos com reluzentes luminárias que lhe sirvam de farol em noite de tempestade". 

Também não esqueçamos da matança atribuída à determinação de Herodes. 

E não custa nos inspirarmos em Marcos (10, 14-15): “Deixai vir a mim as criancinhas. O que fizerdes a qualquer delas é a mim que o fareis!” 

Outros tempos, outros Natais, outros Herodes. E a matança continua. Uma matança cotidiana em espaços que o Natal não alcança.

E nesta última postagem de 2020 fazemos acrescer ao final o que os versos permitiram expressar do grosso sentimento.

De alvissareiro a chegada da Era de Aquários. Não custa rever Hair, de Milos Forman. Pelo menos pelo tema de abertura. A conjunção não de “Júpiter com Marte”, mas esta que se escancara para o planeta: Júpiter e Saturno. 


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Periferia

 

O corpo padece e não mais sente

Atingido pelo disparo, nada raro, inerte

 

Inertes todos à volta

indiferentes

 Outra vida, apenas!

 

Uma lágrima escorre face abaixo

lágrima de morto

           

Na calçada a criança chora

não entende

mas padece

e sente

 

Outra lágrima lhe escorre

também negra

 

 

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Século XXI

 

No presépio de então

a infância tenra

o armava como tradição

Avenidas e ruas de papelão

da fonte correndo água

lantejoulas cintilando

no céu de seda em amplidão

A manjedoura refletia

da penúria exibida

o sorriso da Redenção

Os magos reis

caminhando

 um pouco a cada dia

Tudo no mais ali

completava

a devoção

 

Não mais a lapinha de antão

nada da tenra infância

e da devota tradição

 

Na manjedoura não há penúria

tão só exibição em fúria

de hodierna ostentação




domingo, 20 de dezembro de 2020

Como d'antes, mesmo antes do Abrantes

 


“O império não sendo hereditário, era lícito ao imperador vivente escolher o herdeiro de seu patrimônio particular, designando-o ao Senado e ao povo para que lhe conferissem depois a autoridade imperial. Assim, Augusto designou Tibério e este designou Calígula. Mas este não teve tempo de designar seu herdeiro. Era preciso eleger, portanto, um sucessor. Muitos senadores eram contrários a isso; e se esse partido tivesse vencido, o império teria voltado a ser uma república aristocrática. Mas a sorte de Roma foi, ao contrário, decidida pela vontade do exército e especialmente das guardas pretorianas, isto é a guarda imperial. De fato, os soldados, em particular os pretorianos, eram muito contrários ao governo republicano; por isso. Morto Calígula, proclamaram imperador Cláudio César Germânico, tio de Calígula. E o Senado teve de aceita-lo. Foi esse o primeiro exemplo de eleição devida inteiramente aos soldados, exemplo que depois foi seguido numerosas vezes, o que teve grande e funesta influência na sorte de Roma”. (Texto extraído de “Petrônio — O tempo, o homem, a obra histórica”, de Giulio Davide Leoni, in Satiricon, de Petrônio, tradução de Miguel Ruas, Coleção Universidade, Edições de Ouro, sem data). Obs.: Respeitamos a redação e pontuação originais desta tradução, ainda que as tenhamos como sofrível — a primeira — e lamentável – a segunda).

Fortes são as democracias contemporâneas as destituídas de controle militar sobre os poderes. Aquelas que inviabilizam o exercício da vontade ‘pretoriana’. Outras há que manipulam a serviço de interesses privados o poderia militar. São aquelas que o tem (e dele se serve) para invadir e depredar o alheio (país) para garantir à sua classe dominante a intervenção nos negócios de outros povos (capitaneada pelas indústrias farmacêutica, química, bélica, financeira etc.) Para tanto se utilizam desde a formação de ‘lideranças’ internas ideologizadas no que pensam e defendem até às descaradas intervenções, antes tipicamente militares, hoje também judiciais e legislativas. Para alcançar o objetivo corrompem dizendo combater a corrupção.

Sábia gente há neste planeta que nem mesmo forças armadas regulares possui, somente policiais (com formação e comportamento em nada parecidos com as que conhecemos por estas bandas).

Aristocrática a república romana o foi até que a pretoriana força descobriu o que lhe interessava: o império, que lhe deu status. Antes o soldado servia  e garantia o soldo  invadindo países, escravizando o conquistado, saqueando suas riquezas. O império levou à mudança ao retirar da aristocracia o controle do poder, fazendo com que o imperador criasse a guarda pretoriana, um corpo militar de elite, para protege-lo e à sua família. Calígula, por exemplo  o nefando como pintado por historiadores que lhe foram contemporâneos  era adorado pelo povo e pela guarda pretoriana. Motivo: ambos recebiam  benesses materiais.

