domingo, 30 de janeiro de 2022

O "cavalo de Tróia"

 

Fomos questionado em razão da conclusão levada a termo no último dominical (“LaranjaMadura”). Mais precisamente pelo “nenhum deles em suas falas enfrenta o ‘cavalo de Tróia’ chamado ‘equilíbrio fiscal’”, referindo-nos a Ciro Gomes e Lula.

Cumpre-nos entender o que seja o ‘cavalo de Tróia’ fora dos limites da História e compreender as facetas de sua existência em nosso dia a dia. E mais, os ‘cavalinhos/guerreiros’ nele introduzidos. Para início de conversa, que o ‘equilíbrio fiscal’ é um dos muitos, este posto em nível de ‘dogma de Fé’.

Eis um capítulo significativo e muito pouco discutido, por tudo que representa em si: o domínio dos Estados Unidos sobre a América Latina – através das agências que controla (FMI, Banco Mundial, OMC, sem falar no próprio Tesouro americano).

Tal controle é secular (mesmo antes do término da II Guerra), motivo de invasões e violências contra sistemas legitimamente eleitos quando não fazem o jogo de seus interesses. Nada mais que o famoso ‘big Stick’ desde os tempos de Theodore Roosevelt Jr. (1858-1919), a diplomacia do grande porrete traduzida nos processos de retaliação contra quem não comungue com seu jogo comercial: tudo para nós.

Detentor do sistema imperialista contemporâneo, como romanos e quejandos outros na Antiguidade (daqueles se utiliza simbólica águia), Inglaterra, Espanha, Holanda, França mais remotamente.

O consenso de Washington – como denominado o originado da reunião ocorrida na capital estadunidense em 1989 – voltou-se para corresponder aos interesses do liberalismo por eles capitaneado em sua versão ‘neo’, impondo aos latinos o que devem fazer em nível de políticas financeiro-orçamentárias.

No Brasil atrelados escancaradamente ao Consenso: Fernando Collor, FHC, o atual inquilino do Alvorada e nem dele escapou (no quesito privatizações/redução do Estado) Itamar Franco. O agente Temer foi instrumento de retomada do controle, com auxílio do Congresso e do aparelho judiciário manipulado através de Moro, Procuradores da República e mesmo STF (quando tolerou os abusos e violações às normas, sem falar em julgamentos que atendem pavlovianamente ao “pacta sunt servanda”, pedra sensível para asseguramento do sistema).

O jogo político em torno do tema é por demais sensível. O poder, de forma direta ou indireta, precisa compreender a diplomacia ‘dos interesses hegemônicos’ sob pena de não sobreviver. Que o digam Lugo (Paraguai) e Dilma (Brasil) entre os exemplos mais recentes. Não incluímos a Venezuela porque ainda consegue enfrentar, mesmo com suas reservas internacionais bloqueadas (sem poder usá-las). 

O nó górdio reside neste detalhe, quando tratamos de eleições no Brasil: se há algum candidato que enfrente em plenitude o ‘Consenso de Washington’.

Para ilustrar um pouco o caro e paciente leitor situemo-nos diante do que afeta a gestão pública brasileira a partir do Consenso, não esquecendo que políticas outras anteriormente a ele foram-nos impostas sob o cutelo do ‘big stick’ a partir do golpe de 1964 (que derrubou Jango e suas ‘reformas de base’), que trouxe na esteira a reforma cambial (que Juscelino, Jânio e Jango enfrentaram), a reforma bancária, a reforma da legislação trabalhista (a criação do FGTS foi o primeiro grande baque nos direitos do trabalhador), a reforma da educação (para alimentar o ensino privado), legislação para garantir o investimento de capital sem risco (alienação fiduciária e seu sistema de ‘execução privada’) etc. etc.

No imediato ao Consenso vivíamos destituídos de poupança interna e dependentes do FMI, que como testa-de-ferro do capital só empresta a quem leia na cartilha do sistema.

FHC aliou-se (e mesmo escreveu) à defesa da “teoria da dependência”, pela qual a América Latina somente se desenvolveria sob financiamento externo. E aí o detalhe: tal financiamento somente às custas da apropriação estrangeira do mercado interno, suas riquezas e, naturalmente, do ‘Estado mínimo’, depois de beijar os pés do caboco FMI.

Os gregos venceram os troianos não porque cercaram a cidade, mas porque a invadiram enganando os de Tróia oferecendo-lhe um ‘cavalo de madeira’ recheado de guerreiros.

