Diante das observações anteriores temos que uma
última premissa se impõe analisar, qual seja o porquê da celeuma em que se
tornou o ‘voto impresso’: cavalo de batalha, cavalo de Troia, biombo para um
jogo no campo político-eleitoral.
Dois lados conflitam em relação ao ‘voto
impresso’: um, contra; outro a favor. E cada um manuseia o biombo conforme seu
interesse. Nenhum preocupado com a Democracia que diz defender. Razão por que por
trás de cada uma das posições — no atual
processo de discussão — não está
em jogo qualquer dimensão que a tenha sob a ótica democrática ou — o mais importante — instrumento de legitimação do
processo eleitoral quando salvaguarda o direito à irresignação (pedido de
recontagem) ou de auditoria do sistema, o que seria apenas mais uma forma de
controle externo dos vários existentes no país.
Sob esses aspectos — que deveriam ser o crucial centro de
atenção — todos os
atores que se fizeram presentes no palco da discussão passaram ao largo dele.
Cabe-nos aqui ponderar em torno dos contra uma
vez que os argumentos a favor (negados em nível de discussão) já foram expostos
anteriormente. Aliás, fácil vislumbrar que os argumentos utilizados por aqueles
que são contra não se fazem permeados da lucidez jurídica imprescindível quando
se afastam (ou afastam do tema) fundamentos e princípios inalienáveis de
Direito.
Assim, alheados da realidade o que os norteia remete-nos
então por indagar em torno daquele famoso “a quem” ou “a que interessa”.
Da mídia e da FIESP nada a comentar, sabido e
consabido os interesses que defendem. E seus interesses estão sempre vinculados
à conquista do poder e sua manutenção, ou seja, manutenção de quem possa
assegurar históricos privilégios.
No entanto o ministro Roberto Barroso
(STF/TSE) — ‘democrata’
como poucos, dirão os encantados pela naja — liderou a contrariedade à proposta justificando-o
em defesa do processo democrático. Justamente uma figura à qual cabia entender
razões principiológicas que norteiam o Direito, uma vez que está claro que no
atual sistema não há qualquer possibilidade de recontagem, tampouco de
auditagem do resultado (não confundir com auditagem da urna), o que nega o direito
recursal em qualquer de suas formas.
Dizemos isso porque não queremos crer que sua
posição (do Ministro) tenha se originado do fato de a ela haver aderido o atual
inquilino do Alvorada (aliás, o maior cabo eleitoral contra ele mesmo), que
insiste no mesmo método levado a efeito pela extrema-direita estadunidense e de
logo prepara o espírito para uma fraude em 2022 (caso perca as eleições,
naturalmente).
De Sua Excelência (que não lembra por
conveniência) não esquecemos que defendeu o impeachment sem crime da
ex-presidente Dilma Rousseff porque a tramitação
na Câmara se fazia correta para o seu augusto entender. Ou seja, negou o que qualquer
aprendiz de feiticeiro em Direito sabe, de que em casos tais o formal (o
processo de impeachment) carece do material (crime); sem crime o processo pode
ser obstado por falta de justa causa, o que um simples habeas corpus assegura, mas os senhores do STF (em maioria)
disseram que não.
O que nos deixa com aquela pulga atrás da
orelha diante da posição de Sua Excelência é o fato de negar o escorreito em
favor de quê? Ao alimentar a dúvida não há certa confissão de que o sistema
atual apresenta falha (fato comprovado e pouco divulgado)?
Cumpre ressaltar que a presença do inquilino
do Alvorada entre os que defendem o ‘voto impresso’ gera um posicionamento muito
‘contra ele’. E a antipatia que tem gerado no seio de segmentos sociais leva à
defensiva.
No entanto, não vemos no 'inquilino do
Alvorada' nada além do que ele é. O que diz sobre o tema gira apenas em ver
repetido o que o 'grande pai do Norte' ensinou (e voltou aqui através de agente
estatal para discutir, entre outros, temas de seu interesse).
Outrossim, não se diga que o contingente
contra o voto impresso se limitou a searas à direita porque a esquerda
enveredou de corpo e alma na função de ópera bufa em que se tornou a discussão:
ser contra ou não. No caso dela, contra porque o inquilino a proclamava.
A opinião deste escrevinhador de província vai
mais além, no campo prático: fizeram o jogo do 'inquilino do Alvorada' os que
atribuíram a ele possível caos com implantação do voto impresso para fins de
conferência de resultado/recontagem. Até porque o indigitado não é — salvo prova em contrário — em termos de sanidade e competência,
capaz de entender a realidade sob o prisma do 'direito à irresignação'.
Finalmente, fizeram o jogo do inquilino os que
o combateram no campo por ele posto, nivelados a ele. Poderiam tê-lo deixado a
ver navios, sem qualquer argumento para mobilizar o seu 'exército' em defesa de
um golpe. Diluiriam seu argumento, bastando aceitar algo que é lógico.
No entanto, deram-lhe o argumento que não tinha
e palanque para ameaças às instituições e ensaiar o ‘seu’ golpe.