Muda alguma coisa de lá para cá? Certamente o tempo. Como d’antes no quartel de Abrantes. Mas, bem antes de Abrantes e seu quartel.

Pruridos não o há, desde que a(s) boquinha(s) seja(m) ampliada(s) e mantida(s).

Em nível desta terra brasilis nada mais ridículo que a história da proclamação da república. O marechal monarquista, acamado e ardendo em febre, chamado a liderar o movimento contra o Gabinete de Ouro Preto. Os militares  que se utilizaram da Guerra do Paraguai para ocupar espaços  naturalmente em defesa do pensamento republicano (já apoiado por parcela da aristocracia rural ferida com a ‘conveniente’ abolição da escravatura), viu-se por este aclamado e aclamou o sonho que nunca foi do povo na época e do qual não participou tiquinho de nada. A não ser do quadro pintado e elaborado posteriormente. Que pintura!

Esqueceram de registrar o motivo que fez Deodoro deixar a cama para ‘liderar’ o movimento: ciúmes de Silveira Martins, futuro Presidente do Conselho de Ministros (que o seria a partir de 20 de novembro) que conquistara, nos confins do Rio Grande, o coração da baronesa do Triunfo, viúva bonita e elegante, que escanteou o proclamador da república. Que idealismo, que romantismo, que paixão cívica!

Quem ascendeu ao comando supremo do poder? Qualquer dos republicanos idealistas? José do Patrocínio, Antônio da Silva Jardim, Joaquim Maurício de Abreu, Quintino Bocaiúva, Ruy Barbosa, Júlio de Castilhos, Lauro Miller, Aristides Lobo, Rangel Pestana (dentre outros)? Não. O golpe contra a Monarquia não foi dado para a que república florescesse, mas para garantir o poder do Estado para quem tinha o poder das armas e da guerra. E quem o diz não é o idealista ‘Policarpo Quaresma’.

Implantou-se, de logo, a pretensão da ‘ala positivista’ do movimento republicano (nascido nos anos 70 do século XIX, justamente no final da Guerra do Paraguai): uma estrutura de poder centralizada nas mãos dos militares. Uma res publica de uma minoria que se pretendia casta, sem povo, sem vela, nascendo com direito a choro.

Dispensamo-nos de tergiversar entre o novo e o velho do que somos no plano histórico. Afinal, já o fez esgotando o assunto o escritor Antônio Lopes em “Buerarema Falando Para o Mundo” (edição histórica pela Letra Impressa, nos idos de 1999), em “Que País é Este”, ao questionar naquele 1986 se a alcunhada Nova República o seria até quando. Não imaginou o cronista que em tão pouco tempo seria ela totalmente decrépita.

Isso por vivenciarmos a cada dia o insofismável de que nos tornamos uma terra “coberta com os cacos de um grande império”, como escreveu Eça de Queirós em carta a Fradique Mendes (Cartas Inéditas de Fradique Mendes), criticado aquele por Gilberto Freyre em Ordem e Progresso.

Mas, eis o desafio: que alguém diga que não. Ou quem tem razão  Eça de Queirós ou Gilberto Freyre.

E partamos para outro ‘eis que’: por cá os da ‘boquinha’ insistem em continuar “muito contrários ao governo republicano”. Como os pretorianos da Roma que ensaiava a decadência.

Afinal, pelo andar da carruagem — que denominamos de omissão/medo das instituições — tudo muito apropriado aos tempos de bizarrice tupiniquim a solução romana: em vez de república, império. Pretorianos já os temos às pampas.

O tempora o mores (Oh! Tempos; oh! Costumes!)  proclamaria Cícero contra os tantos Catilinas tupiniquins.

Como d’antes, antes mesmo do/de Abrantes.

domingo, 13 de dezembro de 2020

No reino do faz de conta a auditoria que assusta

 

No plano das singularidades tupiniquins, desta terra brasilis pródiga em absurdos, estão algumas remunerações para ‘ilustres’ encastelados nesta ou naquela “casta”. Algumas famosas na ‘língua do povo/imprensa’: do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, de Tribunais de Contas, das Forças Armadas, alguns integrantes do Poder Executivo a reboque.

Particularmente, houve tempo em que os militares se faziam mais respeitados. Ou dirá o pensador não sabíamos de seus segredos.

Mas, de repente, não mais que de repente, eis que, com as coisas mais às claras, vão-se anéis e dedos.

Sempre foi pejorativo denominar de “milico” qualquer deles e mesmo tempo houve que tal acinte levaria o indigitado ao cárcere, à tortura e mesmo à morte, quando não ao desaparecimento. Hoje são chamados à sorrelfa não por esquerdopatas, terroristas e quejandos assim nominados por emitirem opinião crítica. Alguns na honrosa categoria “de pijama”, como lembra Azevedo no 247. E parece que pouco estão andando para o caso. Desde que a “boquinha” se mantenha. Não à toa  por mera e inusitada coincidência  o percentual de militares em cargos de livre nomeação no governo do inquilino do Alvorada foi agraciado com um aumento na ordem de 126%. Ou seja, mais que dobrou.