Duas tragédias se destacam e abatem o Brasil sobre o crivo do Consenso de Washington, adredemente elaboradas (e aceitas): a Lei de Responsabilidade Fiscal (elaborada para garantir o pagamento da dívida e seu serviço independente de qualquer resultado fiscal positivo) e o famigerado “equilíbrio fiscal”.

Este ‘equilíbrio fiscal’ está mais que garantido, através da ‘Lei de Teto dos Gastos’. Trata o Estado como uma atividade privada (ainda que possa emitir moeda e controlar seu fluxo/circulação): só pode gastar se arrecadar.

Para que o leitor entenda o que dizemos em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal toda ela se resume (para os interesses do capital) no grifo abaixo:

Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, as relativas à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico custeadas por fundo criado para tal finalidade e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias. (LRF, Art. 9º, § 2º).

Leia atentamente e veja que sentido faz INCLUIR o pagamento do serviço da dívida além de garantir o butim capitaneado pelo capital especulativo (interno e externo).

O cavalo de Tróia que foi posto no Brasil se alimenta de privatizações, Estado mínimo, exploração da mão de obra, garantia a investidores externos em detrimento dos locais, entrega do controle sobre as riquezas naturais etc. etc.

Qualquer governo eleito que o enfrente mais contundentemente sofrerá os ataques externos (políticas de retaliações etc.). Sempre lembramos da entrevista de Moniz Bandeira (em 2013) afirmando que os Estados Unidos não tolerariam o protagonismo do Brasil. Em entrevista posterior a Carta Maior retomou a temática.

Promover desestabilizações na América Latina é apenas um capítulo a mais da cartilha dos Estados Unidos.

No processo eleitoral vindouro não acreditamos que qualquer candidato – em especial os ditos nacionalistas – incluam em seus discursos que enfrentarão o Consenso de Washington publicamente. Em especial no seu ‘calcanhar de Aquiles’, o equilíbrio fiscal.

Lula/Dilma o fizeram (em parte) por caminhos outros. Pagaram a conta. Ele, preso e afastado do processo eleitoral de 2018; ela, derrubada simplesmente.

O ‘cavalo de Tróia’ não brinca. E sabe que o povo/eleitor não entende qualquer discurso que o expresse.

Lula e Ciro Gomes também.


domingo, 23 de janeiro de 2022

“Laranja madura...”

 

Das leituras esparsas palmilhadas por este escrevedor de província três alimentam este dominical: 1. A mensagem de Ciro Gomes; 2. A entrevista de Lula a blogueiros; 3. Matéria do El Pais sinalizando a ‘revolução’ proposta em Davos por alguns bilionários do planeta.

A terceira entraria como Pilatos no Credo se não houvesse relação direta com as manifestações trazidas ao debate por Lula e Ciro. Isso porque  não será de hoje  o Estado brasileiro  entre os mais destacados no concerto internacional (o instante não apaga o que representa aos olhos do mundo) está atrelado ao que pensam os senhores que controlam o mercado, esse ‘deus’ nefasto que o tem (o Estado) tão somente para corresponder ao que àqueles interessa.

E aí a ‘revolução’ alardeada como a chegada do messias (ops!) para livrar o mundo de todos os males: ricos pedem para pagar mais impostos. Parcelas da confraria, que se intitulam ‘Milionários Humanitários’ e ‘Milionários Patriotas”, ‘pedem’ que os Estados lhes atribua mais obrigações tributárias.

Leia-se que tais existem, naturalmente em doses ingênuas/hilárias diante do que sobre elas recai.

Não falta quem veja em tamanha ‘boa vontade’ uma manifestação de adesão da classe dominante ao que a denominada esquerda defende; taxação maior para as fortunas, heranças, rendimentos do capital especulativo e quejandos outros, o que inclui  em nível de Brasil  taxação de aviões, iates, helicópteros etc.

Os ricos quererem pagar mais impostos soa bonito na fita. Mas  quando tal acontecer, se acontecer  qual o limite do “sacrifício”. Até porque  não custa lembrar  a inaudita conversão foi trabalhada sob a ótica de que foram/serão atingidos (como empresários etc.) pela ausência de consumo e a redução da produção em decorrência da pandemia etc.

Neste particular colocamos um outro ponto: não estão clamando para serem reconhecidos como cordeiros por temor que uma ‘revolta pelo desespero’ destes atinja os lobos?

Por tal soa-nos este implorar repetir o tradicional ‘dar dedos para não perder os anéis’.