No caldeirão ou na rede caíram todos. Engambelados
pelo argumento vazio de que o voto impresso constituía retrocesso diante dos
avanços do processo eleitoral se não regido por ‘sua excelência’ — a urna eletrônica — elevada à categoria de ‘divindade’ com
todos os seus atributos: onipotência, onisciência e onipresença.
Por fim, os que acreditam nos postulados à
esquerda de defesa de uma sociedade mais igualitária costumam confundir o que
acreditam como o que se faz para por em prática o que imaginam acreditar.
Essa a razão por que muitos embalados de mala
e cuia na defesa que a esquerda fez do processo eletrônico como existe nesta terra brasilis, a ponto de negarem o
mais sagrado dos princípios: o da irresignação jurídico-processual.
Em meio aos avanços encetados pela sociedade
brasileira de exercer o controle externo de instituições várias (inclusive do
Judiciário) estranha a insistência do TSE em ser — em nível de eleições — uma típica empresa “única no mundo”
que “projeta, fabrica, transporta, instala e opera urnas, organiza eleições,
controla o eleitorado e os partidos e julga o próprio desempenho”, como
observou comentário na internet (GGN).
Cremos que — enquanto persistirem dúvidas sobre o
processo eleitoral no atual formato — a inteira impossibilidade de
recontagem ou auditagem do resultado no sistema eleitoral brasileiro torna a
alta cúpula do Poder Judiciário no ‘poder’ capaz de decidir quem deve vencer
uma eleição.
Passível de manipulação — que provem tal impossibilidade, basta
admitir a auditagem na forma que venha a ser prescrita em lei — cremos ser este o torreão que
alimenta a resistência do STF/TSE em dispor de um processo transparente e
confiável. Ele, que não demonstrou interesse no aperfeiçoamento quando pôde
fazê-lo, a partir das eleições de 2002, vigorando a Lei 10.408/2002, que criara
o voto impresso (revogados por Lula, em 2003, os dispositivos que o instituíam)
e 6,18% do eleitorado o exercitaram na totalidade das seções eleitorais do
Distrito Federal e do estado de Sergipe.
Não fugimos a perceber a existência de ‘gato
na tuba’ desafinando a seriedade que se exige do processo eleitoral no quesito
conferência ou auditagem do resultado, forma elementar de controle externo.
Além do horizonte vemos na postura do STF/TSE
uma velada e nada disfarçada vontade de juristocrizar este país.
Sinais os há: STF manipulou o ‘caixa 2’ (crime
eleitoral) e o transformou em corrupção (inclusive com Joaquim Barbosa escondendo
dos pares o famoso Inquérito 2474 que ele mesmo requisitara a Polícia Federal
para comprovar a existência de recursos públicos oriundos do Banco do Brasil,
fato que o inquérito não encontrou e que inocentava a todos por crime de
corrupção diante da ausência de recursos públicos); o mesmo STF que ‘inventou’
prisão com condenação em 2ª entrância ainda que a Constituição afirme o
contrário; que referendou os atos praticados pela Lava Jato em desconformidade
com a lei no tempo em que deveria tê-lo feito; o mesmo STF que se omitiu diante
das aberrações que envolveram o impeachment e a destituição de uma presidente
da República; inclua-se o TSE e sua temerária omissão diante de crimes
perpetrados no curso de eleições, em especial aqueles cometidos por quem se
tornou vencedor em 2018.
São sinais evidentes de que ‘quando eu quero
eu faço’, ‘tenho o poder’ etc. etc. Para nós traduzidos em uma palavra,
simplesmente: juristocracia, que significa
“Sistema de governo,
normalmente não democrático, baseado em decisões de juízes, magistrados,
desembargadores, etc. Onde qualquer juiz de qualquer instância pode decretar o
que bem entender se utilizando de mecanismos judiciais casuísticos para impor à
sociedade, à (sic) um indivíduo ou instituição a sua percepção pessoal, ou servindo a
uma ideologia ou grupo político em prejuízo da Ética, da Legalidade Moral ou
dos anseios populares.” (Dicionário Informal)
Eis o porquê daquele jogo anteriormente
referido (aqui) relacionado a “ um poder”
que não quer se “bastar às suas funções institucionais”, pretendendo ser “capaz
de investir não somente em temas originários do Poder Executivo ou do Poder
Legislativo”, mas de tornar-se “contraponto ao defendido ‘poder moderador’ das
forças armadas”, com força “capaz de interferir” na política, basta que municiado
de apoios que não dialetizam a realidade.
Não lhe faltam
os apoios da classe dominante e seus instrumentos (mídia e quejandos). E ganha
(esperamos que tenha prazo) o valioso apoio da esquerda.
E assim, no jogo da juristocracia, a esquerda
(de joelhos) confia nas instituições não confiáveis. As mesmas instituições que
a afastaram (e às suas valiosas políticas públicas) do exercício do poder, não
só alimentando (pela omissão) um golpe como inviabilizando a candidatura de um candidato
oriundo de suas hostes praticamente eleito.
Mas, ainda há gente que prefere acreditar em
Papai Noel e esquecer do que dizia Leonel Brizola sobre o sistema eleitoral
eletrônico brasileiro sem voto impresso. Ele que sabia das coisas, desde que o
Proconsult ministrou-lhe lições em 1962.