Outras coisas vão sendo descobertas. Como a sinecura de juízes do Superior Tribunal Militar, como veiculado no Brasil247.

Presumindo que seja verdade o publicado de que um deles abocanhou 671 mil a título de licença-prêmio é difícil  sabendo-o remunerado como 37 mil de soldo  que tal tenha ocorrido em país onde parcela da população passa fome. Um outro, também beneficiado de igual soma.

No particular, o acúmulo de licença-prêmio cheira à podridão das grossas, coisa de piratas da perna de pau. E muito pior a sua conversão em pecúnia.

Mas, para essa gente, de estirpe comum nos que constituem típico lúpen sócio-brasileiro, os que criticamos não passamos de comunistas comedores de criancinhas.

Não sabemos quantas crianças morreram e por morrer estão por falta de alimento à custa de licenças-prêmios da milicagem contemporânea.

No Estado da Bahia é vedada a conversão da licença-prêmio em pecúnia. Licença-prêmio tem por natureza o reconhecimento ao descanso depois de certo tempo de atividade. Uma espécie de férias para quem trabalhou continuadamente durante certo período fixado em lei. No fundo, uma sinecura que somente alcança o serviço público. Muitos entes estatais (Estados e Municípios) admitem tão somente o gozo da licença-prêmio, não a sua percepção/conversão em dinheiro/pecúnia. O Presidente Fernando Collor, ao sancionar o Estatuto do Servidor Público, vetou a indenização da licença-prêmio não gozada, ou seja, negou a possibilidade de percepção pecuniária em caso de não ser gozada tempestivamente.

Mas, confirma-se a cada dia, são muitos os regimes jurídicos para os servidores públicos no país, haja vista o que ocorre em nível de Poder Judiciário, Poder Legislativo, Forças Armadas e Tribunais de Contas.

O duro, caro e paciente leitor, é acompanharmos o choro de ministro alegando falta de dinheiro para o custeio da saúde, do saneamento, da educação, da cultura, da aposentadoria dos trabalhadores e empresários que contribuíram para o Sistema Geral (INSS) e saber que as sinecuras de ontem e hoje permanecem quando beneficiados o são os das “castas” superiores, dentre eles os militares de alto coturno que integram Exército, Marinha e Aeronáutica.

Como já registramos neste espaço os militares consomem cerca de 46% dos gastos com aposentadorias a cargo da União. Ainda que, proporcionalmente, representem apenas 1,16% do total de aposentados do país contribuem com 15,4% do rombo segundo dados do UOL em abril de 2019.

Registrava estudo publicado em março de 2019 que os militares representam 31% do quadro (cerca de 300 mil) consumindo R$ 43,9 bilhões em aposentadorias e pensões, ao passo que 680 mil servidores civis oneram em igual rubrica R$ 45,5 bilhões, do mesmo UOL.

Não bastasse, uma outra jabuticaba tupiniquim, dos R$ 3,8 trilhões do Orçamento da União para 2020, a Justiça Militar da União, levou a bagatela de R$ 580,7 bilhões. Certamente para atender sinecuras como 671 mil reais em indenizações de licença-prêmio.

Voltando à “boquinha” da milicagem chegamos a uma conclusiva descoberta: essa gente temos hoje certeza não teme a revogação da famigerada lei da anistia. Mas, sim, de uma auditoria da sociedade para saber até onde vai a dimensão de tamanho escândalo e quanto custa ao erário/povo brasileiro a manutenção de Forças Armadas. 

Em sua quase totalidade inteiramente obsoletas. A não ser para garantir uma 'boquinha'.

domingo, 6 de dezembro de 2020

Não sabemos por que temem as vestais

 

Concluído o processo eleitoral de 2020 voltam à baila críticas ao sistema no quesito urnas eletrônicas quanto aos resultados publicados. Inclusive, ainda que (salvo prova em contrário) não o faça sob a égide do domínio jurídico em nível de princípios e fundamentos por razões que certamente nem mesmo entende, o inquilino do Alvorada está certo quando enfrenta o sistema atual e defende a impressão do voto.

Cumpre ressaltar que inúmeros técnicos e juristas questionam o sistema não em relação à existência da urna como instrumento do processo eleitoral (como diversificam em discursos os que o defendem nos moldes atuais) não sendo privilégio do atual governante.

Ressalte-se, de imediato, que defender a impressão do voto pela urna eletrônica e depositá-lo em urna autônoma para fins de recontagem não significa defesa de retorno à contagem na forma da apuração antiga.