Por outro lado não se pode perder o mote e deixar de improvisar no repente.

Violas afinadas, vamos lá!

Natural a compreensão dos singulares ‘pedintes’ de que somente o Estado detém o poder de orçamentar (arrecadar e gastar) para corresponder às necessidades coletivas. Mas não se referem eles aquilo que retiraram do Estado (e continuam retirando) e que poderia voltar-se para o atendimento aos cidadãos.

Basta  à guisa de exemplo  o pré-sal brasileiro (antes pertencendo ao país e a Petrobras), extraindo óleo entre 8 e 14 dólares (no máximo 30), com percentuais do resultado destinados à saúde, educação e pesquisa. Mas o pré-sal que era nosso  com reservas que podem atingir 500 trilhões de dólares (em torno de US$ 150 trilhões já admitidas)  ora se encontra em parcela significativa (antes da ‘doação’ do restante) em mãos do capital petroleiro internacional.

Na outra ponta (a da confraria) um novo bilionário (bilionário!!!!) surgiu a cada 26 horas durante a pandemia (CartaCapital). Ou seja, mesmo com a atividade econômica desacelerada a cada dia um novo se junta à confraria dos poucos.

Para ilustrar aritmeticamente, considerando as 26 horas no universo das 8.760 horas de anos não bissextos, alcançamos cerca de 337 abonados em tal degrau a cada ano, que podemos especular beirando os 700 no curso da pandemia.

Acresça-se (diz a revista) que “os 10 homens mais ricos do mundo dobraram suas fortunas” no período: “de US$ 700 bilhões para US$ 1,5 trilhão”.

Caro e paciente leitor, para não nos alongarmos, cada bilhãozinho destes (apenas destes novos bilionários) representa em nível de salário mínimo atual significativos 1,4 TRILHÃO de reais em números arredondados para baixo. Por cada um dos 220 milhões de brasileiros (ricos, remediados e o resto!) o equivalente a 6,4 mil reais. Apenas para abrir prosa e dimensionar o dinheiro que se concentra na mão de poucos (sem falar dos outros não tão poucos!).

Para concluir nosso pensamento: que poderia ser feito pelos desassistidos do planeta se cada um deste novos 700 bilionários destinasse 200 milhões de dólares (20%) para um fundo de apoio aos miseráveis do mundo?

Apenas dos ‘pedintes’ teríamos em torno US$ 140 bilhões ou míseros 770 bilhões de reais, ou seja, cerca de 2,566 bilhões de cestas básicas de 300 reais.

E não falemos dos bilionários de costado e cutelo! Entre os quais 10 deles “dobraram suas fortunas”.

Simplesmente  sem depender do Estado  poderiam ditos ‘pedintes’ criar condições de melhoria da vida dos explorados para garantia de sua bilionariedade: instituir os meios pelos quais fizessem trafegar o dinheiro sem o risco de desvios. Construção e manutenção de hospitais, centros de pesquisa, escolas, renda mínima etc. etc. seriam bem vindos.

Mas, buscam eles transferir para o Estado como se o controle deste não lhes pertencesse através dos governos que elegem, dos congressistas que financiam e mesmo do judiciário que lhes corresponde em nível de interpretação pretória.

Transferindo para o Estado (que lhes pertence) entendemos que estão a expressar apenas um álibi. Coisa assim, tipo ‘quem o rato a pôr o guizo no gato para anunciar a chegada do dito cujo’.

De nossa parte ficamos com a ideia de que a coisa cheira a ‘laranja madura na beira da estrada”.

Quanto ao expressado por Lula e Ciro: correspondem ao seu papel de arautos de programas político-partidário-eleitorais confluentes. Decanos (programas e porta-vozes) da social-democracia pátria, atropelada e esfacelada nestes últimos cinco anos. Capazes de fazer bem mais do que o que pedem os ‘pedintes’.

E como nenhum deles em suas falas enfrenta o ‘cavalo de Tróia’ chamado “equilíbrio fiscal” (‘dogma de fé’ do Consenso de Washington) creem piedosa e piamente que a ‘laranja madura’ na beira das estradas em que trafegam os convida para uma salutar laranjada!


domingo, 16 de janeiro de 2022

Apesar de tudo

 

Há 200 anos este país alcançava a Independência(?) política urdida à luz dos interesses da Inglaterra a partir daquele 9 de janeiro de 1822. Não à toa, os ingleses os beneficiados por indenização do Brasil a Portugal por danos causados pela declaração de independência no 7 de setembro, em 2 milhões de libras esterlinas (Tratado de Paz e Aliança, de 25 de agosto de 1825), que cobriu a dívida portuguesa para com os bretões que financiaram sua campanha de defesa contra Napoleão e de transferência da Corte para a colônia em fins de 1807.