O questionável em essência é a ‘certeza’ que torna o processo eleitoral em criatura de um ser onisciente e onipotente, ainda que tecnologia nenhuma no mundo se arvore de tal poder.

Eis o nó górdio que a Justiça Eleitoral não admite desatar e para nós demonstra a efetiva existência do risco tantas vezes denunciado.

O discurso dos que sustentam a urna eletrônica como sinônimo de absoluta segurança esbarra na negação da ‘segurança jurídica’ dentro do processo eleitoral qual seja o direito subjetivo de exercitar a dúvida, através de recurso contra o resultado apurado eletronicamente, que será dirimida pelo julgador à luz das provas que alimentem o fato.

A impressão do voto é, em tese, a possibilidade concreta de ser avaliado com lisura o resultado com a contagem em caso de recurso. O atual nega o direito inalienável da dúvida.

O que custa imprimir o voto e conferir o resultado da urna em caso de recurso? Nada, absolutamente nada!

Quem pode, em sã consciência, afirmar que o resultado trazido a lume através do boletim de urna traduza a ‘verdade’ dos votos efetivamente dados pelo eleitor ao candidato? Quem pode afirmar que o processo não possa ser violado/manipulado em relação ao resultado?

Por exemplo: há dificuldade em compreender a possibilidade de manipulação através da substituição/transferência de um quarto ou quinto voto de um candidato para outro? Sustentando o exemplo: que dos votos destinados ao candidato 100000 votado pela quinta vez seja este quinto voto transferido para o de número 200000.

Teoria da conspiração, a desculpa de sempre. Mas, como saber que tal não ocorre ou possa ocorrer? Conferindo o resultado publicado através da contagem dos votos impressos.

Simples!  

E levantamos uma dúvida razoável: o que as vestais da moralidade encasteladas no Judiciário Eleitoral na pessoa de seus arautos, têm a esconder? Mais seguras não estariam com o viés concreto de desmoralizar os que duvidam de analisarem recursos contra o resultado e verem, através da (re)contagem sedimentada nos votos impressos que o publicado pelo boletim de urna estava correto? 

E mais dizemos, em defesa da lisura: por que não auditar automática e aleatoriamente um percentual de urnas sorteadas (pelo menos duas nos colégios eleitorais menores) sob assistência das lideranças político-partidárias? O que custa? Nada, absolutamente nada! Apenas alguns minutos, uma hora no máximo para iniciar a publicação dos resultados. Afinal, não foi a existência da urna eletrônica que impediu o próprio Tribunal Superior Eleitoral de retardar a publicação de resultados no primeiro turno.

Que não se enganem os caros e pacientes leitores: há algo de podre no reino eleitoral ocorrendo nos porões dos castelos vários de que se vale.

As declarações do Ministro Roberto Barroso, atual Presidente do TSE, demonstram à sorrelfa a deriva em que vive a realidade jurídico-eleitoral levantada há tempos, desde o imediato da implantação do sistema, quando aventada a possibilidade técnica de sua manipulação. Para Sua Excelência a própria Organização dos Estados Americanos considera o Brasil como titular do “mais ágil e seguro sistema de apuração das Américas”.

Por Sua Excelência trocar alhos por bugalhos duas considerações, a propósito: 1. Agilidade na apuração e segurança em torno dela não definem o sistema eleitoral como confiável e justo; 2. Não confunda o Ministro, portanto, agilidade com segurança jurídica, muito menos como Justiça a negação à (re)contagem dos votos impressos para confirmar o contido no boletim de urna.

De nossa parte não entramos na onda de defender o atual sistema para sermos contra o inquilino do Alvorada. Não se questiona sob o condão do maniqueísmo. Mas, saiba ou não as razões por que expressa sua indignação, em essência, tem razão.

Certo é que continuamos sem saber por que temem as vestais encasteladas no Judiciário Eleitoral que entendem ser “da mais lídima Justiça” a não permissão de recurso em relação ao resultado oriundo do boletim de urna através da contagem dos votos impressos.

domingo, 29 de novembro de 2020

De intenções, do “Obrigado à bola” e do brincar com o alheio

 

Este escriba de província cultiva, de certa forma, uma vertente narcisista: ler o que já escreveu em outros instantes. Afastado de ler a si mesmo enquanto não materializar o sonho de publicar em livros o que anda por aqui escrevendo para cansar — ou testar — o paciente leitor, algumas destas páginas serão recomendadas à releitura neste dominical.

De boas intenções o inferno está cheio — afirma-o a sabedoria popular.

Não faltam ‘boas intenções’ aos Estados Unidos. Portanto, inferno em movimento de ampliação.

As declarações de peças indicadas por Biden (Brasil247) para cuidar da política externa sinalizam a manutenção das pragas estadunidenses assolando o planeta: agressões várias, em todas as vertentes, em todas as frentes, para assegurar prioridade aos Estados Unidos onde coloque o olhar.

A incompreensão em torno do que aconteceu pelo menos nos últimos 60 anos não alcança o raciocinar dos dirigentes estadunidenses.

Falando em Paz promovem a guerra.

Eles nem mesmo leem o conterrâneo Robert M.Bowman (1934-2013), muito menos História. Roma também caiu.

E nenhum destes áulicos da tragédia terá o reconhecimento de Maradona. Que agradeceu “à bola” tudo que conquistara. Mas, o portenho não apenas jogou futebol com nuances de divindade. Lia a realidade, compreendia-a. E falava diretamente, como o fez com os japoneses que criaram embaraço, para que entrasse no país na Copa de 2002, dizendo que a ele o recusavam por uso de drogas  que causava dano somente a ele , mas recebiam com aplausos os estadunidenses que jogaram sobre o Japão duas bombas atômicas. Ou dialetizava por metáforas, como o fez quando vaiada a presidente Dilma Rousseff na abertura da Copa de 2014: “Absurdo. Absurdo!”

Absurdo, sim! Via Maradona não o desrespeito e impropérios, mas o nível daquela classe dominante encastelada no camarote do Itaú, onde tudo começou, dizem com Luciano Huck.

Maradona compreendeu seu tempo. O que falta à maioria que diz pensar.

Mas nosso tempo nesta terra brasilis transcorre em outros termos e temas, como natural a uma república acovardada.

A esquerda, ao perder o bonde dos fatos que deteve sob controle e não soube  ou não teve competência  para perenizar, enxerga os resultados eleitorais de 2020 refletindo espasmos de euforia aqui e ali, o que demonstra que a propalada democracia perdeu o rumo ou está narcotizada quando posto sob avaliação o quesito por quê. Fake news e quejandos tais ficam em segundo plano.

Por outro lado, se tomamos o exemplo da Bahia, não podemos atribuir os resultados negativos para o governo tão somente ao funcionalismo público sem aumento há cinco longos anos. Os sinais evidentes demonstram que as ações de governo pesam muito pouco (insignificantemente) no traduzir nas urnas. Não somente, também este ou aquele erro na condução de candidaturas. Mas não ler José Dirceu (por nós citado) leva a isso.

O olhar da esquerda paira sobre o inquilino do Alvorada, como o adversário a combater e enfrentar. Não lê a razão por que o dito cujo lá está. E que o tendo como único adversário deixa de combater quem o utiliza como escudo: de alheias gentes a internas mensagens dogmático-evangélicas (para citar apenas duas).

De frouxos de risos a empolgação com algumas vitórias alheias.

Sem pretender escamotear em torno da realidade, mas o que vemos em parcela da denominada esquerda pode ser muito bem explicado dentro da sabedoria popular: atingir o orgasmo com o órgão sexual alheio.

Mas, ainda assim, continuo com o ex-aluno e leitor Felipe de Medeiros, em Resta-nos um novo primeiro passo: “Ando entocado aqui em Itabuna, metido numa tal esperança incorrigível”.

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Post Scriptum

O general caiu do cavalo (Brasil247). Falta-nos a informação se o ilustre estava se preparando, ou treinando, para a guerra.

domingo, 22 de novembro de 2020

Direito, STF, democratas estadunidenses, Lula e leituras

  “Entendemos que o Estado de Direito, no Brasil ou em qualquer outro país, corre sérios riscos quando não há respeito ao devido processo legal, que garante a todos os cidadãos o direito a um processo justo e imparcial. Entendemos, ainda, que a Corte possui um papel essencial na salvaguarda das instituições e da democracia brasileira. Assim, pedimos respeitosamente aos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal que não se furtem à sua responsabilidade histórica, e atuem na plenitude de suas funções para reparar as injustiças cometidas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.

As preocupações que originam o “Manifesto de solidariedade internacional ao presidente Lula e pela votação do habeas corpus pelo STF”, subscrito por 356 líderes e intelectuais em diversos ramos (publicado no Brasil247) refletiu sua preocupação por considerar que


“Os fatos revelados pelo site The Intercept, difundidos em diversos outros meios de comunicação do Brasil e do mundo, evidenciam que regras fundamentais do devido processo legal foram reiteradamente violadas. Ademais, a conduta do Sr. Sergio Moro, ex-juiz e ex-ministro da Justiça, bem como de outros membros das Forças Tarefas da Lava Jato e do Ministério Público, deixa claro não somente a existência de conluio em um processo altamente politizado, como também que foi negado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seu direito inalienável a um julgamento imparcial. Recebemos com estranhamento as notícias de que houve ingerência do FBI e do Departamento de Justiça do governo dos EUA com os procuradores da Lava-Jato. Sabemos que é inaceitável que governos estrangeiros atuem sobre processos judiciais locais que agridem a soberania e escondem outras motivações políticas e econômicas”.