Sem falar na imediação obtida com a “abertura dos portos às nações amigas” (leia-se, Inglaterra) no janeiro do ano seguinte.

No imediato do Centenário o presidente Artur Bernardes precisou decretar estado de sítio para poder governar e enfrentar os interesses da Inglaterra de se apropriar do Lloyd Brasileiro e do Banco do Brasil, as joias da coroa à época.

No janeiro de 1971, vésperas do Sesquicentenário da Independência, sucumbia nos porões da Barão de Mesquita o ex-deputado Rubem Paiva, ouvindo – enquanto torturado – “Apesar de Você” (Chico Buarque) e “Jesus Cristo” (Roberto Carlos) ritmadas sob choques elétricos e cassetetes.

Três recortes da história desta terra brasilis encadeados. O mais recente daqueles, fruto do projeto de eliminação física dos que exerciam o direito de pensar e combatiam a ingerência do capital estrangeiro sob égide dos Estados Unidos, que acabara de custear um golpe de estado e encastelara militares no poder para garantia das reformas de seu interesse.

Neste ano da graça de 2022 duzentos os anos da Independência, que nunca efetivamente desfez o colonialismo que norteia o país desde idos de 1500 d.C. Tampouco estamos longe dos riscos de antigamente. Mesmo ameaças de golpes.

Atentemos – para compreendermos o instante na planilha histórica e geopolítica – para um fato a ser considerado como relevante: quando Lula se elegeu em 2002 os Estados Unidos no âmbito geopolítico detinha significativa hegemonia e não enfrentava o que hoje enfrenta (China e URSS); a eleição do ‘barbudo’ incomodava, mas não impedia a manutenção das políticas estadunidenses para o “quintal” chamado América Latina.

De lá para cá muita coisa aconteceu, e a pior delas: a descoberta das reservas do pré-sal que não se encontram ainda sob tutela absoluta do capital petroleiro internacional.

O desmonte do Estado brasileiro e das estrias sociais então vigentes (relações capital-trabalho, programas sociais e de geração de emprego e renda, acesso à saúde e à educação, seguridade social etc.), aprofundado a partir do golpe de 2016, levou o país, em cinco anos, à degradação de sua imagem externa e à desconfiança interna.

Lula fala(va) em ‘colocar o pobre no orçamento’; ora substituído dito pensar por governos que visam ‘aprofundar a participação do rico no orçamento’.

Caso vivêssemos em estágio tribal tal aspecto seria tolerado, porque lhe é natural.

Não é o caso de um Estado nacional politicamente organizado, com instituições definidas (ainda que algumas controladas diretamente pela iniciativa privada, a exemplo do Banco Central e das Agências reguladoras) e outras indiretamente (ordenamento jurídico e sua interpretação) sob o crivo da legislação elaborada por um Congresso de maioria absoluta sob controle da classe dominante, com representação à direita, centro e parte da esquerda.

Estamos no estágio de realidade nacional em que os monopólios, a especulação financeira e a acentuada exploração do trabalho instalaram-se no comando das políticas públicas e o conforto por eles gozado não será superado sem luta, porque para essa estirpe de chaga estatal qualquer pretensão entendida como favorável à uma ordem social mais justa e menos desigual lhe soa inconveniente e é alardeada como coisa de comunista, de terrorista, de inimigo da família, da propriedade e das tradições cristãs ocidentais.

Este 2022, ano do Bicentenário e de eleição, repete aspectos semelhantes vividos no curso de dois séculos. Até porque o sonho de independência, não alcançada em plenitude, soa aqui e ali ser retomado através de projetos político-partidário-eleitorais.

Ainda que sob o pálio de alianças conflitantes.

Mas, apesar de tudo... é o caminho que resta.  

 

domingo, 9 de janeiro de 2022

Sabatina

 

Diante do ABC do Direito Financeiro a primeira compreensão que se impõe diz respeito à razão por que dos gastos públicos por sua destinação. As “políticas de Estado” — na Constituição Federal denominadas de “objetivos fundamentais da República” (CF, art. 3º) — estão delimitadas claramente: “garantir o desenvolvimento nacional”; “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”; e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. (CF, art. 3º, II, III e IV).

O expressado pode ser traduzido em linguagem mais simples: de que por força de norma constitucional cabe ao Estado corresponder às necessidades básicas dos cidadãos, partindo do pressuposto de que no plano coletivo cabe a ele (Estado) provê-las e tê-las sob controle e condução. Ou seja: saúde, educação, seguridade social (aposentadorias etc.), programas sociais e investimentos (estradas, ferrovias, portos etc.) devem estar a cargo do Estado porque não factível que o promova a iniciativa privada, uma vez que esta não tem compromisso em atender às necessidades coletivas (e sim, ao lucro).

Estas necessidades coletivas (acima elencadas), com destaque para a saúde, a educação e a seguridade social ainda que possam ser delegadas à iniciativa privada são atendidas pela despesa pública, o que exige arrecadação (receita) para cobrir ditos gastos.

Tudo o posto visa a mais profunda das metas: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”; a fome e a subnutrição em primeiro plano.

Para tanto, os governos (eleitos pelo povo para corresponder às promessas de dar cumprimento aos ditames constitucionais) levam a efeito a ideologia que os norteia, uma vez que representantes dos diversos estamentos da sociedade.

Assim, a atuação dos governos em particular está movida pela dimensão ou compromisso ideológico defendido por cada partido político, como representante dos trabalhadores, empresários, proprietários rurais, banqueiros, indústria (bélica, fármaco-química, construção, naval, energia etc. etc.).

O até aqui alfarrabiado permite entender por que ou como este ou aquele governo atua de forma distinta em torno das denominadas “políticas de Estado”.

Naturalmente não pode ser exigido que um governo eleito por banqueiros, industriais e latifundiários promova reforma agrária, reduza juros e incentive a oferta de emprego e a distribuição de renda reduzindo seus ganhos.

No entanto o contrário se impõe: um governo eleito por partidos trabalhistas muito compromissado está com a “redução das desigualdades” e “erradicação da pobreza”. Suas políticas públicas serão levadas à prática com programas e projetos de geração de emprego, de ganhos reais para o salário mínimo, de investimentos públicos em saúde, saneamento, educação e pesquisa (hospitais e prevenção de doenças o que inclui vacinação universal), aumentos salariais acima da inflação, construção de rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, refinarias, rede e tratamento de esgotos, oferta de água tratada, agricultura familiar, programas de acesso à alimentação, à moradia, renda mínima, criação de novas universidades e ampliação de centros de pesquisa – facilitando o acesso de todos a tais programas.

O preâmbulo acima está motivado diante de um fato concreto: nas redes sociais a que tivemos acesso circulou chamamento vinculado ao ano eleitoral petista, no sentido de que não se fale em Lula 2022, mas no 13 do PT, diante do risco de o imaginário absorver o 22 como número a ser digitalizado na urna eletrônica (e que pode ser do inquilino do Alvorada, como candidato do PL/22).

Registramos, como ‘contribuição’ ao quanto circulado, que em nível de Bahia pouco se vê de vinculado ao Partido dos Trabalhadores as realizações do governo razão por que a mensagem sempre está carregada de “governador...”, “deputado...”, “secretário...”, “senador...”...

O que significa dizer que no imaginário do eleitor vai se fixando (‘como água em pedra dura...”) a “ação” pessoal/individual, e não a do partido que põe em prática políticas públicas consentâneas com os interesses do próprio cidadão/eleitor.

Para este escriba de província o alerta que circula na rede tem alcance restrito; a grande maioria continuará vinculando ações de políticas de governos petistas a ‘fulano’, ‘beltrano’ e ‘sicrano’.

Em análise mais aprofundada, uma postura infelizmente posta em prática secularmente por coronelismos que remontam à República Velha e sempre utilizada por caciques do conservadorismo pátrio, onde prima aquilo atribuído a Luiz XIV: “L’État c’est moi”.

No fundo, apenas um erro de leitura do PT, como tem ocorrido, muito bem situado por Nassif: "E as transformações do período anterior, pouco enraizadas na opinião pública, voaram com o vento do golpe

E nos parece que o dever não foi lido e realizado. O Partido dos Trabalhadores (e o povo, as consequências)  tem sofrido por isso: não leu Moniz Sodré (em 2013) etc. etc. etc.

A propósito, trazemos Luiz Nassif para dizer um pouco mais daquilo que temos dito e escrito sobre o daltonismo petista.