Dirão muitos que a manifestação defende Lula.

Nossa leitura é outra: não a temos como pedido em favor do ex-presidente. Pelo contrário: há no manifesto uma clara defesa do Direito que deve ser aplicado de forma equânime. 

E, mais grave, muitíssimo grave: parcela respeitável da comunidade jurídica internacional duvida do Julgador brasileiro. Este o aspecto mais grave  mesmo inimaginável  posto à luz na manifestação.

Cabe realçar que não estão nela subscrevendo brasileiros engajados que pensem de igual forma, aqueles por aqui tachados de petralhas, esquerdopatas e expressões tais.

Obama teria criticado Lula, registram. Não alcançamos em que contexto e qual a realidade da expressão. Mas ficamos com a fonte, qualquer que seja o dito, como expressado na Gazeta do Povo:


"Ex-líder sindical grisalho e cativante, com uma passagem pela prisão por protestar contra o governo militar, e eleito em 2002, tinha iniciado uma série de reformas pragmáticas que fizeram as taxas de crescimento do Brasil dispararem, ampliando sua classe média e assegurando moradia e educação para milhões de cidadãos mais pobres. Constava também que tinha os escrúpulos de um chefão do Tammany Hall, e circulavam boatos de clientelismo governamental, negócios por baixo do pano e propinas na casa dos bilhões".

Cumpre registrar que o referido “Tammany Hall” diz respeito “à máquina política corrupta do Partido Democrata dos Estados Unidos que dominou a cidade de Nova York por 200 anos”.

Não entra este escriba de província em maniqueísmos e bate boca, para dizer que este ou aquele está com a razão. Afinal, não nos cabe questionar Barack Obama a reconhecer/confessar a existência de esquemas criminosos em seu próprio partido, tampouco não é crível que tal mazela esteja ou estivesse restrita apenas a Nova York. Até porque o eleito em 2020 sofre baterias de denúncias e investigado é por corrupção.

Registramos neste espaço (Espelho quebrado não muda embalagem) nossa crítica ao encanto e deslumbramento de setores progressistas desta terra brasilis diante da eleição de um ‘democrata’ nos Estados Unidos.

O que nos chega  pelos arautos de sempre — o dito pelo ‘democrata’ Barack Obama sobre o governo da expressão maior da esquerda brasileira  nos leva ao imediato de uma leitura aqui antecipada, não fora tema abordado em muitas outras oportunidades: de que  como lembrava Moniz Sodré, em 2013  os EEUU não admitiriam o protagonismo brasileiro posto em prática nos governos petistas.

Assim, o atribuído a Obama é um recado claro ao Brasil da seguinte forma: não toleraremos retorno de políticas públicas que se voltem para o fortalecimento interno, tampouco busca de ocupação de espaços no plano externo que confrontem a hegemonia estadunidense. Para os Estados Unidos o ideal, o perfeito, é um governo nos moldes FHC.

Claro que não lhe agrada o rompante do interino do Alvorada, mas no risco de vê-lo fora do poder melhor que não retorne um Lula.

Não custa lembrar que o golpe de 2016 no Brasil não foi gestado por Donald Trump.

Aprendemos no curso dos anos a ler o que está além da mensagem. Aquilo que outros não leem.

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Post scriptum

Para perceber como caminha a informação que nos chega.

Razão por que não só aprender a ler além da mensagem. Também compreender como e para quê foi elaborada a mensagem.

O The New York Times denuncia a armação montada contra a China para fazê-la responsável pela existência do Covid-19, como veicula o GGN.


domingo, 15 de novembro de 2020

Por um pouco de pólvora e os paralelos do Barão de Itararé

 

Urariano Mota, no GGN, resgatou oportuna ironia de Stanislaw Ponte Preta naquele imediato pós golpe militar. E afirmou que a “fina flor dos Ponte Preta” não se limitara a ser um gênio da crônica tupiniquim, mas um verdadeiro profeta. Ou melhor: profetizara o ridículo tornando em realidade o que fora piada. É que — no caso da crônica — ainda tínhamos pólvora de festim; no momento, a partir da informação de Urariano, nem pólvora andam comprando, porque o orçamento militar mais comprometido está gastar com inativos e pensionista (50 bilhões) e com o soldo dos militares da ativa (28,6 bilhões).

Nestes áureos e augustos tempos em que nos tornamos piada de plantão, cabe dizer que, para os rompantes do inquilino do Alvorada — sem ajuda externa, leia-se Estados Unidos dos Trump da vida — não temos armamento para enfrentar a Venezuela.

Em Ricardo III Shakespeare lança a angústia e o desespero do último da Casa Plantagenet, no fatídico da batalha por ser perdida: “— Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!” Perdeu a batalha e o poder porque não havia ali cavalo que não estivesse em fuga a portar seu cavaleiro. Faltara uma ferradura ao seu, caída em meio à batalha, posta aquela no açodado da necessidade.

Por aqui não temos como escutar “— Meu reino por um pouco de pólvora!” — por uma razão bem simples: há muito não se combate com pólvora, hodierna matéria de rojões e quejandos tais.

Ainda que algumas mentes o imaginem.

Ou fixadas estejam na China!

O irônico Apparício Torelly, o Barão de Itararé (1895-1971), influência de Stanislaw, como refere Jorge Amado em prefácio ao “Máximas e Mínimas do Barão de Itararé” (Editora Record, 1985) pontua em sábias lições sobre paralelos quando posto ele a par. E Auguste Conte se viu comparado em conclusões diante da verve brasileira. Assim, para quem afirmou a verdade de que “Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos” discorreu em paralelo Apparício: “Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mais vivos”.

Em meio a tantas conclusões, a tantas e nefandas manifestações defendidas como expressão de um dogma de fé quando expressas pelo inquilino do Alvorada ficamos com Conte e seus “mortos” e com o Barão de Itararé e seus “mais vivos” tanto se ajustam ao indigitado que nos governa.

Ainda que não seja o caso de falta de ferraduras (como ocorreu com Ricardo III) basta saber — em meio a rastilhos da dita cuja — quem ocupa um dos paralelos.


domingo, 8 de novembro de 2020

Espelho quebrado não muda embalagem

 

Pautadas na formação oriunda da informação como nos chega, aos que somos massa de manobra, conclusões e ‘análises’ aos borbotões. Como torcida de Bahia x Vitória ou Fla x Vasco comparecemos ao campo eleitoral estadunidense que ocupou as atenções e paixões. O resultado destilou singularidades como tributar o que por lá ocorreu a uma vitória da “esquerda” vencendo o demônio da “direita”.

Não há quem aplique Nietzsche (1844-1900) àquela realidade imutável que norteia os de lá há mais de duzentos anos:


“Outra coisa é a guerra. Sou belicoso por natureza. Atacar faz parte de meus instintos. Ser capaz de ser inimigo, ser o inimigo...”. (Ecce Homo)

Em meio a tanto encantamento (inclusive da “esquerda” tupiniquim) postura coerente a do inquilino do Alvorada: fiel à sua paixão hesita em reconhecer a vitória do adversário. E quando o fizer será a contragosto.

Sabemos que por lá não haverá quem dispense uma colônia como esta terra brasilis. Atualmente objetivamente conquistada com métodos outros, mas não diversos dos postos em 1964 através do partido de “esquerda” que volta a vencer as eleições. O mesmo que fomentou e custeou os meios — políticos e materiais — para que um golpe fosse dado em 2016 para afastar quem não se submetia a contento.

No fundo, para quem defende interesses de forma competente o inquilino aqui encastelado será muito melhor. Adaptado, naturalmente, a uma agenda que assegure o rótulo para ambos.

De importante no resultado eleitoral estadunidense apenas a quebra de um espelho em que muitos mundo afora se miravam e se imaginavam também predestinados a tal postura.

No mais, ficamos nós com o pouco que sabemos — apurado no curso de décadas:

O veneno, o mesmo. Muda a embalagem.

domingo, 1 de novembro de 2020

A violência que nos assusta e a quem interessa

Pessoa que convive conosco nos dizia aturdida, tomada de temor visceral: a polícia já avisou de operação no meu bairro para pegar bandido no fim de semana. Não a atormentavam a carestia, a pandemia, a moradia, o que esperar das eleições, o dia de amanhã. Em seu olhar de gente simples estampada a expressão dos desvalidos nesta sociedade contemporânea, interpretada a partir de uma conclusão inexorável: a quem apelar? Que se ajusta à realidade, como reação dela — espontânea — a uma pergunta que não ocorreu: “— Meu filho (de doze anos) não deixo sair de casa”. Teme ela uma bala perdida.

É por demais singular estes tempos em que uma protagonista de significado nunca imaginado no antanho tenha se tornado o centro de atenção no palco das tragédias: a ilustre e nada shakespeariana “bala perdida”.

Mas, caríssimo e paciente leitor, a diva não se apresenta, é forçada a fazê-lo. Expressão central de um discurso que ocupa de tratados a meras postagens sensacionalistas: violência.

Nestes tempos pré-eleitorais lá está o tema recorrente: combater a violência, dar paz e tranquilidade às gentes. Para tanto, todos querem mais polícia nas ruas; mais operações como a que assusta nossa amiga acima.