Porque em tempos outros a lição seria cobrada sob sabatina com palmatória e tudo.


domingo, 2 de janeiro de 2022

Tragédia em atos, epílogo e reflexão

 

Um pouco de tudo se fez. E muito de escondido se exibiu. Um desastre bissexto trouxe à tona a solidariedade humanística guardada na maioria das gentes. E não faltaram antigas práticas em meio à reflexão que o instante impôs.

O tormento legando lições diversas.

A realidade fragmentada diante da hipnose da água subindo... subindo... subindo... fez este escriba de província viver (54 anos entre elas) duas cheias que o atordoaram e escrever estes retalhos, que cobram do leitor a costura para se tornar dominical.

Ato I

Os sinos anunciavam, as luzes atraiam olhares e dirigiam a alegria. A festa cristã maior em mais um ano se aproximava. O compre, compre, não deixe de comprar, vestindo vermelho, blim-blom-blim-blom-blim-blom. O espírito de fazer das tripas coração ocupando mentes e lares todos daqueles que passaram o ano sem mesmo dispor de tripas para comer.

Ceias em diferentes formas ensaiadas.

Até que outros Ricardos, Henriques e Hamlets nada sheiquispirianos ocuparam o palco, cada um impondo o seu enredo.

Ato II

“De repente, não mais que de repente” (Soneto de Separação, de Vinicius de Moraes) o céu nublou e começou a gotejar. Ampliou o gotejo. E o gotejo se fez caudal. Poucas as horas para que o homem se percebesse impotente. Águas subindo... subindo... subindo... como se quisessem subir a Serra do Marçal. De Itororó a Ilhéus o mar imenso. Itororó nunca dimensionara o Colônia como agora; Itabuna lembrou às novas gerações o Cachoeira de 1967.

Ato III

A solidariedade então se fez. Centenas voltaram-se para apoiar os milhares então desassistidos.

De todos os quadrantes apoio material e moral para os desabrigados.

E o Natal então se materializou como nunca.

 

Epílogo

I

E se fez a história repetida, como farsa.

No antanho os milhares de nordestinos flagelados recebiam do governo meio salário mínimo para atuar nas frentes de trabalho. Construíam açudes e barragens em propriedades de abastados e políticos como anúncio do Advento de uma Nova Era: água, quando chovesse, que encontraria espaço para ser armazenada nas grandes extensões, nunca nas talhas daqueles desvalidos.

No presente não faltaram os coronéis, como os que se beneficiavam da indústria da seca. Não mais açudes, no entanto.

Milhares de toneladas de alimentos e mantimentos outros, destinados pelo voluntariado anônimo, servem de pano de fundo para a fotografia de alguns políticos que não puseram o pé na lama. Afinal, 2022 é ano de eleição. E a miséria alheia se oferta oportuna para ser explorada.

II

Para coroar o instante de singular convocação à solidariedade o governo federal, na pessoa do insigne inquilino do Alvorada, se negou a aceitar ajuda internacional oferecida à Bahia.

E enquanto o governo local se tornava pássaro voando sobre os campos onde a batalha acontecia, o federal gozava suas ‘merecidas’ férias em praias e parques de diversão catarinenses.

III

Para que não nos esqueçamos de Herodes as crianças ainda estão impedidas de beneficiar-se da vacinação contra Covid-19, porque aquele governo que retardou a vacinação e fez morrer o dobro do que morreria se aplicada no tempo recomendado hoje ‘entende’ que são necessários mais estudos e análises que própria Ciência já definiu, recomendou e governos além-mar aplicam.

E ficamos a imaginar o que seria das gerações que hoje estão mais velhas se não houvessem tomado a vacina contra a paralisia infantil.

Ou se no Brasil do passado estivesse o dirigente do presente.

Porque neste 2022 há quem ainda veja na vacinação coisa do Cão. Uma ou outra.

Reflexão

Tudo que nos tem acontecido, precipitado pela tragédia que nos acometeu justamente no Natal, impõe reflexão. Uma canção em tempos de chumbo dizia: “É preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte” (Divino e Maravilhoso, de Gil e Caetano).

O tempo no imediato não admite passos lentos. Correr, sem cansar. Mostrar disposição. O que está por vir muito depende de nossa reação irresignada.

Dispomos à reflexão de instantes da história recente do país que nos permitem comparar e escolher o que seja melhor para todos. Naturalmente não ‘todos’ da unanimidade ‘burra’ nelsonrodrigueana.

Afinal, tragédias muito ensinam e chamam à reflexão.