Ninguém questiona as razões por que da violência e — mais estonteante — da violência promovida pelo Estado no combate à dita cuja. Tornou-se ‘necessária’, imprescindível, única saída, naturalmente institucionalizada como instrumento de combate à marginalidade.

Mas, indaga este escriba de província: cabe ao Estado ser agente de violência? Fonte de temor e terror do cidadão quando quem deveria temê-lo era o marginal? O que mudou nestes anos todos?

E não imaginemos exemplo neste mundo nosso de cada dia. Chegam — legitimando a nossa quase ‘idolatria’ em relação aos Estados Unidos — na forma como tem agido o aparato policial por aquelas bandas. Certamente não na dimensão da letalidade aqui alcançada.

Talvez por estas terras esteja a se aprofundar o que Hannah Arendt observou em relação ao que acontecia nos anos 60 e muito bem se refletia nos Estados Unidos:


“Em nenhum outro lugar fica mais evidente o fator autodestrutivo da vitória da violência sobre o poder do que no uso do terror para manter a dominação [...] O terror não é o mesmo que a violência; ele é, antes, a forma de governo que advém quando a violência, tendo destruído todo o poder, em vez de abdicar, permanece com controle total“.

[...] Seria interessante saber se, e em que medida, a taxa alarmante de crimes não resolvidos é igualada não apenas pelo conhecido e espetacular crescimento das agressões criminosas, mas também por um aumento definido na brutalidade policial”.

Vinculando o aumento da violência ao fato — pouco avaliado — da insignificante resolução de crimes pelo estamento policial e mais agravado àqueles que alcançam os tribunais reflete, que pode não atingir 10% (ou seja, investiga-se pouco e aprecia-se, em nível de Judiciário e consequente condenação menos ainda):


[...] “Assim, probabilidades a favor dos criminosos são tão altas que o constante aumento dos crimes parece apenas natural. Quaisquer que sejam as causas para o declínio espetacular da eficiência da polícia, o do declínio do poder da polícia é evidente, e, com ele, aumenta a probabilidade da brutalidade. Os estudantes e outros manifestantes são presa fácil para uma polícia que se acostumou a dificilmente capturar um criminoso”.

Hannah Arendt (1906-1975) publicou “Sobre a Violência” em 1969, pautada na relação poder e violência, democracia e totalitarismo, mais concentrada nos movimentos que desaguaram no final daquela década. Extraímos das páginas 71 e 124, da 2ª edição brasileira, pela Civilização Brasileira-2010, da tradução de André Duarte, os enxertos acima.

O que nos faz buscar Arendt é a preocupação expressada por nossa confidente: a polícia avisa que fará operação etc. etc.

Evidente o fracasso na capacidade investigativa da polícia civil, que não consegue identificar fontes e focos criminosos, apesar de todo e qualquer morador, aqui e alhures, saber onde vendidas drogas — o exemplo mais clássico em evidência e motivo de operações como a anunciada na abertura desta coluna. A falência da investigação científica torna-se flagrante, muito vinculada à falta de investimentos estatais.

E mais dizemos — especulação que seja — sobre o grande motivador de tudo ocorrer: alguém levando vantagem. Não houvesse a concentração da riqueza como instrumento de poder certamente tal não ocorreria. Afinal, hipocrisia não reconhecer que bancos e empresas de investimento são fachada para lavar dinheiro criminoso, assim como financiar templos, políticas e políticos.

Elege-se este ou aquele país, ou esta ou aquela gente como o “boi de piranha” para justificar a submissão do Estado/Polícia/Judiciário aos interesses criminosos (lícitos ou ilícitos). Naturalmente o formador de opinião e a informação sob controle. Então um helicóptero com mais de meia tonelada de pasta de cocaína – à guisa de exemplo mais recente — vai sendo esquecido enquanto o Estado/polícia investe (sob cobertura da imprensa) sobre comunidades periféricas (social e urbanamente) em busca de criminosos. Para tanto, o terror muito ajuda. Fácil o ‘traficante’ da favela/periferia em vez daquele encastelado no Leblon, na Barra ou no Góes Calmon.

Com relação aos anos 60 dizia Arendt, “Os estudantes e outros manifestantes são presa fácil para uma polícia que se acostumou a dificilmente capturar um criminoso”.

Cinquenta anos depois tudo aí: inova-se avisando a comunidade que a polícia fará operação, onde a “bala perdida” explica a incompetência do Estado e da ação policial lançando a triste realidade às calendas da razão. E em vez de “estudantes e outros manifestantes” os desassistidos das periferias, negros e pobres de meu Deus! Se não alcançar o criminoso (que eu deveria prender) a bala se torne “perdida” ainda que a indigitada vítima esteja no recôndito de seu lar.

Porque importa mais o terror implantado a fórceps no inconsciente coletivo para que a violência que nos assusta continue a beneficiar alguém, encastelado em qualquer forma de poder.